sábado, 24 de outubro de 2009

Quem Nasceu Primeiro: a Preguiça ou o Poetrix?






Um druida baiano, a despeito carioca em chamar seu povo de preguiçoso, colocou algumas palavras dispersas no seu caldeirão de fazer porções mágicas, adicionou duas pitadas de princípios milenares, fracionou em três partes desiguais de frases desconexas as quais chamou de “versos”, e quando o caldeirão fervilhou em espumas encantadas de palavras, entornou o caldo sobre a alvura indócil da criação e a isso chamou de POETRIX.


Mais tarde, um grupo de notáveis, o mesmo que luta para incluir os gêneros textuais tipo bula de remédio, receita de bolo e manual de eletrodoméstico como gênero literário, chamou a invenção do druida baiano de “Literatura Pós-Moderna Caymminiana Internética”, em honra e glória ao poeta baiano mais preguiçoso que a História já produziu. A eminente vassalagem mirou no que viu e acertou no que não viu: o poeta do mar era dotado de uma sapiente preguiça física, mas de privilegiado dom poético, à medida que a invenção literária do milenar druida baiano é um doce estimulante para a preguiça mental.


Que me perdoem os monteirolobatoanos pela desairosa comparação, mas, tal qual o Jeca Tatu, os poetas adeptos do poetrix nada mais são do que intelectuais em busca da “Lei do Menor Esforço Mental”.



A PELEJA DO POETA CANTADOR COM O POETA POETRIX



(poeta cantador)....... Estes meus cantados versos

Levei tempo para escrever

Enquanto o poeta poetrix

Vive a seu bel-prazer,

Fazendo versos encurtados

Que não podem ser cantados

Nem tampouco declamados

Ou faça o povo entender!


(poeta poetrix).......... Com fome

Não escrevo nada

Depois que como... dá uma preguiiiiiiiiiça!


(poeta cantador)....... Vejam agora meus senhores

Se não tenho plena razão

Nesta peleja de poetas

Quem encanta o coração

O poetrix nada fala

Se articula, logo cala

Feito nota sem escala

Feito pássaro sem canção.


(poeta poetrix).......... O Ivo

Viu a uva

O cacófato, viu uivo.


(poeta cantador)....... Nestes termos eu não posso

Com este moço pelejar

Seus versos são impossíveis

De na viola dedilhar

Poetrix é a poesia

Para quem dorme de dia

Passa a noite em letargia

Leva a vida a engabelar.


(poeta poetrix).......... O ovo

Para ficar em pé novamente

É preciso descobrir outra América.


O poeta cantador, irritado com os subterfúgios do poeta poetrix, quebrou a viola na cabeça do mesmo. O poeta poetrix levou uma injeção de vento no cérebro e voltou à ativa; o poeta cantador, com a viola quebrada, foi banido do cibermundo.



sexta-feira, 23 de outubro de 2009

GAFES HISTÓRICAS




Estava tresvariando no sofá, televisão ligada no programa de Ana Maria Braga, quando algo me chamou a atenção: o Museu do Descobrimento do Brasil, na cidade de Belmonte, Portugal. Coisa do primeiro mundo, um museu totalmente interativo, porém com um gritante erro histórico: o índio que recebeu Cabral usava roupa de tecido industrializado e o seu arco e sua flecha eram um primor de acabamento.

Isso me fez lembrar o filme Hans Staden, também ambientado à época do Descobrimento: além de apresentarem o terrível Cunhambebe como um biriteiro mulherengo, as canoas indígenas eram totalmente trabalhadas no torno: a madeirama toda lisinha não lembrava nem um pouquinho que havia sido talhada a golpe de pedras.

