quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Luís Pimentel - Aldir Blanc é carioca da gema



      Aldir Blanc é uma glória das letras cariocas. Bom de se ler e de se ouvir, bom de se esbaldar de rir, bom de se aldir”. Esta é a opinião de outra glória das letras e da música cariocas, Chico Buarque, também bom de se ler, de se ouvir e de se aldir.

     “Eu gostaria de escrever como o Aldir”. Quem gostaria de escrever como o Aldir? Ivan Lessa, simplesmente, cronista que escreve como ninguém. Resumindo: Aldir Blanc é aquele cara que a gente quer ser quando crescer, quando aprender a viver, quando souber escrever. Aldir Blanc Mendes, que já foi chamado de Proust de Vila Isabel, esse Stanislaw da Muda, Guimarães da Tijuca, é uma flor de amigo e de poeta, uma Rosa de Pessoa. Tem a Zona Norte de sua cidade cravada no peito esquerdo, ao lado do escudo do Vasco. É um dos maiores cariocas que se conhece.

     “Eu sou do Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não”, já berrou numa letra de samba. Ninguém vem da Maia de Lacerda impunemente. Aldir Blanc nasceu no mês de setembro de todas as primaveras, no dia 2, no ano de 1946. Citar suas músicas é covardia. É desnecessário. Só meia dúzia, para não cansar: O bêbado e a equilibrista, Mestre-sala dos mares, Kid Cavaquinho, Dois pra lá dois pra cá, Saudades da Guanabara, Catavento e girassol. Parceiros? Só alguns: João Bosco, Maurício Tapajós, Moacyr Luz, Guinga, Ivan Lins, Cristóvão Bastos, Paulinho da Viola...

     Aldir é também um escritor (contista, cronista e poeta) de alto gabarito. Seu texto gostoso e rascante (que nem os melhores vinhos) estreou no Pasquim, na década de 1970, onde publicou as crônicas mais tarde reunidas nos livros Rua dos Artistas e arredores e Porta de tinturaria (lançados em primeira edição pela Codecri). Após o fechamento do Pasquim, Blanc levou suas crônicas de humor ferino para revistas como a Playboy e os jornais Tribuna da Imprensa, Ultima Hora, O Estado de São Paulo, O Dia (onde manteve colaboração semanal por quase dez anos ) e, hoje, em O Globo.

     Aldir colaborou com a revista Bundas, do primeiro ao último número, e esteve presente na maioria das edições d´ Opasquim21, desde a edição de número zero até o fechamento do jornal, em 2004. Reuniu crônicas também nos livros Brasil passado a sujo (Geração Editorial) e Um cara bacana na décima nona (Record). Procurem esses livros, para entender por que o seu texto encanta escritores como Ivan Lessa e Chico Buarque. E ouçam todas as suas músicas, sempre.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Dia do Folclore


FOLCLORE

I

Lá nas terras dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o Cruzeiro dos Montes
Em plena linha do horizonte.
Reinam cavalos encantados
Caiporas e sacis peraltados.
O zumbi e o seu pio estridente
Chupa o ouvido do imprevidente.
Não é folclore se falar do fogo-fátuo
Muitos foram os que o viram de fato.
Mulher de padre é mula-sem-cabeça
Vagando pela estrada tão logo anoiteça.
O filho que da mãe não tem gratidão
É o lobisomem da Sexta-Feira da Paixão.
O saci vive na mata a azucrinar
O caçador que ousa lhe perturbar.
O “vulto” pode ser a própria sombra
Do sertanejo que com tudo se assombra.

II

Lá na terra dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o mito e suas lendas a confundir
O pio da coruja com o canto do zumbi.
A caipora na mata precisando de fumo
E o caçador desprevenido perdendo o rumo.
A mula-sem-cabeça correndo sem parar
Atrás de um padre para se confessar.
O lobisomem em noite de lua cheia
Espojando-se no campo de areia.
O saci precisando seu cachimbo acender
E o inditoso deve um fósforo oferecer.
O fogo-fátuo e sua breve aparição
Em flashes de luz de assustar o coração.
O “vulto” que não parece perigoso
Mescla folclore e história de Trancoso.

Assim é o imaginário popular do sertão
Mitos e lendas fervilhando em profusão.



domingo, 19 de agosto de 2012

Cineas Santos - À sombra do Imperador

Todos os anos, num ritual de há tempos, tiro uma manhã de agosto para reverenciar o Imperador da Chapada. Chego cedo, sento-me na calçada e, em silêncio, sob a suave chuva de flores, fico escutando a estranha sinfonia de insetos e pássaros. Quando a luz me parece adequada, começo a fotografá-lo, atividade extremamente prazerosa. Indiferente ao meu encantamento, o  Imperador, prodigamente, derrama ouro na calçada. Enquanto fotografo, aproveito  para observar como se comportam os que passam  sobre o tapete amarelo. As reações são as mais curiosas: algumas pessoas, ao me reconhecer, fazem algum comentário sobre a beleza do cenário, outras me olham com um sorriso maroto; a maioria não toma conhecimento nem das flores nem de mim. Encharcado de beleza, tento captar com as lentes a magia do momento. Impossível não lembrar os versos de Chico Buarque: “Uns sorrindo fazem pouco, / outros me tomam por louco”... Deve parecer estranho aos passantes a figura daquele ancião “perdendo tempo” com coisinhas desimportantes.

            Na semana passada, eu cumpria o meu ritual quando, no início da calçada, despontaram duas jovens. Com absoluta indiferença caminhavam sobre o tapete de flores. Uma delas, ao me ver, esboçou um sorriso discreto. Não me contive:  irmãzinhas, sou de um tempo em que as moças, ao passarem por uma árvore florida, recolhiam pelo menos uma flor para enfeitar os cabelos...  Com um sorriso gracioso, a moça limitou-se a dizer: “Professor, já não se fazem moças como antigamente”. Não deixei de elogiar a concordância verbal adequada. Na vida, não se pode ter tudo...

            Para quem ainda não sabe, Imperador da Chapada é o título que conferi ao mais belo ipê de Teresina. Situado no cruzamento das ruas  Coelho Rodrigues com 1º de Maio, foi plantado, há uns cinquenta anos, pelo prof. Carlos Pires Rabelo, de saudosa memória, no jardim de sua casa. Independentemente da intensidade ou da escassez das chuvas, o ipê, sempre no início de agosto, com sua  florada esplendente,  enobrece um pedacinho da cidade. Os que apreciam a beleza agradecem.

            Terminada a sessão de fotos, já me preparava para retirar-me quando passou por mim um casal jovem com dois filhos: um garoto de uns doze anos de idade e uma menininha de uns cinco. Pareciam apressados. O pai, à frente do grupo, marcava o ritmo da caminhada. De repente, a garotinha agachou-se, encheu as mãos de flores e, feliz da vida, entrego-as à mãe.  Com aspereza, a cidadã bateu nas mãos da criança derrubando o punhado de flores, secundando o gesto com a repreensão: “Quantas vezes já te disse para não pegar porcaria no chão!”. Envergonhada, a menina me lançou um olhar triste como se buscasse minha cumplicidade. Limitei-me a fazer um leve aceno com a cabeça. Ela  rascunhou um sorriso no rosto, “limpou” as mãozinhas no vestido de chita e aproximou-se do irmão. Desencantado, refiz o comentário da jovem que me sorriu: na verdade, já não se fazem mães como antigamente...