
Imagem: O Amigo da Onça, de Péricles de Andrade Maranhão
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Desde Dom Quixote, cuja primeira parte data de 1605, o romance tornou-se um espaço entre a ficção e a biografia, e um território entre o real e a imaginação, sendo tudo isso ao mesmo tempo e nada disso, levando o leitor ao terreno da dúvida. O gênero cresceu na Inglaterra com a revolução industrial, no século 18, e chegou ao apogeu no século 19, pelo conjunto da obra de um elenco de gigantes (Tolstoi, Dostoievski, Dickens, Flaubert, Balzac, Sthendal, Eça de Queirós, Machado de Assis...) No século 20 teve sua estrutura virada pelo avesso, a partir das inovações formais e estilísticas introduzidas por James Joyce. Depois de todas as experimentações que sofreu daí em diante, e já com sua morte tantas vezes anunciada, afinal, qual o romance que se quer ler (ou escrever) hoje? Apenas uma velha e boa história bem contada? E mais: alguns segredos da criação de um romance, do título ao ponto final.
4 aulas
7 JULHO
Breve introdução ao gênero, sua história, desenvolvimento e impasses na contemporaneidade. Títulos, inícios e finais de romances memoráveis. A criação de personagens, dos diálogos, e a relação tempo cronológico-tempo psicológico. O narrador. Leitura em voz alta pelos participantes de um capítulo exemplar de romance. Impressões sobre o texto lido. O romance que cada um gostaria de ter escrito. E o que tem na cabeça – ou na gaveta – e nunca teve coragem de contar.
14 JULHO
A estratégia narrativa e a originalidade de Memórias póstumas de Brás Cubas, o romance dentro do romance, exemplo de obra literária do século 19 cujas inovações continuarão causando impacto pelos séculos afora. Leitura de alguns de seus capítulos. Exibição de trechos da adaptação do livro para o cinema, por André Klotzel. Confabulações em torno da construção e do texto machadiano, do Rio e da sociedade brasileira na visão ao mesmo tempo irônica e melancólica do autor.
21 JULHO
Outro caso exemplar de estratégia narrativa. Este, do século 20: O Grande Gatsby, no qual Scott Fitzgerald atingiu a quintessência do seu sonho de arte e beleza. Está tudo lá: ritmo, cadência, e a comprovação de uma crença do autor de que “ação é personagem”. E, em vez da ironia machadiana, a prosa melódica da era do jazz; em vez do toque de melancolia por trás do riso de Brás Cubas, que se narra, o olhar de desencanto do narrador diante da misteriosa opulência de Gatsby, e, por extensão, das extravagâncias da sociedade norte-americana do primeiro pós-guerra, como se antevisse o desfecho trágico que deu no crack de 1929 e na depressão dos anos de 1930, de que hoje tanto se fala. Leitura em voz alta de trechos do pequeno grande romance de Scott Fitzgerald. Comentários.
28 JULHO
Século 21: a desconstrução das formas canônicas, quando o romance prima pela incorporação de outros gêneros à sua estrutura, como o ensaio, a reportagem, a biografia etc., o que já vinha acontecendo no século anterior, mas agora parece dominar o cenário literário, sobretudo o brasileiro. Caso a ser analisado: O filho eterno, que ganhou praticamente todos os prêmios nacionais, levando o autor, Cristóvão Tezza, a ser distinguido com o Faz a diferença do jornal O Globo, este ano. Em foco: quando o real leva à invenção a atingir o status romanesco. Podem as vivências particulares resultar em histórias de interesse geral? O que faz a diferença entre a realidade e a ficção, ou mesmo entre um romance e outro? - considerando-se este outro o que desperta o interesse da crítica e do público. Comentários finais, envolvendo os participantes do curso.
Antônio Torres é autor de 11 romances, entre os quais se destacam: a trilogia formada por Essa terra, O cachorro e o lobo, Pelo fundo da agulha, e seus dois títulos (Meu querido canibal e O nobre sequestrador) que envolvem personagens e histórias da História do Rio de Janeiro. Com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, foi agraciado pelo governo da França, em 1998, com a comenda de Chevalier des Arts et des Lettrres. Em 2000, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra. Em 2001 foi o ganhador do Prêmio Zaffari & Bourbon, da 9ª. Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, RS, por Meu Querido Canibal. (Mais informações: www.antoniotorres.com.br)
Quando você nasceu, eu vivia os instantes finais da minha adolescência pelas ruas de Alagoinhas, num misto de estudante, trabalhador e hippie. Era um dos últimos remanescentes da geração paz e amor. Vivíamos uma intensa repressão político-ideológica e vi várias pessoas serem perseguidas pelas mais esfarrapadas acusações.
Quando você deu o seu primeiro choro, centenas de pessoas deram o seu lamento pela última vez nos fétidos e obscuros porões das torturas. Quando você disse “papá”, articulando seus primeiros tatibitatis, nada se falava no país, pelo medo da repressão que nos amordaçava. O Araguaia era uma realidade distante que poucos ouviam falar. O Junco era governado pela ARENA 1, que se revezava com a ARENA 2, e conflitos de natureza ideológica eram coisas do outro mundo. Em Alagoinhas se articulava a fundação do diretório do MDB e foi nesse ano que conheci um homem que, tempos depois, liderou o país na cruzada pela democracia: Ulisses Guimarães.
Quando você nasceu os americanos levavam uma surra mortal dos vietnamitas, o lançamento do disco de Roberto Carlos era disputadíssimo, Raulzito se firmava como Raul Seixas e Secos e Molhados maravilhava o país, de norte a sul, com uma música totalmente diferente da que costumávamos ouvir. O nosso sangue latino começava a ferver nas veias. O país, discretamente, vivia a sua emancipação cultural. O brasileiro começava a rever seus valores. O americanismo não empolgava mais.
Quando a sua mãe começou os preparativos para a festa do seu primeiro aniversário, participei, pela última vez, da festa da padroeira do Junco. Teve feira-chic, corrida de saco, procissão pelas ruas da cidade, leilão para ajudar nas despesas da festa e à noite houve baile dançante no recém-inaugurado matadouro municipal. Levaram uma banda de Feira de Santana chamada The Spath Five, que foi rebatizada como “Os Espatifados”, de tão ruim que era. Lembro-me de gente dançando valsa, outros bolero, os jovens dançavam rock’n roll, enquanto o cantor cantava “We Said Good bye”, de Dave Mcclean. Desentrosamento total. Um caos. Mesmo assim todo mundo saiu satisfeito. O espírito da festa era o que importava. O resto era apenas detalhes.
No dia seguinte olhei a feira-chic pela última vez. Você começava a dar os seus primeiros passos, certamente trôpegos e tímidos, caindo e sorrindo, para deleite dos seus pais, enquanto eu caía no mundo, sem tempo para tropeços, sem mais tempo para sonhar. Era apenas um garoto que amava os Beatles, Pink Floyd e os Rolling Stones debutando para a realidade.
FELIZ ANIVERSÁRIO !