Coisa mais recente, no entrocamento da AL-101 com a cidade histórica de Marechal Deodoro e a paradisíaca Praia do Francês, o prefeito resolveu erguer um painel em tamanho natural representando o dia que Marechal Deodoro tirou o chapéu e gritou “Viva a República.” O tal painel foi feito em segredo, coberto por tapumes. No dia da inauguração, o prefeito, orgulhoso e sorridente, pôs abaixo os tapumes sob aplausos e hurras. Eis que o grito de um gaiato saído da multidão pôs limão no sorriso do prefeito e seus puxa-sacos:

- Mas esse aí é Dom Pedro no Grito do Ipiranga!

Na cidade de União dos Palmares, ao pé do Quilombo dos Palmares, houve uma encenação da era Zumbi e outro gaiato também atrapalhou o brilho da diretora do Grupo Escolar Jorge de Lima, cujo episódio hilário foi assim narrado por esse escriba, no livro de poesias “Ilusões Desnudas”:

VALEU, ZUMBI, VALEU!

Na cidade palmarina onde viceja
Ao pé do morro do famoso quilombo
Uma escola pública cujo nome enseja
A alta estirpe da poesia alagoana,
Reviveu Zumbi e sua cruenta peleja
Em luta desigual da sorte tirana.

Toda a escola de motivos se enfeitou
Para a tão esperada apresentação de gala
A plateia espremida aos tapas disputou
Um lugar à frente, de visão privilegiada.

Uma tribuna de honra foi construída
Para o governador e seus honoráveis convidados:
Ilustres deputados, secretários diapsidas,
Representantes do Ilê Ayiê e Filhos de Gandhi.
A maioria composta de adeptos da cabala
Senhores de engenho e da casa grande
Onde se agregam suas infectas senzalas.

Silêncio! Hora do espetáculo.
Meninos dançarinos ocupam o palco.
Negrinhos raquíticos, visivelmente esfomeados
(não havia merenda por ser feriado).
Os tambores rufam, os bailarinos param estáticos
Entra o rei Zumbi montando um puro-sangue.
Imponente em seus trajes majestáticos
Empunhando um cetro em seu cabo adornado
De madrepérolas e de folha-de-flandres.

– Esperem! Que Zumbi é este?
Gritou uma voz na multidão silenciada
Veemente protesto para a versão apresentada:
Um Zumbi loiro, olhos azuis, tez meritória
Da alvura do leite e de preto pintada.
– Acaso zomba de nós a diretora
Ou, ignara, não conhece a história?


A nobre diretora fez jus à sua competência,
Pois também era a diretora da peça encenada,
Do alto de sua insigne condescendência
Olhou com espanto a criatura alvoroçada,
E respondeu com a mais divina sapiência
De quem entende de reis e de monarcas:


– Ora, data venia ilustre senhor da inconformidade,
Esse garoto que ora Zumbi encarna
Vem da mais alta linhagem de bailarinos;
Além de ser o mais robusto abade,
É o único dentre todos os meninos
Que tem jeito e postura de um rei de verdade.




quinta-feira, 22 de outubro de 2009

UM CERTO ZÉ MALAQUIAS



Por Cineas Santos*


Até onde sei, ninguém lhe desenhou a árvore genealógica, o que não o impediu de viver mais de 80 anos. É certo que se chamava José Malaquias das Chagas e gastou boa parte da existência mourejando numa gleba perdida entre o nunca e o nada, no sertão do Piauí. Filho de sertanejos pobres, não frequentou escola regularmente. Foi desasnado pelo velho Manuel Luís que, por falta de material pedagógico mais adequado, servia-se, amiúde, de uma fornida palmatória de aroeira. Dava certo: em curtíssimo espaço de tempo, Malaca aprendeu a ler, escrever e contar.


Avesso ao cultivo da terra árida, aprendeu alguns ofícios que lhe garantiram a sobrevivência. Virava-se como pedreiro, carpinteiro e marceneiro. Do que fez, sobrou apenas a igrejinha do município de São Brás do Piauí, rústica e acanhada, mas sólida como uma rocha. Irrequieto, fez-se andejo: perambulou por São Paulo, Brasília, Anápolis e Bom Jesus do Gurgueia onde, aos 82 anos de idade, saiu da vida e entrou para a geografia, deixando 21 filhos reconhecidos.


