sábado, 23 de janeiro de 2010

Aos mestres-salas, porta-bandeiras, pierrôs e colombinas

Carnaval em Salvador

Interrompo minhas férias literárias para escrever aos navegantes foliões que, por uma feliz casualidade ou propositado planejamento, irão passar o carnaval em Salvador, capital dos baianos e das baianas, quer sejam como estreantes, quer sejam como veteranos, mas que ainda não conhecem todos os prazeres momescos atrás, ao lado, ou à frente do trio elétrico. Sabendo se conduzir no meio da multidão, o carnaval baiano é o mais tranqüilo e seguro do mundo.

A folia é dividida em três circuitos: Batatinha, Dodô e Osmar. O circuito Batatinha envolve o Centro Histórico (Praça Castro Alves, Praça Tomé de Sousa - onde fica a parte alta do Elevador Lacerda – até o Largo do Pelourinho); O circuito Osmar é o do Campo Grande e o Dodô do Farol da Barra a Ondina. Para quem não sabe, Batatinha foi um compositor baiano muito ligado a ACM e talvez por isso seja o grande homenageado; Dodô e Osmar foram os inventores do trio elétrico e é mais do que justo terem seus nomes eternizados na folia. Mas já há uma corrente muito forte defendendo a mudança para Ivete Sangalo e Chiclete Com Banana.

O circuito Batatinha é indicado para quem gosta do carnaval das antigas e existem várias opções, do frevo ao reggae, do samba à axé music. A Praça Castro Alves, a partir deste ano, será a desconcentração, o fim de linha dos blocos do circuito Osmar, cujo início se dá no Campo Grande e descem a Avenida Sete de Setembro. Nesse ponto fica o camarote do Olodum, a preços módicos, porém sem nenhuma regalia, a não ser o privilégio de se ver todos os eventos desse circuito que são obrigados a iniciar, passar ou terminar na Praça Castro Alves. Também há barracas de bebidas instaladas mais acima, onde trios elétricos fixos animam os foliões.

Na Praça Tomé de Sousa (topo do Elevador Lacerda) há palco fixo em frente à Prefeitura, com revezamento de atrações individuais e bandas; no Pelourinho, bandinhas de frevo e marchinhas animam o carnaval, circulando do Largo do Pelô (onde fica a Fundação Casa de Jorge Amado) ao Terreiro de Jesus. No ano passado aconteceu uma coisa interessante: Edna e eu brincamos atrás de uma bandinha que tocava um frevo muito gostoso. Depois descobrimos que era um bloco de evangélicos. Na Praça da Sé há palco para o reggae e o samba e também apresentações avulsas, não oficiais. No Terreiro de Jesus há várias barracas de bebidas e petiscos à disposição do folião, mas o preço cobrado no Pelourinho é sempre maior que nos outros lugares. No carnaval passado a latinha de cerveja custava dois reais, enquanto que, ao lado, na Praça da Sé, podia se comprar por um real.

No final da tarde da segunda-feira, no palco montado em frente à Prefeitura, na Praça Tomé de Sousa, acontecem o desfile e concurso de fantasia gay. Para aqueles que saem de casa e deixam o preconceito atrás da porta, é uma boa distração enquanto se descansa os pés e molha a garganta numa loira suada nas inúmeras barracas ao longo da praça. Ainda se tem uma visão privilegiada da Baía de Todos os Santos e a opção de descer o Elevador Lacerda e visitar o Mercado Modelo. Se não quiser enfrentar a fila de subida, que pode levar mais de hora, o ponto de ônibus fica em frente à Capitania dos Portos, cem metros adiante, e, por dois reais, você escolhe descer no Campo Grande, Barra ou Ondina. Ou voltar pra casa ou hotel.

O circuito Osmar é o principal do carnaval. A abertura se dá na quinta-feira, com a entrega simbólica da chave da cidade ao Rei Momo, cerimônia acompanhada pelo trio elétrico de Armandinho (o Dodô e Osmar). De quinta a sábado acontece o carnaval dos chamados blocos alternativos, que estão ficando cada vez mais concorridos, tanto pela acessibilidade financeira quanto pelas atrações. Armandinho, Dudu Nobre, Jorge Aragão, Gerônimo, Lazzo, Beth Carvalho, Ara Ketu, Olodum, Ilê Aiyê, etc., etc., etc. Foi assim no ano passado. Esperamos que este ano seja melhor ainda.

