quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O motoqueiro que virou Papai Noel

Por Leila Barros

Em plena noite de 24 de dezembro, Josias corria com sua moto mais que o frango veloz da Sadia, embora não estivesse trabalhando. Ele corria para tentar afugentar o torvelinho de pensamentos que o assolava naquela véspera de natal. E nesse fervor, pensava muito:

“Já se vê que esse moleque vai dar trabalho. Um garoto que resolve nascer na véspera de natal, deve ser problemático e quem sabe até chorão. Eu tive que largar todo aquele rango na mesa para ver ele nascer.”

“Vacilei na hora agá e não usei o preservativo, mas a Josilene também vacilou, homem não é ligado nessas coisas! Agora eu vou ter que deixar de comprar meus CDs de pagode, vou ter que comprar tênis sem marca para arrumar leite para o bacuri, fala sério!”

E então, Josias se vê entrando em uma maternidade na periferia de São Paulo, meio desorientado e sem saber para onde se dirigir. E pensava:

“Não gosto de hospitais, como é que eu estou entrando nesse bagulho para ver um guri chorão, que eu nem sei se vai curtir a minha cara? E se ele resolver torcer para outro time?”.

Chegou finalmente no quarto que procurava e encontrou a sua Josilene.

“Que quarto maneiro, hein Josi? É esse aí o nosso moleque? Até que o guri não é tão feinho. Posso pegar? E aí moleque, tá gostando aqui do lado de fora? Ele é miudinho... Deve estar com frio... Vou sair para comprar um agasalho para ele e já volto.”

E na rua, Josias viu um camelô vendendo gorros de papai Noel. Comprou um e o colocou todo satisfeito! Começou a correr com aquele gorro vermelho na cabeça, com uma sensação mágica, seus pensamentos já estavam mais calmos, e o gosto novo de segurar o seu filho nos braços o envolvia por completo.

Resolveu diminuir a velocidade, queria curtir aquele momento como se saboreia um panetone em uma tarde natalina. E, com um sorriso de anjo nos lábios, sorria e pensava:

“Agora sou motoqueiro e papai Noel de responsa! Tô chegando moleque, seu papai Noel está na área, tá ligado?”



Natal infeliz, Natais felizes...

Por Edna Lopes

(...) Minha vida... Quebrando pedras e plantando flores.”
Cora Coralina

Nossas comemorações se iniciavam no primeiro dia do mês com o aniversário de um dos irmãos. Depois, o de nossa irmã mais velha e de nossa mãe. Em seguida, o natal e o fim de ano. Era um mês de festas. Naquele ano não foi diferente, mas tudo mudou de repente e nos vimos mergulhados num turbilhão de aflição e dor sem precedentes.


Conseguem imaginar infelicidade maior que sepultar alguém que amamos? Fazem uma idéia do que é “viver” isso no dia do Natal? Este foi e ainda é inesquecível. Lembrança indelével da dor da perda, do nosso sofrimento externado nas crises nervosas, nos vômitos, nas lágrimas, no desespero da impotência.

Retornávamos sempre para o sítio, a casa de nossos pais, nas férias escolares, nas festas ou feriados. Éramos dez filhos, genros, noras, neta, primos e sempre alguns amigos. Sempre uma festa o reencontro com nossas origens, porém, nesse dia, voltar era morrer um pouco. Uma dor insuportável em nossos corações ao constatar que havia um carro fúnebre em nosso cortejo, sempre tão animado, tão feliz.

Nossos pais nos aguardavam, não com o farto almoço e as novidades do lugar, mas para sepultar nosso menino-irmão, que me pedia sempre para cantar “o Menino da Mangueira,” contar histórias de grandes aventuras, que havia feito dezenove anos no inicio do mês e fora arrancado do nosso convívio pela fatalidade, pela tragédia. Nossos natais jamais seriam os mesmos.

Alguns anos depois retornei da maternidade ás vésperas de mais um natal e iniciei um novo ciclo de comemorações. Bem antes disso e aos poucos, sobrinhos e sobrinhas que nasciam a cada ano, animavam nossos reencontros e, em especial, os natais com a alegria, com a inocência benfazeja e curativa que é a presença de crianças em nossas vidas. Elas resgataram em nós a possibilidade de ressignificar o natal.

Nos próximos dias, minha grande -enorme família reunir-se-á mais uma vez para rir, orar, brincar, cantar, brigar, fazer as pazes e chorar juntos em mais um Natal. A vida continua. E que bom que temos a oportunidade de celebrá-la com quem amamos. As dores, as perdas, as alegrias, os sucessos, os fracassos, os momentos felizes, são substratos da nossa construção de humanos nessa dimensão.

