Todos os anos,
num ritual de há tempos, tiro uma manhã de agosto para reverenciar o Imperador da Chapada. Chego cedo,
sento-me na calçada e, em silêncio, sob a suave chuva de flores, fico escutando
a estranha sinfonia de insetos e pássaros. Quando a luz me parece adequada,
começo a fotografá-lo, atividade extremamente prazerosa. Indiferente ao meu
encantamento, o Imperador, prodigamente, derrama ouro na calçada. Enquanto
fotografo, aproveito para observar como
se comportam os que passam sobre o
tapete amarelo. As reações são as mais curiosas: algumas pessoas, ao me
reconhecer, fazem algum comentário sobre a beleza do cenário, outras me olham com
um sorriso maroto; a maioria não toma conhecimento nem das flores nem de mim. Encharcado
de beleza, tento captar com as lentes a magia do momento. Impossível não
lembrar os versos de Chico Buarque: “Uns sorrindo fazem pouco, / outros me
tomam por louco”... Deve parecer estranho aos passantes a figura daquele ancião
“perdendo tempo” com coisinhas desimportantes.
Na semana
passada, eu cumpria o meu ritual quando, no início da calçada, despontaram duas
jovens. Com absoluta indiferença caminhavam sobre o tapete de flores. Uma delas,
ao me ver, esboçou um sorriso discreto. Não me contive: irmãzinhas,
sou de um tempo em que as moças, ao passarem por uma árvore florida, recolhiam
pelo menos uma flor para enfeitar os cabelos... Com um sorriso gracioso, a moça limitou-se a
dizer: “Professor, já não se fazem moças como antigamente”. Não deixei de
elogiar a concordância verbal adequada. Na vida, não se pode ter tudo...
Para quem
ainda não sabe, Imperador da Chapada
é o título que conferi ao mais belo ipê de Teresina. Situado no cruzamento das
ruas Coelho Rodrigues com 1º de Maio,
foi plantado, há uns cinquenta anos, pelo prof. Carlos Pires Rabelo, de saudosa
memória, no jardim de sua casa. Independentemente da intensidade ou da escassez
das chuvas, o ipê, sempre no início de agosto, com sua florada esplendente, enobrece um pedacinho da cidade. Os que
apreciam a beleza agradecem.
Terminada a
sessão de fotos, já me preparava para retirar-me quando passou por mim um casal
jovem com dois filhos: um garoto de uns doze anos de idade e uma menininha de uns
cinco. Pareciam apressados. O pai, à frente do grupo, marcava o ritmo da
caminhada. De repente, a garotinha agachou-se, encheu as mãos de flores e,
feliz da vida, entrego-as à mãe. Com
aspereza, a cidadã bateu nas mãos da criança derrubando o punhado de flores, secundando
o gesto com a repreensão: “Quantas vezes já te disse para não pegar porcaria no
chão!”. Envergonhada, a menina me lançou um olhar triste como se buscasse minha
cumplicidade. Limitei-me a fazer um leve aceno com a cabeça. Ela rascunhou um sorriso no rosto, “limpou” as
mãozinhas no vestido de chita e aproximou-se do irmão. Desencantado, refiz o
comentário da jovem que me sorriu: na
verdade, já não se fazem mães como
antigamente...
Um comentário:
É,realmente não se fazem mais mães como antigamente. Com certeza o mundo seria outro se tivéssemos as cem mães como pediu um certo Papa...
Deem-me cem mães verdadeiramente mães e eu fecharei os presídios do mundo...
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