Em 1963 eu morava na roça e caí da jega do meu irmão, bati o cotovelo numa pedra e o meu braço direito dobrou. Não havia médico na cidade, só Zé Botica, o botiqueiro que se fazia de farmacêutico encanador de braço das crianças que caiam de jegue.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Leva eu, minha saudade!
terça-feira, 25 de junho de 2024
O FORRÓ DE MANÉ VITO
Não me avisaram que havia um rio no meio do caminho. Embora soubesse nadar com destreza, desisti do meu intento. Nenhuma festa valia molhar meu sapato novo. Meus amigos me convenceram a tirar os sapatos e atravessar caminhando. O rio era só um córrego, mal batia água no joelho.
Fui.
O risca-faca estava animado ao som da sanfona e da zabumba. O noivo e a noiva dançavam alegres e satisfeitos. O padre bebericava uma dose de milome e até parecia casamento de verdade.
- É de verdade! - me disse um convidado.
- E meu amigo Eliseu resolveu se casar numa visgueira?
- É o único lugar que se pode dançar.
Puxei minha namorada pelo braço e fomos dançar o xote. Mal ensaiamos uns passos, fomos interrompidos por um senhor de bigode a la gaúcho. Em vez de três facas, portava um facão.
- Quero a vorta!
- Hein?
- A vorta!
- Mas eu não tenho volta nenhuma! Nem lhe conheço, cara!
- Então vamos poitá!
- Tá me achando com cara de viado! Eu sou Caçarola, irmão de Tombrega! Vá buscar mais facão que um só não dá não!
O falso gaúcho saiu furibundo, xingando até a minha décima quinta geração. O meu amigo, o noivo, se aproximou e esclareceu:
- Caçarola, se acalme. A volta é dançar com a sua parceira. E você dança com a dele. É costume daqui.
- E poitá? É fazer troca-troca?
- Não. Poitá é conversar na porta.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
O boto pedófilo
E a mocinha ribeirinha, lá do Norte, mostra à mãe o que já não pode mais esconder. Inocente, diz displicente:
quinta-feira, 16 de novembro de 2023
CABOCO SETENTA
O meu avô materno chamava o meu irmão mais velho de "Cabôco Setenta". Um dia lhe perguntei:
- O que é isso, padrinho?
- Ele vale por setenta dos homens daqui! - disse orgulhoso, caneca de café à mão.
- E eu, padrinho?
Ele me olhou meio decepcionado e disse:
- Você vai ser o sessenta e nove.
- Vou valer por sessenta e nove?
- Não!
- E então?...
- Quando você crescer, saberá.
segunda-feira, 13 de novembro de 2023
O ventinho amigo
Quando eu era adolescente pelas ruas de Alagoinhas, em vez de caçar Pókemon, eu caçava aquele ventinho amigo que arribava a saia das meninas em frente do convento das freiras. Um dia, uma garota que o vento pegou de mãos ocupadas com o material escolar, me disse irritada depois de se recompor:
domingo, 15 de outubro de 2023
Associação criminosa para cometer crimes, segundo os visionários novelísticos
O Ouro, a Prata, o Cobre e o Níquel se associaram ao crime organizado, sequestraram o Oxigênio e ameaçaram destruir a família Ferroso lançando bombas letais de O2. Desbaratada a quadrilha metaleira numa fantástica ação batizada de “Operação Ferrugem”pela PF, sob o comando da delegada federal Helô e investigação conduzida pelos repórteres do Fantástico, o único elemento a ser preso sem direito a sursis nem à Lei Fleury foi o famigerado Carbono, que não fazia parte do Grupo e tampouco se inseria na história. Motivo alegado para a prisão: foi o único preto que a diligente delegada encontrou na Tabela Periódica.
domingo, 3 de setembro de 2023
A arte da sedução
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e, quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
- Ei... fofinha!
Ela se abaixa bruscamente, recolhe o lenço à bolsa, vira para trás e diz:
- Fofinha é a puta que lhe pariu!
E segue em frente com seu andar provocante em busca de uma alma que saiba a diferença entre um corpo de mulher e uma almofada.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Festa no Sertão
Milagre não foi eu ter nascido. Milagre foi ter sobrevivido. Depois de uma fileira de filhos a consumir sua farinha de mandioca, teria passado despercebido se ele, o meu pai, não tivesse pregado o olho em mim no dia que nasci. Chapéu de palha na cabeça, cigarro de palha nos lábios, baforou um palavreado de admiração e contentamento:
quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
Surpresa!
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
Um conto de fada sem princesa
Seu nome era Maria da Luz e numa manhã de conspiração de Santo Antonio conheceu Tonho de Lisboa com quem se casou uma ano depois. Tiveram dois filhos, um casal. O menino foi batizado Tonho de Lisboa Júnior; a menina, Maria da Luz Júnia. Seria uma daquelas histórias que terminam no "e foram felizes para sempre", mas quem consegue ser feliz carregando uns nomes desses?
terça-feira, 1 de dezembro de 2020
Fábula moderna com moral da história
Era uma vez, numa história sem rei e sem grilos falantes, um cidadão chegou na casa de um compadre para uma visita de dois dias e se estabeleceu a longo prazo. Foi ficando, ficando, ficando, na maior cara de pau, e o compadre se incomodando, a mulher do compadre se chateando, os filhos do compadre reclamando da falta de espaço - até o cachorro do compadre parou de balançar o rabo - mas ninguém tinha coragem de mandar o cidadão embora.
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
A quadrilha periódica
domingo, 16 de agosto de 2020
Fatalidade
Nem só de Covid 19 se morre hoje em dia:
- Coitado do nosso amigo Alceu, morreu de catarata!- E catarata mata?
- A do Iguaçu, sim. Despencou lá de cima.
Uma short history de uma short history
Quando eu fiz quinze anos a minha mãe me perguntou:
A difícil missão de se ser coroinha
Não se faz mais cavalheiro como antigamente
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
Ato de confissão
"Eu pecador, me confesso ao padre..."
Como confessar ao padre certas iniquidades que fazia trancado no banheiro e não confessava nem sob tortura de minha mãe? Como confessar a um estranho, mesmo se dizendo representante de Deus, que havia segundas intenções quando levava a jega para comer milho no barranco? Ora, se Deus é onisciente e onipresente, então para que confessar a um dito Seu representante tudo aquilo que Ele já sabia?
E foi com esses pensamentos que me ajoelhei no confessionário no ato da primeira comunhão. E falei daquilo que devia falar: da minha mãe que solava meu lombo com o cinto do meu pai por causa do arengueiro do meu irmão mais novo; dos cascudos que levava do meu irmão mais velho porque não me submetia a ser seu escravo; do pão que o Diabo amassou que eu tinha que comer todo santo dia.
Se segurava vela, apanhava do namorado da minha irmã; se relaxava, apanhava da minha mãe. Era uma vida sem muitas opções. Não sei se o padre entendeu, não sei se Deus me perdoou. Sei apenas que levei uma surra memorável da minha mãe para não desdenhar das coisas sagradas e mastigar a hóstia consagrada como se estivesse comendo um sanduíche da McDonald’s. Não sei de onde ela tirou essa ideia se naqueles tempos não havia McDonald's.
Ai se ela descobre que o catecismo que eu lia era o do Zéfiro!
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
Medo ou respeito?
Uma escolha difícil
Sem sinal
- No presídio!