sexta-feira, 23 de outubro de 2009

GAFES HISTÓRICAS




Estava tresvariando no sofá, televisão ligada no programa de Ana Maria Braga, quando algo me chamou a atenção: o Museu do Descobrimento do Brasil, na cidade de Belmonte, Portugal. Coisa do primeiro mundo, um museu totalmente interativo, porém com um gritante erro histórico: o índio que recebeu Cabral usava roupa de tecido industrializado e o seu arco e sua flecha eram um primor de acabamento.

Isso me fez lembrar o filme Hans Staden, também ambientado à época do Descobrimento: além de apresentarem o terrível Cunhambebe como um biriteiro mulherengo, as canoas indígenas eram totalmente trabalhadas no torno: a madeirama toda lisinha não lembrava nem um pouquinho que havia sido talhada a golpe de pedras.

Coisa mais recente, no entrocamento da AL-101 com a cidade histórica de Marechal Deodoro e a paradisíaca Praia do Francês, o prefeito resolveu erguer um painel em tamanho natural representando o dia que Marechal Deodoro tirou o chapéu e gritou “Viva a República.” O tal painel foi feito em segredo, coberto por tapumes. No dia da inauguração, o prefeito, orgulhoso e sorridente, pôs abaixo os tapumes sob aplausos e hurras. Eis que o grito de um gaiato saído da multidão pôs limão no sorriso do prefeito e seus puxa-sacos:

- Mas esse aí é Dom Pedro no Grito do Ipiranga!

Na cidade de União dos Palmares, ao pé do Quilombo dos Palmares, houve uma encenação da era Zumbi e outro gaiato também atrapalhou o brilho da diretora do Grupo Escolar Jorge de Lima, cujo episódio hilário foi assim narrado por esse escriba, no livro de poesias “Ilusões Desnudas”:

VALEU, ZUMBI, VALEU!

Na cidade palmarina onde viceja
Ao pé do morro do famoso quilombo
Uma escola pública cujo nome enseja
A alta estirpe da poesia alagoana,
Reviveu Zumbi e sua cruenta peleja
Em luta desigual da sorte tirana.

Toda a escola de motivos se enfeitou
Para a tão esperada apresentação de gala
A plateia espremida aos tapas disputou
Um lugar à frente, de visão privilegiada.

Uma tribuna de honra foi construída
Para o governador e seus honoráveis convidados:
Ilustres deputados, secretários diapsidas,
Representantes do Ilê Ayiê e Filhos de Gandhi.
A maioria composta de adeptos da cabala
Senhores de engenho e da casa grande
Onde se agregam suas infectas senzalas.

Silêncio! Hora do espetáculo.
Meninos dançarinos ocupam o palco.
Negrinhos raquíticos, visivelmente esfomeados
(não havia merenda por ser feriado).
Os tambores rufam, os bailarinos param estáticos
Entra o rei Zumbi montando um puro-sangue.
Imponente em seus trajes majestáticos
Empunhando um cetro em seu cabo adornado
De madrepérolas e de folha-de-flandres.

– Esperem! Que Zumbi é este?
Gritou uma voz na multidão silenciada
Veemente protesto para a versão apresentada:
Um Zumbi loiro, olhos azuis, tez meritória
Da alvura do leite e de preto pintada.
– Acaso zomba de nós a diretora
Ou, ignara, não conhece a história?


A nobre diretora fez jus à sua competência,
Pois também era a diretora da peça encenada,
Do alto de sua insigne condescendência
Olhou com espanto a criatura alvoroçada,
E respondeu com a mais divina sapiência
De quem entende de reis e de monarcas:


– Ora, data venia ilustre senhor da inconformidade,
Esse garoto que ora Zumbi encarna
Vem da mais alta linhagem de bailarinos;
Além de ser o mais robusto abade,
É o único dentre todos os meninos
Que tem jeito e postura de um rei de verdade.




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