“(...) A vida pode ser dura, mas tem momentos de alegria que há poesia batendo a porta do sonhador...” O Filho do seu Menino de Rildo Hora, mas que aprendi a amar na voz de Jair Rodrigues


Saudades eternas de nosso menino-irmão Albênio.


Feliz Natal, Meu Irmão.





CARTA ABERTA A UM VELHO RANZINZA


Por Cineas Santos


Prezado Noel:

É escusado dizer o quanto me custou antepor o adjetivo prezado ao seu nome. Como é do seu conhecimento, eu não o prezo,e a recíproca deve ser verdadeira. Quanto à carta aberta, não tome o meu gesto como indiscrição ou exibicionismo. Quis tão-somente poupá-lo do trabalho ingente de localizá-la em meio à avalanche de cartas que, nesta época do ano, ameaça soterrá-lo. Nada além.

Mas vamos ao que (me)interessa: a primeira vez que ouvi falar do seu nome, eu ainda morava nos cafundós do Caracol. Como qualquer moleque do meu tope, campeava nuvens, conversava com o vento e não me ardia o desespero de ser dono de nada, como diria o poeta Dobal. Eis que, numa manhã qualquer de dezembro, minha mãe, que acabara de chegar da cidade, me entregou um balãozinho vermelho, desses que os moleques de hoje se comprazem em estourar com pés nas festinhas de aniversário. Limitou-se a dizer: “Foi o Papai Noel que mandou”.Ressabiado, mas curioso, aceitei o presente e tratei de inflá-lo para atiçar a inveja dos companheiros de traquinagens. Tamanho foi o meu entusiasmo que o balãozinho, depois de um pluft, desfez-se em tirinhas de borracha sem qualquer serventia. Creio ter sido aquela a minha primeira decepção. Chorei tudo o que tinha direito e prometi a mim mesmo que jamais voltaria a chorar por algo perdido ou não conquistado. Assim tem sido. Jurei também odiá-lo para todo o sempre.

Mais tarde, já em São Raimundo Nonato, na véspera do Natal, encontrei, num canteiro mal cuidado, uma pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima. Coberta de poeira, abandonada e triste, parecia ter sido jogada ali por alguém que perdera a fé. Encarei o fato como uma mensagem sua: uma tentativa de reconciliação. Prontamente, aceitei-a. Limpei a imagem da fralda da camisa e voltei correndo para casa. Dona Purcina, precisa como um tiro de lazarina, não se comoveu com a minha versão. ”Quem acha o que não perdeu não é o dono”, limitou-se a dizer e me obrigou a devolver a imagem ao canteiro onde a encontrei. Não podendo odiar minha mãe por razões de ordem prática : medo de taca, descarreguei todo o meu ódio em você. Jurei que, um dia, ainda lhe arrancaria todos os fios da barba com um alicate enferrujado.

Na adolescência, perdidamente apaixonado por uma fulaninha, passei-lhe uma cantada em regra (sou do tempo em que se cantava mulher). Com ensaiada timidez, ela me prometeu a resposta para a noite de Natal. Estávamos em outubro. Foram dois meses de expectativas, sonhos, pesadelos, febres, poluções noturnas e outras coisinhas impublicáveis. Na noite aprazada, coração aos pulos, fui procurá-la. Sem se despedir, a moça deixara a cidade com a família. Chorei, chorei, “até ficar com dó de mim”, como naquela canção do Chico. Jurei que jamais voltaria a chorar por mulher alguma, jura que não cumpri...

Cresci, envelheci, e muitos natais se passaram sem que nada de extraordinário acontecesse. Para ser franco, meu ódio arrefeceu. Cheguei mesmo a ignorá-lo. Como diria um amigo cruel: “Papai Noel é só um velho senil, acompanhado de veados, que se presta ao papel de camelô de ilusões a serviço do capitalismo selvagem”...

Eis que, na semana passada, um autodoor de uma fábrica de sapatos mexeu comigo. Nele, vê-se uma perna linda, fornida, generosa, enrolada com fitas coloridas, pronta para ser comida (com os olhos), permita-me a liberdade de expressão. Foi aí que me ocorreu a ideia de lhe fazer uma proposta. Já que é final de ano, tempo de paz, por não aproveitamos a oportunidade para fazermos as pazes? É simples: você me manda a dona daquela soberba perna (pode ser zarolha, dentuça ou corcunda) e eu esquecerei todas as nossas divergências pretéritas. De quebra, para mostrar que não guardo ressentimento, passarei a tratá-lo por Papai Noel, com fazem as pessoas normais.

PS: não precisa trazê-la: irei buscá-la pessoalmente.

Fraternalmente, velho Ancião