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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

1 NOSSA CRUZ DE TODO DIA


I

De braços abertos eu te protejo

E te abraço em férreos braços...

Purifico-te em banhos de cheiro.

Cheiro de alecrim, cheiro de açucena,

E afasto o perigo com o espinho do calumbi.

Estarei sempre alerta a te proteger

Como a mãe protege o seu rebento;

E lúcido para te guiar pelos labirintos do mundo

Como se fosse a mão de Deus

Conduzindo invisível Seus filhos desgarrados.


Quando te sentires forte o suficiente

Para guiar teus próprios passos

Por este mudo errante,

Uma vez partido e decidido teu destino,

Peço-te que não radicalizes

Como o Tempo que anda sem olhar para trás

E sem esperar por ninguém...

Não tenhas mágoas do teu passado,

Pois ele será sempre o teu presente

E estará presente aonde quer que vás.


E se um dia,

A solidão diáfana te abraçar

E não mais saberes por onde seguir,

Peço-te que voltes, mesmo trôpego,

Trazendo na mala uma medida do Bonfim

E amarre-a no meu corpo para ti desnudado,

Antes de te ajoelhar e de te benzer,

Antes mesmo de depositar os teus presentes

No meu carcomido pé;

Depois me abrace, me afague,

Possua-me como se eu fosse tua última amante

Ao qual darias o teu último beijo.


Talvez assim

A minha solidão contundente

Não mais me ferirá

Como te feriu um dia

O espinho do calumbi.





2 A CIDADE


II

O Junco descansa placidamente

No seu leito profundo, secular.

Os fantasmas passeiam calmamente

Pelo vazio das ruas dormentes.


A igreja repica os sinos

Em sons invisíveis e inaudíveis

Que só os fantasmas ousam escutar.


Fantasmas da miséria,

Fantasmas da maldição,

Fantasmas duma cidade fantasma

Que acalentam os sonhos

E anseios de quem nasceu insone.


O padre, indiferente, prega a missa

Em tristes orações de funerais...

Orações e rezas de quem partiu

Para não mais voltar.


E os fantasmas, uníssonos,

Entoam o réquiem.




3 OS FANTASMAS DA PRAÇA


III

Uma praça,

Uma rua...

Pessoas são como cães que vagam

Perdidos na solidão do existir.


O canto do acauã,

O estridente assobio da cigarra...

Formigas trabalhando de sol-a-sol

À espera do inverno que tarda.


Postes desafiam o infinito

Iluminando além da praça

Despovoada de gente

E de calor humano.


Inumanas são as árvores

Sombreando o cálido chão

E acalentando os fantasmas.




4 PAU-DE-ARARA E ARARA NO PAU


IV

Em cima de borrachas infladas

E de tábuas duras quanto a própria sorte,

Reina o sonho e a esperança

Em cálidos rostos tracejados pela dor

De homens que vivem sem norte

Cujo destino se chama Sul.


Pau-de-arara,

Paus-de-araras!

Sua cama, sua vida,

Sua alma enraizada

No cheiro da caatinga,

No ronco do motor!


A minha sorte maior

Foi ter nascido poeta

No ápice da guerra

Do homem com a Natureza.

Só assim

Poderei condecorar

Os heróis anônimos nacionais

Que partiram do seu povo

Desfraldando a bandeira da necessidade

E que perderam sua identidade

Nas rodas do caminhão.


Mas quem devolverá

A vergonha dessa gente

Que partiu do seu povo

Para se exilar no seu próprio país?







5 O MERCADO PERSA


V

Aqui não se vende esperança,

Nem afago, nem aconchego;

Vende-se camisa de casimira

Para se ir à missa aos domingos

Ou pano para tecer mortalhas

Dos que sucumbem ao peso da vida.

Vende-se sandálias macias

Para não machucar o chão

No pisar bruto de pés calejados

Da labuta abrasadora.


Sandálias de pescador,

Casa de mercador...

Dentro, tem de tudo um pouco:

Mel de abelha de urucu,

Rosário de ouricuri,

Mangaba do tabuleiro

E fruta de mandacaru.


Tem também a fome

Dos que se encostam nas paredes

A escutar amargurados

O arrastar pachorrento do tempo

Que vive sem pressa de chegar

E chega sem pressa de passar,

Sem pressa de mudar o destino

Ou a fome de quem já não a sente.






6 MORTE E VIDA SEVERINA


VI

A morte aqui não vinga

Como não vinga a plantação.

Aqui as pessoas nascem

Segurando a alça do caixão.

As lágrimas já não descem

De pétreos olhos humanos,

Pois o cotidiano da morte

Está presente em todos os cantos

E em certos lugares se tornou

Na última esperança que morre.


Mas quem morreu

Sem ter vivido?


Quem jamais ousaria olvidar

Da sorte nefasta do infeliz sertanejo:

Curtido do sol, mergulhado em prantos de amarguras,

Secando no tempo suas mágoas e desventuras...

Enterrando seus mortos no silêncio da dor

E rezando calado para que a morte não tarde.





7 O CAMINHO SEM VOLTA


VII

Mais duro que o pétreo chão,

Mais fatigante que a inclemência solar,

É a dureza dos corações

Na cadência fúnebre da marcha forçada.


Quem devolverá

A vergonha dessa gente

Secadas pelo sol

E o terror inclemente

De enterrar seus mortos

Fazendo mutirão?


E de tanto versejar

Catástrofe e horror

A sua alma sofrida

De miséria calejou...


E o azar,

Mesmo chegando sem dó,

Sempre será

A sua sorte maior.