quinta-feira, 3 de março de 2011

Cineas Santos - Entrudos e Bandeiras

Não lembro com exatidão quando a palavra carnaval incorporou-se ao meu magro universo vocabular. Lembro apenas que, por muito tempo, para mim, carnaval não passava de sinônimo de pecado, “pecado mortal”, para ser mais exato. É que os padres espanhóis (alguns franquistas) que me catequizaram eram extremamente severos: “Uma festa que celebra os prazeres da carne só pode ser a porta de entrada para o reino das trevas”, bradavam eles em intermináveis sermões antes do chamado “tríduo momesco”. Um deles – baixinho, gordinho – descrevia o tal reino com uma riqueza de detalhes de matar de inveja o velho Dante. Sempre suspeitei que o tal padreco conhecesse o lugar. Mas isso já é outra história. O certo é que, um pouco por temor e um bocado por timidez, procurei manter prudente distância do portal do inferno.

Eis que, no inicio da década de sessenta, apareceram na terrinha (S. R. Nonato) três rapazes que estudavam na capital. Alegres, extrovertidos, em pouco tempo, conquistaram a cidade inteira. Foram eles que me convenceram a participar de uma matinê numa terça-feira de carnaval. Por falta de algo melhor, lancei mão de um lenço vermelho, lambuzei a cara com carvão de fundo de panela e, adequadamente fantasiado de otário, caí na gandaia. À época, (não sei se devo confessar) eu já andava perdidamente apaixonado por uma fulaninha que borboleteava pelos céus de minha vida. Com um pouco de sorte, eu poderia vê-la de perto, o que de fato aconteceria.
Embalado pelos sons das marchinhas, esqueci a advertência dos padres e comecei a acreditar que valia a pena entrar no reino das trevas por uma porta tão agradável. Lá pelas tantas, um dos novos amigos me passou um lenço embebido de lança-perfume, que eu não conhecia, e me mandou aspirar. Peguei pesado e, literalmente, apaguei. Quando voltei à tona, todos riam de mim, e a fulaninha tinha-se escafedido (é este o verso) com um garoto sarará, que brincava fantasiado de Zorro. Um mês depois, o tal sararazinho foi encontrado morto, mas juro que não tive nada a ver com o fato.

Pierrô desconsolado, declarei guerra ao carnaval, aos entorpecentes e, principalmente, aos mascarados em geral. A partir daquele dia, sempre que alguém fala de folia, saco da memória os versos: “Tire o seu sorriso do caminho, / que eu quero passar com a minha dor” e desapareço na penumbra. Assim tem sido.

Na semana passada, estava eu banzando em local sossegado, quando me aparece o Zé Elias Arêa Leão, com aquela cara alegre de menino velho que teima em não crescer. De supetão, me pergunta: “Como era mesmo a roupa do Pero Vaz de Caminha?” Não me contive: “Qual é, Zé Elias?! Eu joguei futebol foi com Tomé de Sousa; do Caminha só conheço a Carta, ou melhor aquela parte da Carta que fala das “vergonhas saradinhas” das índias brasileiras”. Gargalhada geral.

Na véspera do carnaval, o Elias me procura para exibir a indumentária do Caminha, devidamente recriada por Joselito, com direito a mangas bufantes e tudo mais. Alegre como um escafandrista que acabara de encontrar a taça do rei Tule, Zé Elias aquecia as turbinas para desfilar na avenida, travestido, digo, fantasiado de escrivão-mor da Esquadra de Cabral. Ao vê-lo partir, assobiando o hit “Erguei as mãos”, do Pe. Marcelo Rossi, não pude deixar de sentir uma pontinha de inveja. Para disfarçar, estilei veneno: esse aí, com certeza, nunca perdeu a namorada no carnaval.


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Por que não paras, relógio?



            E se o Tempo não tivesse existido e as horas fossem uma montanha gigantesca de relógios quebrados e de ponteiros empilhados pela Eternidade? Com as horas paradas, ainda seríamos trogloditas e estaríamos poupados de certos vexames televisivos, tipo BBB, Fama, Gugu e Ratinho.

            A Idade Moderna surgiu do lampejo visionário dos alquimistas que procuravam a luz no fim do túnel para iluminar a escuridão cavernosa da Era Medieval. Descobriram o querosene de avião e ficaram sem saber o que fazer com aquele líquido volátil e mais viscoso que a água, até que um alquimista mais inteligente inventou a pólvora, e outro - mais inteligente ainda - colocou um pouco da pólvora na ponta de um graveto e um outro, superinteligente para os padrões intelectuais da época, que havia inventado uma espécie de sapato, resolveu pegar o graveto com a pólvora e friccionar na sola do sapato para tirar um cocô de tiranossauro rex encravado entre a sola e o salto. A pólvora acendeu no atrito com a sola do sapato e o superalquimista, assustado com o fogaréu, jogou o graveto longe, como se se livrasse de uma cobra. O graveto flamejante caiu no barril de querosene de avião e explodiu o barril, espalhando fogo pela floresta de Neanderthal, ocasionando a primeira queimada da História provocada pelo homem.

Em outra caverna longe desses acontecimentos, outro alquimista inventou o cigarro, porém esbarrou em um obstáculo tamanho família: não havia fogo disponível e ele só podia acender o cigarro quando a tempestade incendiasse a mata. Sabendo do ocorrido, viajou para Neanderthal à procura do fogo para acender o seu cigarro.  Assim, de um acaso, foi acesa a chama que iluminaria a Idade Moderna e acenderia o cigarro de muitos viciados. O único inconveniente naquela época era que, além do incômodo de se levar o graveto com pólvora numa ponta, também era preciso carregar um tambor com querosene de avião em u’a mão e o alquimista inventor do sapato na outra.

Somente depois da invenção do bolso foi que se inventou a caixa de fósforos.

            Ah! Se as horas parassem no tempo e no espaço como um monte de ponteiros emperrados em suas engrenagens, estaríamos ainda    tomando banho de cuia, comendo frutas e animais silvestres, fazendo nossas necessidades fisiológicas na mata, transando sexo numa boa num moitel, e Tiririca não seria o candidato a deputado federal mais votado, levando de lambuja uma vaga na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados.

            Por que não paras, relógio? Não vês essa gente perplexa?