Malaquias granjeou fama de “sabido” pela prosa “fluviante e flutual”, como diria o poeta. Espirituoso, entre um gole de pinga e uma baforada de cigarro pau-ronca, ditava sentenças que caíam no gosto popular. Sem maior dificuldade, coletei algumas delas que repasso aos meus três leitores.


Certa feita, muito necessitado, aceitou realizar determinado trabalho por um pagamento ínfimo. Um amigo o censurou. Zé Malaquias emendou de bate-pronto: “Meu amigo, mais vale lamber do que cuspir”. Numa manhã de domingo, na bodega de um compadre, encetou-se acalorada discussão sobre a misericórdia e o senso de justiça do Criador. Malaquias, prudentemente, manteve-se à margem da arenga. Alguém o provocou: - E você, Malaquias, acha que Deus é justo? Sem titubear, o velho disparou: “Mais que justo, é justíssimo: quando manda o vento levantar a saia das mulheres, joga areia nos olhos dos homens”. Numa tarde qualquer, passou pela casa de um dos filhos e o encontrou discutindo asperamente com a mulher. Sem interferir, ouviu as “razões” de cada um, limitando-se a propor a concórdia e o entendimento. Na hora da saída, chamou o filho à parte e o advertiu: “Tá maluco, rapaz? Quantas vezes eu já te disse que não se briga com mulher depois do almoço!”.


Em bom Jesus do Gurgueia, disputava com o velho João Batista o título de “melhor marceneiro” da cidade. João Batista levou a melhor: religioso ao extremo, construiu uma igreja liliputiana, hoje tombada pelo IPHAN. Nela, tudo é tão pequeno que parece de brincadeira. Por falta de um santo de gesso ou louça, o velho João esculpiu, em umburana, uma bela imagem de São João Batista. Sucesso absoluto. A cidade inteira foi apreciar a obra de arte. Malaquias, evidentemente, não ficou feliz com a novidade. Quando lhe falavam da imagem, desconversava. Um dia, os amigos literalmente o arrastaram até a igrejinha. Malaquias nem chegou a entrar. Na presença do escultor, fez o seguinte comentário: “Esse João Batista não é um cristão digno de respeito”. Diante do espanto dos circunstantes, sentenciou: “Um cabra que pega um pedaço de umburana, faz uma imagem e ele próprio vai adorar, não é sério”. E mais não disse.


Infelizmente, nada aprendi com ele, nem mesmo o conheci. Não por acaso, esse tal Zé Malaquias era meu avô.



*Cineas Santos

Nasceu em Campo Formoso, sertão do Caracol (PI), em setembro de 1948. Vive em Teresina – PI desde 1965. Aos seis anos de idade, depois de ouvir uma tia “cantar” um folheto de cordel, decidiu que, um dia faria algo parecido. Ainda não cumpriu a promessa, mas não desistiu.

Na década de 70, em companhia de um punhado de amigos, fundou o jornal alternativo “Chapada do Corisco”. Em 76 fundou a Editora Nossa, que se transformou em Livraria Corisco. Ao longo desses trinta anos, editou todos os autores piauienses de expressão, de Da Costa e Silva a Mário Faustino. Bacharel em Direito e professor, dirige a Oficina da Palavra e preside a Fundação Quixote, responsável pela realização do Salão do Livro do Piauí.

É autor dos livros: Miudezas em geral (poemas – Edições Corisco); As Despesas do Envelhecer (Crônicas – Edições Corisco); O Menino que Descobriu as Palavras (infantil – Editora Ática), Ciranda Desafinada (infantil – Editora Escala) e já este ano lançou o livro Nada Além (poesia – Editora Bagaço).

Seu sonho mais caro é se tornar Paulo Coelho, não para vender milhões de livros, mas para fazer chover, já que vive, padece, e morre no Piauí.

Fonte (e foto): wwww.capivaratur.com.br/