terça-feira, 9 de junho de 2009

Sheila


Quando você nasceu, eu vivia os instantes finais da minha adolescência pelas ruas de Alagoinhas, num misto de estudante, trabalhador e hippie. Era um dos últimos remanescentes da geração paz e amor. Vivíamos uma intensa repressão político-ideológica e vi várias pessoas serem perseguidas pelas mais esfarrapadas acusações.


Quando você deu o seu primeiro choro, centenas de pessoas deram o seu lamento pela última vez nos fétidos e obscuros porões das torturas. Quando você disse “papá”, articulando seus primeiros tatibitatis, nada se falava no país, pelo medo da repressão que nos amordaçava. O Araguaia era uma realidade distante que poucos ouviam falar. O Junco era governado pela ARENA 1, que se revezava com a ARENA 2, e conflitos de natureza ideológica eram coisas do outro mundo. Em Alagoinhas se articulava a fundação do diretório do MDB e foi nesse ano que conheci um homem que, tempos depois, liderou o país na cruzada pela democracia: Ulisses Guimarães.


Quando você nasceu os americanos levavam uma surra mortal dos vietnamitas, o lançamento do disco de Roberto Carlos era disputadíssimo, Raulzito se firmava como Raul Seixas e Secos e Molhados maravilhava o país, de norte a sul, com uma música totalmente diferente da que costumávamos ouvir. O nosso sangue latino começava a ferver nas veias. O país, discretamente, vivia a sua emancipação cultural. O brasileiro começava a rever seus valores. O americanismo não empolgava mais.


Quando a sua mãe começou os preparativos para a festa do seu primeiro aniversário, participei, pela última vez, da festa da padroeira do Junco. Teve feira-chic, corrida de saco, procissão pelas ruas da cidade, leilão para ajudar nas despesas da festa e à noite houve baile dançante no recém-inaugurado matadouro municipal. Levaram uma banda de Feira de Santana chamada The Spath Five, que foi rebatizada como “Os Espatifados”, de tão ruim que era. Lembro-me de gente dançando valsa, outros bolero, os jovens dançavam rock’n roll, enquanto o cantor cantava “We Said Good bye”, de Dave Mcclean. Desentrosamento total. Um caos. Mesmo assim todo mundo saiu satisfeito. O espírito da festa era o que importava. O resto era apenas detalhes.


No dia seguinte olhei a feira-chic pela última vez. Você começava a dar os seus primeiros passos, certamente trôpegos e tímidos, caindo e sorrindo, para deleite dos seus pais, enquanto eu caía no mundo, sem tempo para tropeços, sem mais tempo para sonhar. Era apenas um garoto que amava os Beatles, Pink Floyd e os Rolling Stones debutando para a realidade.



FELIZ ANIVERSÁRIO !






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