segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Utopia

Uma senhora dormiu numa poltrona de um shopping center, alguém viu, fotografou e fez umas montagens ridículas. Depois postou no Facebook. Dezenas de milhares de compartilhamentos. Centenas de comentários jocosos que mais pareciam hienas arreganhando os dentes. No meio de tantos urubus ávidos por carniça, surgiu uma voz dissonante, condenando o que se fazia com a pobre senhora. Foi massacrada, vilipendiada, escorraçada pelos que se achavam no direito de rir da gente humilde, embora ela tivesse um poder de resistência descomunal.

Fiquei animado com a feliz constatação de que o mundo ainda pode ser salvo por gente que em um repente levanta a voz contra as indecências dos presunçosos. Ainda há gente com capacidade de se indignar. Poucas pessoas, mas há. E por isso, uma ode à sua coragem de enfrentamento e recuo estratégico.

Utopia
Para Mariana Escopel, com a devida vênia por não ser mais enfático na sua defesa.

Meus sonhos são ilhas vulcânicas
Soterradas em águas profundas
De mares sujeitos a abalos sísmicos.
Não há correntes marinhas
Transportando garrafas de náufragos
Prenhes de quimeras e utopias
Para além do reino de Poseidon.
Nem golfinhos de Palêmon salvando afogados,
Nem cavalo-marinho da amplidão oceânica
Cavalgando vales e surfando tsunamis
Desfraldando minha bandeira utópica
Soterrada em sete toneladas de magma
Rota e violada em seu afeto moral.

Encantamentos

E a mocinha ribeirinha, lá do Norte, mostra à mãe o que já não pode mais esconder. Inocente, disse displicente:
- Foi o boto, minha mãe!
A mãe engoliu saliva, engasgou um palavrão e sorriu carinhosa para a filha, pois sabe desses encantamentos e feitiços do amor.
Sua filha também era filha do boto.