Depois do almoço, falei para a diarista:
- Cleide, será que não tem nenhum doce escondido por aí?
- Nem leite condensado?
- Tem um na cesta de Natal que dona Edna ganhou.
- Então distraia a atenção dela que eu vou roubar o leite.
- E ela reclama?
- Claro! Diz que é pra fazer pudim, mas, se eu não usar, perde a validade.
- E o senhor gosta tanto assim?
- Mais que Bolsonaro. O povo reclama que ele gastou cinco milhões com leite condensado, mas se eu tivesse um cartão corporativo, gastava dez.
- Vixe!
- Carência de infância. Lá no Junco não tinha dessas coisas. Eu estava com sete anos quando nos mudamos para Alagoinhas. Fomos em janeiro e, em fevereiro, voltamos para a festa da padroeira. Não tínhamos mais casa e tivemos que nos arranchar na casa da minha avó paterna, e ela não tinha gado, portanto, não tinha leite, pois naquele tempo as vacas ainda não davam leite em caixa. Então, de noite, a minha mãe apareceu com a novidade. Que delícia! Depois do café fiquei de butuca pra ver onde ela ia guardar.
- Descobriu?
- Sim. De madrugada, os galos cantando, caminhei sorrateiro para a cozinha, igual à Pantera Cor de Rosa, e me deliciei. Entornei três latas.
- Três latas?! E não ficou com dor de barriga?
- Não. Fiquei com dor na bunda da surra que levei.
- E como ela descobriu?
- Quando eu acordei, ela olhou pra mim e disse: “Você tá com a cara muito da sonsa, sinal de que fez alguma coisa errada!” Correu para a cozinha e não precisa dizer o que ela viu, né?
- E a sua avó não fez nada para lhe defender?
- A minha avó? Ela foi a primeira da fila pra me bater, pois também tinha gostado do leite condensado. Depois a minha mãe, meus tios, meus primos e meus irmãos. Só sobrevivi de teimoso que sou.
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