sábado, 9 de fevereiro de 2013

A minha primeira (e última) comunhão





Nas aulas de catequese para primeira comunhão na Escola Brazilino Viegas, Alagoinhas, Bahia, as catequistas diziam que depois de receber a hóstia sagrada seríamos ungidos com a graça divina e nosso corpo seria abraçado pelo Espírito Santo e flutuaríamos nas nuvens como um Zepelim prateado. Mas, para isso acontecer, teríamos que contar todos os nossos pecados ao padre e nos mostrarmos verdadeiramente arrependidos pelos atos praticados contra Deus.


No dia da confissão... amarelei! Em vez do confessionário, o padre colocou uma cadeira no meio da igreja e nos mandou fazer fila. Encarar o padre tête-à-tête e contar as safadezas que fazia e ainda mostrar arrependimento seria um verdadeiro ato de bravura e coragem. Decididamente não nasci para ser aquele herói que toda mãe católica necessita. Pensei em fugir, mas a professora me segurou pelo braço e me deu um beliscão.


Ao chegar a minha vez de subir no cadafalso, o padre me olhou com ares de sádico e me disse com cara de inquisidor, antegozando o poder da tortura:


- Conte os seus pecados! 

Engasguei com as palavras. Tossi. Olhei para um lado e outro em busca de socorro. Chapolim Colorado não era desse tempo. Vi Jesus querendo soltar os braços da cruz para me dar uns cascudos. Então criei coragem e falei num fio de voz:

- Meus pecados?! Xinguei o meu irmão mais novo, roubei o doce de Carlinhos, roubei laranja do sítio do Major...

- Que mais?

- Mais?! Roubei umas bolas de gude de Dilto e desobedeci à minha mãe...


Que pecado ele esperava encontrar em um garoto de onze anos que mal havia descoberto a masturbação? Por via das dúvidas, soneguei esta informação. Não confiava na discrição do padre e certamente ele iria contar para a minha mãe.


Na hora da comunhão, coração acelerado para receber o corpo de Cristo e ser abduzido pelo Espírito Santo e sair da igreja flutuando, não vi nada acontecer. Vi, sim, a cara de agonia de Crispim. Ele cuspia na mão e ficava olhando, apavorado. Ele me pediu para olhar se havia sangue na sua boca. Não. Não havia. Por quê? A catequista havia lhe dito que se ele mastigasse a hóstia a boca ia ficar cheia de sangue de Jesus Cristo. E ele mastigou.


Depois da comunhão tive a impressão que estava mais pesado, mais lento. Reclamei à professora de catequese, exigindo minha viagem esotérica. Ela encaminhou a minha reclamação ao padre. Ele me chamou à sacristia e, mal me viu, esbravejou:


- Você é um possuído do demônio! Você não se arrependeu dos pecados! Se arrependa, seu moleque, se arrependa, seu cretino! –  me deu um cachação que caí de cara no altar.


As duas semanas que passei internado no hospital não sei se foi por causa disso, se foi pela surra que levei de minha mãe por não me arrepender dos pecados ou se foram os dois juntos.



Sei apenas que só tinha onze anos e ninguém nunca havia me dito que masturbação era pecado.



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço

Há os que falam da esperteza dos pastores, mas a religião, seja ela qual for, virou mercantilismo. Como vender lasca da cruz em que Cristo foi crucificado não dá mais certo, a Igreja agora resolveu vender água benta. Uma garrafinha de 300ml, como esta da foto, custa a simples bagatela de dois reais. Esta eu comprei na Igreja do Bonfim para mostrar que padres e pastores são todos farinha do mesmo saco. O que eles querem mesmo é fazer negócio com a fé do povo.


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cineas Santos - Nem a dor cala o preconceito



                         
         No último domingo (27/01), fui acordado por meu filho com uma notícia que, além de me estragar o dia, me deixará triste por muito tempo: a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Inicialmente, as informações disponíveis sobre, eram truncadas, confusas, imprecisas. Falava-se em 91 pessoas mortas, o que já seria um número assustador. Aos poucos, as coisas foram piorando até chegar à cifra inacreditável: 234 vítimas fatais.

         A grande imprensa, notadamente a televisiva, montou acampamento na cidade gaúcha e, a cada minuto, mostra uma imagem mais chocante que a outra. Gestos de heroísmo, de solidariedade, de desespero, dor. Parece que ainda há mais sofrimento a caminho...

          No rescaldo do incêndio da casa de shows Kiss, sobram culpas, mas parece faltarem culpados. Para dar satisfação à opinião pública, já foram presos dois dos proprietários da boate e dois músicos que, segundo dizem, são apenas “operários” da banda Gurizada Fandangueira. Nada além. Ainda não se falou do descaso da Prefeitura de Santa Maria nem da responsabilidade do Corpo de Bombeiros. O certo é que a casa vem funcionando, desde sua inauguração, com apenas uma porta, o que contraria todas as normas de segurança vigentes no país. A tendência é que se fragmentem as responsabilidades, até reduzi-las a unidades insignificantes. Os mais fracos, naturalmente, ficarão com a parcela maior.

         Mas tudo isso já é sabido e consabido. O que mais me chamou atenção, neste episódio feito de descaso e dor, foi o comportamento de alguns internautas. Como a maior parte das vítimas era constituída de jovens, as redes sociais entraram em ebulição: milhões de mensagens foram postadas nas redes sociais disponíveis. Uma cidadã, que atende pelo nome de Patrícia Aible, postou o seguinte comentário: “Muito triste. Não pode ser verdade... 70 mortos e pode chegar a 90? Meu Rio Grande do Sul não merece isso. Se fosse no AMAZONAS, no PIAUÍ, na BAHIA, no CEARÁ, onde não há vida inteligente, tudo bem... mas no Rio Grande  e logo na cidade do meu falecido pai é de cortar coração. Estou de luto, Diamante do meu Brasil. Não tá morto quem peleia! AVANTE RIO GRANDE, CÉREBRO DA NAÇÃO”. Pode-se argumentar – e com razão – que a mensagem é tão estúpida que não merece comentário. Parafraseando a passagem bíblica, estúpidos e cretinos, sempre os tereis convosco.

         Mas vejamos isso: “Nas duas horas e meia de percurso entre Davos e Zurique, sem internet para ver mais flashes, decretei que não era no Brasil. Só podia ser mais uma tragédia africana ou asiática”. Não se trata de mais um comentário inconsequente de um dos  “desmiolado” da net; trata-se de um fragmento do artigo “Dor Definitiva”, do respeitado jornalista Clóvis Rossi, publicado na Folha do dia 29/01.  Da tragédia, podem-se tirar muitas lições. A mais triste delas é a seguinte: na alegria e na dor, o preconceito acaba se manifestando até onde menos se espera.