terça-feira, 3 de março de 2009

O arraial do Junco e a violência urbana



A primeira vez que ouvi falar em maconha foi nos preparativos de mudança do arraial do Junco para Alagoinhas. O povo falava à minha mãe para ter muito cuidado com a cidade onde se dizia que a maconha rolava solta e os assaltos eram useiros e vezeiros por causa da erva maldita.

Entretanto essas conversas ao pé do fogão a lenha eram totalmente equivocadas sobre o uso da cannabis sativa. Diziam que os meliantes fumavam a maconha para fazer o povo dormir e assim eles tinham livre acesso ao patrimônio alheio. O medo de então não era o de ver os filhos enveredar pelo mundo devastador da dependência química, mas pelo simples fato de se ser roubado devido ao “boa noite, Cinderela” supostamente contido na maconha.

Eram os tempos da inocência plena. A violência no arraial do Junco limitava-se apenas a alguma briga de bêbado às segundas-feiras, dia de feira. Eram brigas verbais e raramente se chegava às vias de fato. Dos presos e perturbadores da ordem pública, o único que me lembro foi um batedor de carteira que apareceu por ocasião da festa da Padroeira. Pego no flagrante, levou tantos bolos do delegado João Vieira que, anos depois, devia chorar quando se lembrava da surra. Como naqueles tempos não havia direitos humanos, o infeliz foi exibido na festa como um troféu do delegado.

Outro preso de destaque foi um motorista da Petrobrás que buzinou o carro ao passar por um cavaleiro na Ladeira do Cruzeiro. O cavalo se assustou, empinou e derrubou seu montador. Nada teria acontecido se o dito cavaleiro não fosse o delegado da cidade, que, mais tarde, deu voz de prisão ao petroleiro para ele aprender a não sair buzinando a torto e a direito. O infeliz passou dois dias preso, porém não apanhou como o batedor de carteira.

Curiosamente nos anos oitenta um rapazinho roubou um cavalo na roça e foi vender na feira. Teve o azar de oferecer ao próprio dono do cavalo que, surpreso, chamou a polícia.

Bons tempos aqueles em que se comprava fiado em qualquer bodega. Depois veio a modernidade, os supermercados, a televisão, as parabólicas e, com eles, a corrupção, a ladroagem política, a favelização e a miséria passou a rondar a periferia da cidade. As verbas públicas tiveram destinações privadas, o desvio de função pública se tornou dever de ofício, o povo aprendeu a trocar o voto por migalhas e o que se vê, hoje, é uma cidade sitiada pelo medo da violência e pelo terror das drogas. Do ano passado para cá, oito pessoas morreram vítimas da violência bestializada, gratuita, onde até um velhinho foi assassinado a golpes de machado para ter sua aposentadoria roubada. Ora pois, o que seria o sossego da velhice, está sendo o objeto do medo.

O arraial do Junco, que figura na rabada do IDH, se tornou a terra do sem porvir risonho: governos corruptos e impunes, desemprego crônico, jovens sem perspectivas no futuro, velhos desassistidos e crianças sem ocupação lúdica. Como diz o velho ditado: “Mente vazia é oficina do Diabo”. Quem elege o corrupto pensando tirar proveito, se esquece que está deixando atrás de si uma hoste de miseráveis. E a miséria conduz à violência. E a violência é sinônima de dor. E a dor não tem cor, ideologia ou status social. O corrompido um dia tornar-se-á vítima de sua própria esperteza.

Sumiram com as verbas da habitação popular e teve gente que achou interessante, pois era mais um novo-rico que surgia do nada, como aconteceu nos últimos tempos. Isso gerou o processo de favelização da cidade e a conseqüente degradação moral, com o tráfico de drogas rolando solto a desafiar a Lei e a Ordem. Antes do carnaval mataram um; essa semana que passou, dois. E assim caminhamos para a banalização da violência e a perda total da capacidade de indignação até o dia em que, ao abrirmos a porta da casa, esteja lá um corpo estendido na calçada apontando seu dedo frio e rígido como a dizer que poderemos ser o próximo da lista.

sábado, 24 de janeiro de 2009

RESENHA LITERÁRIA


Coração a Esmo

Por Edna Lopes

“Por si só o título Coração a Esmo, já denuncia tratar-se de um livro de poemas românticos, onde o sentimentalismo e a imaginação se sobrepõem à razão”. Com essa afirmação o escritor José Olívio inicia a apresentação do livro de poemas de Cristiana Alves professora e poeta baiana.

