terça-feira, 13 de setembro de 2016

O imortal e o imorrível


Quando ele nasceu o silêncio da caatinga foi interrompido durante duas semanas, três dias, sete horas, quarenta minutos e quinze segundos. Foi o que me disse o meu pai, muitos anos depois. O foguetório retumbava sob o céu anil e o som da zabumba e da sanfona ecoava pelos quatro cantos. Era menino homem! Macho! Veja o santo do dia! São João Crisóstomo e São Maurílio de Angers. Que santos são esses? Vai se chamar Antônio. Tonho. No sertão de antigamente o primogênito que não era Tonho, era Bastião. E cuidava da prole que se seguiria. Era macho? Então a família estava salva. A ele cabia educar, repreender, castigar ou escravizar os mais novos que viriam em fila indiana.

E assim foi feito. Tratou com zelo e cuidado as irmãs e irmãos. Dulce,  Nininho, Maria José, João, Zoraide, Rita, Raimundo e...

Aí eu nasci. Belo, radiante, gostoso... Êpa! Esse aí foi o seu irmão Décio, seu cachorro! – disse a minha mãe, irada e indignada, por telefone. Retifique! Retifique!
Retifiquemos, pois. Aí eu nasci. Sem nenhuma das qualidades elencadas acima. Não teve festa, não teve música, não teve nada. Não que eu me lembre. Quando indago dos mais velhos, eles dizem que ouviram meu pai assobiar marcha fúnebre. Inveja, só pode! 

Quando eu dei os primeiros passos, ele, o primogênito do meu pai, o orgulho da minha mãe, me pegou carinhosamente nos braços, me olhou sério, compungido, fez cara de choro, me jogou delicadamente ao chão e esbravejou:

- A porra é quem fica aqui cuidando desse moleque, não eu!

Arrumou as malas e escafedeu-se na garupa de um cigano que tentava engabelar meu pai.