sábado, 19 de novembro de 2016

Desses delitos inocentes


Fiz-me coroinha para beber escondido o vinho canônico guardado a sete chaves no armário da sacristia, pulei muro cheio de vidro para chupar laranja do vizinho, usei a identidade do meu irmão para entrar no cinema em filme para maiores de dezoito anos e falsifiquei a assinatura da minha mãe em bilhete à mãe da namorada pedindo para que ela fosse passar o Natal na minha casa. Coloquei o número 1 na frente do 0 no boletim da escola, desci pela traseira dos ônibus para não pagar passagem, consumi bebida e tira-gosto nas barracas em festa de largo em conluio com um amigo, comissário de menor, que aparecia com a polícia, ameaçava prender o dono da barraca por servir bebida alcoólica a menor de idade, e depois me me mandava ir embora sem pagar a conta. Fiz falsas promessas às inocentes criaturas, tipo, "se doer eu tiro" e "só vou botar a cabecinha". E o pior de todos os delitos: não confessei ao padre toda a culpa que corroía a minha alma naquela liquidação coletiva de pecados chamada "primeira comunhão". Omiti, menti deliberadamente (mais por vergonha e menos por má fé) o que fazia durante horas trancado no banheiro de casa folheando uma revista chamada "catecismo", de Carlos Zéfiro, enquanto os meus irmãos corriam para a casa dos vizinhos para satisfazerem suas necessidades fisiológicas. 

Pronto, diante desta confissão, agora você já pode me entregar pro Sérgio Moro e ir dormir consciente de que cumpriu o seu dever e de que, a partir de então, a corrupção acabou.