No domingo, às 11 horas, desfila o Apaxe de Itororó, seguido de blocos infantis e de cadeirantes. A partir das 13 horas, começa o carnaval oficial. O primeiro a desfilar é Os Internacionais; depois, Os Corujas, seguido do Camaleão, do Eva, das Muquiranas e tantos outros, capitaneados pelas atrações do “Axé Music “, que não vou citar quem são. Por volta das vinte horas acaba o desfile de blocos de trio e começa o de afoxés e afros, que leva a noite toda.

O desfile consiste em passar pela passarela do Campo Grande, se apresentar em quarenta minutos, e ganhar a Avenida Sete até a Praça Castro Alves. São quatro quilômetros do início ao fim, percorridos em marcha de baiano, em até cinco horas, caso não haja engarrafamento de trios na Avenida.

Enquanto o Rei Momo abre o carnaval na Avenida, no circuito Dodô acontece o chamado carnaval alternativo, onde a nata da axé music se faz presente. Como essas estrelas, de domingo a terça, desfilam no Campo Grande, durante o dia, o carnaval da Barra fica desfalcado de seus ídolos e somente depois das dez horas da noite é que começa a melhorar com a canja de alguns, subindo nos trios alheios ou puxando seus próprios blocos. O início se dá no Farol da Barra e o cortejo segue até Ondina, onde acontece a dispersão. São quatro quilômetros, percorridos entre três a quatro horas.

Na segunda-feira vale a pena sair no Mudança do Garcia, um bloco fundado pela esquerda dos anos setenta, e que continua irreverente e crítico político tal qual seus primeiros anos. Ele sai às 14 horas do início da Rua Leovegildo Filgueira (paralela ao Teatro Castro Alves), fim de linha do Garcia, e se dispersa logo depois de atravessar a passarela do Campo Grande. Não há cordas, nem trio elétrico, nem carro de apoio. Há apenas carroças e bandinhas de frevos, marchinhas e grupos de samba, alguns em mini-trios.

Quem sai em bloco só vê o carnaval do seu bloco. Ou seja: quase nada. O bom é curtir um pouco de tudo, seguir ao sabor dos acontecimentos, parar um pouco em cada canto. Tanto se pode ver o cavaquinho endiabrado de Armandinho, como o frevo de Moraes Moreira na Praça Castro Alves. Ou pegar quarenta minutos de show de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Margareth Menezes em cima de um trio. Mesmo porque, brincar em bloco custa caro e os mais procurados por causa de suas estrelas são os mais enrolados no custo/benefício. Esses cantores e cantoras só se esmeram quando enxergam uma câmera de tevê. Longe delas, enrolam o quanto podem, principalmente os muito famosos. No ano passado eu cronometrei uma delas: em quarenta minutos só cantou duas músicas. O resto foi só falação.

Todo o circuito é coberto por câmeras monitoradas pela polícia, mas mesmo assim evite sair sozinho, transitar por locais ermos e ruas escuras. O lugar mais violento do carnaval é o final do circuito em Ondina, talvez porque os blocos só chegam lá quando é de madrugada e o folião está cansado e com reflexos reduzidos. Não saia com documento original, relógio, talão de cheque, cartão de crédito, telefone celular e divida o dinheiro em vários bolsos, para não chamar a atenção. Se o ladrão roubar um, sempre restará algum. Evite também o empurra-empurra dos blocos, principalmente os que arrastam multidões de foliões pipocas por causa do ritmo pesado, tais quais Chiclete com Banana, Harmonia do Samba e Psirico.

No mais, se você for pra lá e não for sair atrás do Chiclete ou Psirico, há uma grande chance da gente se encontrar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Leituras inesquecíveis VI: lendo os poetas

Por Edna Lopes

De Poesia


A poesia me salva
Do abismo.
Da desesperança.
É minha trincheira,
Minha bandeira desfraldada
Ao vento,(...)
Sobre Poesia – Edna Lopes


Desde menina acredito que qualquer pessoa merece a felicidade e merece o amor, desde que lute por ele. Acredito porque sempre li os poetas e nunca duvidei da verdade da poesia. Ao ler um poema, meu mundo mudava. Nem compreendia o que lia, mas me sentia tocada na alma por essa forma de linguagem tão inusitada naquele universo de menina da roça. No princípio, li Francisca Julia, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Olavo Bilac, Gonçalves Dias... Lia e decorava para dizer em voz alta, pois parecia música, aos meus ouvidos.