A leitura do livro foi sugestão de Tom, meu companheiro. É um livro agradável de ler e o coração não está tão a esmo assim. Ao contrário, está de pés bem fincados na sensibilidade, no olhar que alcança realidades para além das aparências.”Sou uma mulher de metáforas” diz, no poema que dá título ao livro.

O ritmo e a forma que a autora escolheu para validar o que pensa e sente nos 41 poemas do livro é leve, de leitura fluente, mas isso não tira a intensidade de versos como estes: “Se eu fosse o sonho, faria eterna a inocência das crianças e erradicaria a maldade humana” (Se) e “A rotina se transforma em prisão viva e o homem aprisionado sonha com o vento que livre sopra, dança e se movimenta no deserto do Saara”(Os Giros da Vida).

A poeta faz consigo um diálogo maduro. Seu universo poético é o amor e suas formas. Da paixão amorosa (Silêncio que Murmura) ao sentimento religioso (Deus), da observação (Ré Confessa) a aceitação da indiferença do tempo (Tempo Fugaz).

Na constatação da urgência da vida “Nada de falar de amor eterno se a vida é efêmera” (Nada pra Depois), falando em efemeridades o seu “E-mail” meio que lamenta: “Já não espero o carteiro com suspiros poéticos de atriz de teatro.”

Pena. Mas, Tempus fugit, e se eu fosse esperar o carteiro para enviar essa resenha, provavelmente você não a estaria lendo e, certamente, Cristiana não saberia que gosto de poemas e que, de férias, aceitei a indicação da leitura com prazer.

Edna Lopes, Maceió AL

http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=24584

Link para o texto:

http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdelivros/1402761



ESCRITORES DO ARRAIAL DO JUNCO

Hoje abro espaço para a poetisa Cristiana Alves, publicando dois poemas do seu livro “Coração a Esmo” (Editora Taba Cultural, Rio de Janeiro, 2007).


Cristiana Alves é graduada em Letras e pós-graduada em Estudos Literários, na UNEB de Alagoinhas. Atualmente é professora do Colégio Estadual Profº Edgard Santos, em Sátiro Dias.


E-mail: crisalvespoeta@yahoo.com.br




PORTO DO ADEUS





Estórias que se perderam

Quando na praia naufragou

Os versos do capitão

Que por uma sereia se apaixonou.

No céu as estrelas desmaiaram

E se lançaram sobre o mar;

Na terra as mulheres choraram

Com a Lua solitária

Que não podia fazer a noite estrelada

E pediam a luz do dia

Que não chegava,

Pois a dor se espalhara

E o Sol, do capitão, com saudade,

Numa nuvem chorara,

Enquanto no porto,

Solitário, o amor esperava.



NO PALCO DA VIDA





A vida é uma novela.

É um palco de teatro,

É um filme de cinema.

A novela real,

O teatro sofrível,

O cinema vivo.

Não é ficção,

Não é conto.

É a dura, e às vezes, divertida

Realidade.

É pena que não possamos

Rever as cenas ,

Cortar os erros

E tornar tudo perfeito.



quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

PRECE IRLANDESA



Da minha grande amiga Maria Helena Bandeira, do Rio de Janeiro, recebi esse trecho de uma lindíssima e antiga prece irlandesa por ocasião do meu primeiro aniversário. Reparto-a com os amigos leitores deste blog, gente que, em sua maioria, precisa da bênção da terra e da dádiva da chuva.




Que a benção da luz seja contigo
- a luz exterior e a luz interior.


Que a santa luz do sol brilhe sobre ti
e aqueça teu coração
até que ele resplandeça como um grande fogo de turfa
e assim o forasteiro possa vir e nele se aquecer,
como também o amigo.

Que a luz brilhe de dentro de teus olhos,
como candeia colocada na janela de uma casa,
oferecendo ao peregrino um refugio na tormenta.

E que a benção da chuva,
da chuva suave e boa,
seja contigo.

Que ela tombe sobre tua alma
para que as pequenas flores todas possam surgir
e derramar suavidade na brisa.

Que a benção das grandes chuvas seja contigo,
caindo em tua alma para lavá-la bem lavada,
nela deixando muitas poças reluzentes
onde o azul do céu possa brilhar
e, às vezes, uma estrela.

E que a benção da terra,
da grande terra redonda,
seja contigo.