sexta-feira, 16 de março de 2012

Reflexões a respeito das generalizações


Tempos atrás, lendo um texto num desses sítios de literatura - cuja autora assina como Francisquini - falando das generalizações no universo feminino, ela se surpreendeu quando uma consultora de moda afirmou que “toda mulher sonha em perder dois quilos”.

Não é para menos o seu espanto. Nos anos oitenta tive uma namorada que prometeu subir a Ladeira do Bonfim, de joelhos, caso engordasse vinte quilos. Sonhava ser uma pessoa magra e comprar roupas na seção feminina, como todas as suas amigas. Infelizmente, a magreza era tanta, tanta, que comprava roupas nas seções infantis e usava Band Aid como absorvente íntimo.

Dá-lhe, Francisquini, mineira de boa cepa! Emagrecer dois quilos, engordar vinte ou permanecer como está, é um estado de espírito e não uma exigência natural feminina! Assim como nem todo mineiro é um come-queijo ou um come-quieto. O mineiro é um baiano cansado que sonha com o mar. Volta e meia tenta incorporar o município baiano de Alcobaça ao território de Minas Gerais. Alcobaça é a utopia mineira. É o mar.

Dizia Gordurinha que o Brasil foi descoberto na Bahia e o resto é interior. Mas já sabemos que o paulista é um baiano apressado, que acorda de madrugada para movimentar as engrenagens do progresso. Tenho uma amiga que sai de casa às cinco da matina para bater ponto às nove horas. Às vezes chega atrasada no batente e tem os minutos descontados do salário. Por causa disso, nunca sobra dinheiro para botar gasolina na fubica e ir ao zoológico com o namorado dar pipoca aos macacos. Aliás, com correria tanta, os homens fogem dela como o Diabo foge da cruz.

A diferença do Rio de Janeiro para Salvador é o Pão de Açúcar, com a Urca no meio. O carioca é um baiano que não deu certo, que se acha malandro de gafieira, mas adora dançar a maior invenção baiana, depois do trio elétrico: o samba, que nasceu no Recôncavo e se mudou para o Rio de mala e cuia, porque, como sabemos, santo de casa não faz milagre. O carioca inventou e exportou a mania excêntrica de se beber Coca-Cola com gelo, mesmo estando o xarope americano empedrado no vasilhame. Fazendo o caminho inverso em busca do DNA primitivo, convenceu o baiano a comer acarajé acompanhado de Coca-Cola, na mais estranha e esquisita mistura cultural.

O baiano é preguiçoso por natureza e leva quinze dias para morrer de repente. Seu lema é: “nunca faça hoje o que pode ser feito amanhã”. Menos filho, claro. Por isso é o estado brasileiro que mais cresce demograficamente.

Em verdade o baiano não é preguiçoso. Ele apenas gosta de gozar dos prazeres da vida consumindo o mínimo de energia possível. Quando chega o carnaval ele precisa de toda reserva energética para subir a Ladeira do Pelô catando lata ou puxando corda nos blocos de trios para que os turistas se divirtam com segurança e o frenesi movimente o bailado da sedução em mistura de ritmo, suor e cerveja.

Mas vamos ao ápice da polêmica: se até aqui alguém achou que fiz apologia às generalizações, ótimo, a intenção é essa mesma. Para mostrar ao leitor que, generalizar como certos doutores ou doutoras da inutilidade fazem, nos torna ditadores verbais.




domingo, 11 de março de 2012

Cineas Santos - Se a moda pega...

Não sem razão, quando querem nos sacanear, os hermanos argentinos nos chamam de “los macaquitos”. Volta e meia, assumimos posturas ou adotamos modismos que nada têm a ver conosco. Não teria maior gravidade se isso não gerasse consequências. Um triste exemplo: adotamos como regra de conduta a imposição do “politicamente correto”, uma das piores pragas disseminadas pelos norte-americanos. O brasileiro, por temperamento e gosto é, naturalmente, espaçoso, folgado. Tira sarro de tudo e faz humor até com a própria desgraça. Como enquadrá-lo na moldura estreita concebida pelos gringos? Hoje, antes de abrir a boca para dizer uma brincadeira, mesmo que seja com alguém da nossa laia, convém ficar atento: a gracinha pode resultar em processos, indenizações e o diabo a quatro. Começa a viger entre nós o lema dos escoteiros: “sempre alerta”.

Vejam a última novidade: “O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal em Uberlândia (MG) para tirar de circulação o dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do mercado. Segundo o MPF, a publicação contém expressões ‘pejorativas e preconceituosas’, pratica racismo aos ciganos e não atendeu recomendações de alterar o texto, como fizeram outras duas editoras com seus dicionários”. 

“O caso teve início em 2009, quando a Procuradoria da República recebeu representação de uma pessoa de origem cigana afirmando que havia preconceito por parte dos dicionários brasileiros em relação à etnia. No Brasil, há aproximadamente 600 mil ciganos. Desde então, segundo o MPF, foram enviados ‘diversos ofícios e recomendações’ às editoras para que mudassem o verbete. As editoras Globo e Melhoramentos, de acordo com o órgão, atenderam às recomendações” (Agência O Estado). 

Como se pode ver, a coisa é mais séria do que parece: se já chegou aos dicionários, logo mais, chegará aos textos de ficção. Ora, não precisa ser filólogo nem linguista para saber que dicionarista não cria vocábulos; limita-se a recolhê-los e catalogá-los de forma a facilitar consultas por parte de quem queira fazê-lo. Antônio Houaiss era um pesquisador sério e cercou-se de uma equipe de alto nível para elaborar seu dicionário que, em curto espaço de tempo, tornou-se uma referência no país. Para manter o dicionário atualizado, o filólogo criou o Instituto Houaiss que tem prestado relevantes serviços ao país. O MPF, além de exigir a “correção” do verbete, impôs multa pesada: “Além da retirada da publicação do mercado, o MPF também pediu que a editora (Objetiva) e o instituto sejam condenados a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais coletivos”. A quem interessar possa, o Dicionário Houaiss traz 8 acepções para o termo cigano, todas elas de uso corrente no país. A que tem caráter pejorativo está assinalada como tal. Caberá à Justiça decidir. O precedente pode ser perigoso. 

Voltando ao início desta arenga, a única coisa que devemos imitar dos americanos é a noção do valor do trabalho e sua justa remuneração. O mais é coisa de mico de feira.