Lembro de quando li pela primeira vez um poema de amor. Nossa... Fiquei maravilhada! Devia ter uns 11 anos e saboreei cada palavra buscando um significado que nem sabia qual era: “(...) TE AMO: E AO TE AMAR ASSIM VOU CONJUGANDO OS TEMPOS TODOS DESSE AMOR, ENQUANTO SEGUE A VIDA, VIVENDO, E EU, VOU TE AMANDO... (...) TE AMAR: É MAIS QUE UM VERBO É A MINHA LEI, E É POR TI QUE O REPITO NO MEU CANTO: TE AMEI, TE AMAVA, TE AMO E TE AMAREI!” o autor era JG de Araújo Jorge, num livro encalhado na velha estante da escola, lacrado ainda. Foi realmente um achado. Depois me apaixonei por Vinícius de Moraes, paixão que perdura até hoje e mais um pouco descobri Drummond, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Quintana e tantos, tantos mais.

Nas aulas de literatura brasileira, conheci as escolas literárias: Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, Modernismo, Pós Modernismo... Era uma aluna tão curiosa quanto voraz: mal descobria um novo autor que me interessava lá estava eu na biblioteca fuçando tudo que achava dele. E foi assim que descobri Neruda, Camões, Otávio Paz, Fernando Pessoa e seus heterônimos, Bertolt Brecht, Maiakóvski, Florbela Espanca, Baudelaire, Rimbaud e tantos outros. Conheci também uma plêiade de gênios que fazem poesia em prosa: os cronistas, mas aí já é outra história.

Aprendi muito com cada poeta que li. “Vivi” todas as fases: poesia panfletária, poesia marginal, poesia clássica, poesia erótica, poesia regional, universal... Poesia para todos os gostos e tempos de vida. Em todas, o reconhecimento do poder da palavra dita para encantar, embelezar, denunciar, anunciar, se fazer vida.

No cibermundo, um mundo encantado de possibilidades. Tanta gente maravilhosa que me encanta, que me deixa feliz em saber que a poesia é parte da vida, do sonho cotidiano, do prazer de ser quem é. Gente com pretensão apenas de ser gente. Aprendentes da vida e do sonho de se fazer poeta, mesmo quando a vida diz NÃO. Sem falar nas maravilhas dos clássicos que reencontro, nas surpresas, nas novidades que jamais saberia sem esse auxílio luxuoso da rede.

Um destaque especial para as brasileiras Adélia Prado e Cora Coralina. Estas são as minhas mestras mais que especiais: trouxeram-me um mundo com a visão especial do feminino, do sagrado, das corriqueiras vivencias cotidianas. Seria capaz de citar mais de uma centena de mulheres poetas de quem sou fã, com quem aprendo a olhar o mundo de forma mais terna e sensível. Olhar para além do que a visão fotografa e a emoção traduz.

Ler poesia, desde que sou leitora, é a minha principal e mais prazerosa fonte de reflexão, de diversão. Um vício mesmo. Ler um poema é me permitir acariciar a alma com dedos de nuvem, alimentar meus sonhos, minhas fantasias, iluminar minha vida, consolidar meus afetos. Aprendo, de verdade, a ser mais gente. Aprendo a amar mais a vida, a perceber mais meu semelhante com cuidado, carinho e respeito na forma com que se apresenta. Aprendi/aprendo com Mario Quintana algo fundamental que, ao meu coração, soa como um mantra: “Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.”

Esse também é meu jeito de ler e viver a vida. O olhar da poesia é, definitivamente, meu modo de ser e estar no mundo e seria pretensão da minha parte querer ser compreendida de cara, aceita por isso. Não me incomodo nem um pouco com a opinião de quem acha isso romantismo exacerbado, estéril. Assumo que me faço musa (intrusa) de cada poema de amor que leio, protagonizo as tramas, os dramas, torço, sofro, vibro, tenho raiva, me indigno e, por vezes me emociono às lagrimas com cada imagem lida.

Continuo lendo os poetas e sei que lerei muitos, vida a fora. Sei que falam sério quando dizem da dor, da tristeza, da alegria, da paixão e da certeza do milagre do amor na vida vivida e/ou sonhada. Falam sério quando criam vidas, personagens, mesmo que os sentimentos aflorados no texto não tenham nada a ver com a vida de quem o escreveu por isso continuo acreditando no amor que leio, no amor que vivo sem medo, sem tristezas, com determinação.

Sempre me digo que, ao modo de Maiakóvski sou toda coração e agradeço a possibilidade de poder conduzir minha vida, absorver em minha alma a beleza e a emoção das prosas e versos que leio pois minha alma nunca duvidou da sinceridade da poesia e nem da felicidade que é viver o amor em sua inteireza e plenitude. Sempre me digo: Eu mereço! Ao ler um poema, minha alma brinca de ser feliz.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Cara Mais Alegre do Piauí

Por Cineas Santos


De Projeto A Cara Alegre do Piauí


Há trinta e três anos, por minha conta e risco, arrebanhei um pequeno grupo de jovens (Paulo Machado, Rogério Newton, Fernando Costa, Alcide Filho e Margô Coelho), formei uma trupe mambembe e embrenhamo-nos pelos sertões do Piauí. Objetivo: ver, ouvir, ensinar, aprender, conviver. Amontoados num velho fusca verde-sonho, fomos a Oeiras, Floriano, São Raimundo Nonato e José de Freitas. Por falta de dinheiro para a gasolina do fusca, arquivamos o sonho. À época, nenhum de nós sabia que estava lançando ali as sementes do projeto A Cara Alegre do Piauí. Pouco tempo depois, eu e o Paulo Machado passamos a ministrar cursos de literatura piauiense para professores no interior do Estado. Quando Elias Arêa Leão assumiu a Secretaria de Cultura do Piauí, montamos uma trupe bem mais encorpada e voltamos a mambembar pelos sertões. Finalmente, em 97, na cidade de Parnaíba, o poeta e professor Fernando Ferraz batizou a cabroeira com o nome de A Cara Alegre do Piauí, usando um argumento irrefutável: “Há séculos, mostramos sempre a cara triste do Piauí. O máximo que conseguimos foi a piedade de alguns e o escárnio da maioria. Chegou a hora de mostrarmos a face luminosa de nossa gente: a rica e multifacetada cultura do Piauí”. Com o novo rótulo, o projeto ganhou asas e percorreu praticamente todo o estado do Piauí, de Parnaíba a Guaribas.

O grupo enriqueceu-se, com a participação de músicos, coreógrafos, escritores, professores, ecologistas, etc. Hoje, somos 30 voluntários a serviço da educação e da cultura do Piauí. Tantas fizemos, que fomos tema de um programa especial da Globo News, realizado pelo poeta Claufe Rodrigues. Curiosamente, nunca nos sentamos para traçar um plano de trabalho. Como time que joga junto há muito tempo, ao entrar em campo, cada um sabe o que vai fazer e faz com engenho e arte.

No final do ano passado, o Cara Alegre foi contemplado com um ponto de cultura (FUNDAC – MINC). A partir de agora, mais que eventos esporádicos, poderemos dar continuidade às ações iniciadas quando da visita do grupo a determinado município. Inicialmente, vamos oferecer cursos de história do Piauí e literatura piauiense para professores da rede pública de ensino. Para os alunos, oficinas de xilogravura, violão e flauta doce. No campo da música, estamos iniciando a gravação de um DVD – Pássaros da Terra - com os músicos mirins do Piauí.

Atendendo a exigência do MINC, vamos adquirir o kit multimídia: máquina fotográfica, filmadora, notebook, data show, etc. Na sede do Projeto – Rua 7 de Setembro – 671, estamos montando um pequeno estúdio para gravação de CDs e DVDs.

É gratificante coordenar um projeto que conta com a participação de pessoas do nível de prof. Santana, Erisvaldo Borges, Paulo Machado, Fonseca Neto, Catarina Santos, Luíza Miranda, Rosinha Amorim, Halan Silva, Luiz Romero, Tânia Martins, Gabriel Archanjo, Geni Costa, Graça Vilhena, Carlos Martins, Vanda Queiroz, Wilker Marques, para citar apenas alguns. A filosofia do projeto continua a mesma: o saber só faz sentido quando compartilhado. Assim seja.