sábado, 5 de outubro de 2013

De baiano para acreano

- Marina Silva culpa os baianos pela não aceitação do seu partido pelo TSE?
- Por quê?
- Os ministros do Superior Tribunal Eleitoral entenderam que haveria perto de cem por cento de abstenção na Bahia nas próximas eleições.
- Não entendi...
- É que os baianos iriam ficar na Rede.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Dias de Santo Pobre e de Riqueza Explícita




“Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado,
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado,
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra.”
São Francisco de Assis

Hoje, o mundo cristão comemora o dia de São Francisco de Assis, o primeiro ecologista do mundo, padroeiro dos animais e do meio ambiente.

Nascido Giovanni di Pietro di Bernardone na cidade italiana de Assis, criou-se na malandragem e no mau costume da burguesia. Antes de ser tocado pela luz do Divino, tentou ser soldado, foi à guerra, lutou, matou, foi preso, depois tentou ser comerciante, desistiu, vendeu algumas mercadorias do pai a preço de banana e o dinheiro arrecadado usou na reconstrução da igreja de São Damião. Acusado pelo pai de dissipador de sua fortuna, tirou sua roupa e jogou aos pés do mesmo, renunciou à sua fortuna e saiu nu mundo afora para trabalhar de pedreiro em reconstrução das igrejas.

Em 1208, relendo os Evangelhos, renunciou a vida de devoto e abraçou a de missionário, fundando a Ordem Mendicante dos Frades Menores, os hoje Franciscanos.

A primeira Regra para a fundação de sua Ordem, chamada Regra Primitiva, pregava a pobreza absoluta dos monges e da Ordem. Deviam viver conforme viveram Jesus e seus apóstolos. Mas os construtores da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Salvador, Bahia, Brasil, parece-me, que eles de nada sabiam da vida de pobre do santo. Construíram uma igreja de manifesta riqueza, com suas paredes folheadas a ouro, mais para o palácio de um sultão do que para servir aos propósitos de Cristo e do seu próprio patrono, que mereceu até indicação para uma das 7 Maravilhas do Mundo. Os serviços oferecidos em nada lembram os votos de pobreza dessa Ordem. Cobram preços exorbitantes por qualquer dá cá aquela missa ou batizado. Casamento? Somente para a Real Sociedade Soteropolitana.   

Enquanto isso, o padroeiro de Salvador, o xará São Francisco Xavier, é totalmente humilhado numa capelinha espremida pela opulência de outros santos maiores nas redondezas do Terreiro de Jesus, e quase ninguém sabe onde fica.

Se você é baiano ou turista devoto de São Francisco de Assis, procure outra igreja do santo franciscano para rezar. Em Salvador existem varias, devidamente dentro dos parâmetros econômicos e sociais da Ordem Primitiva. Rezar na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco é perder tempo e jogar oração fora.

São Francisco de Assis se encontra em qualquer canto, menos naquele monumento de agressiva ostentação.

sábado, 14 de setembro de 2013

Cineas Santos - Viagem à poesia via cordel



Eu teria uns seis anos de idade quando a poesia pousou no meu terreiro. É escusado dizer que eu não sabia que  “aquilo”era poesia, mas depois de ouvir a tia Odete cantar (isso mesmo) a história de uma onça, impiedosamente caçada nas caatingas do nordeste, afirmei emocionado: quando crescer, quero fazer isso. Desasnado por dona Purcina, aos 8 anos, eu já estava acompanhando as peripécias do valente Zé Garcia no folheto de João Melquídeas. Como, em matéria de livros, só dispúnhamos dos folhetos de cordel, li todos os que me caíram às mãos. Aos doze anos, instigado pelo irmão mais velho, resolvi escrever um folheto de sacanagem denominado “O namoro de hoje em dia”. Uma obra a quatro mãos: ele entrava com o conteúdo, cabendo a mim cuidar da forma. O folheto não chegou a ser publicado, mas me rendeu uma surra conversada. Dona Purcina não deixava para depois o que podia fazer na hora. Comecei bem a minha carreira literária...

            Na terceira série do curso ginasial, paguei o maior mico da minha vida: a professora de português me surpreendeu lendo “A chegada de Lampião no inferno”. Pegou o folheto e, depois de exibi-lo  com uma pontinha de asco, afirmou: “Custa crer que um aluno de terceira série perca tempo lendo isso. O que temos aqui? Linguagem vulgar, erros grosseiros, bobagens”. Sem hesitar, jogou o meu folheto pela janela. À época, os professores podiam tudo...

            Já em Teresina, abri o Dicionário Escolar do Silveira Bueno e me deparei com essa joia de verbete: “Literatura de  cordel - aquela de pouco ou nenhum valor literário, vendida nas feiras do nordeste”. Bem, uma coisa era a opinião de uma professorinha de São Raimundo Nonato; outra, bem diferente, a de um filólogo de nomeada. Parei com a leitura de folhetos. Parei por pouco tempo: quando li “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto. Não me contive:  isso é  um cordel áspero com rimas toantes. Bem mais tarde, li “Descoberta da Literatura”, onde o poeta, a seu jeito, confessa que descobriu a literatura lendo folhetos para os trabalhadores dos engenhos da família. Pensei comigo: se o severo e competente João pode, por que eu não poderia?

            Em 1976, publiquei, com o pseudônimo de João José Piripiri, o folheto “Vida de Nordestino” que, ainda hoje, me agrada. Em 1983, lancei “ABC da Ecologia”, tentativa de disseminar entre meus alunos noções de preservação ambiental. O folheto criou asas, voou, foi editado pelo IBAMA, pela Secretaria de Educação de Pernambuco, pela Prefeitura de Teresina. 30 anos depois de sua primeira edição, o ABC, com roupa de gala, com o selo da Editora IMEPH, está de volta ao mercado. Entre outras novidades, o livro traz verbetes com animais ameaçados de extinção.

            Acho que está mais do que na hora de agradecer à velha Odete a oportunidade que me propiciou de penetrar no mundo mágico da poesia por meio da literatura de cordel.
           

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

AULA DE ANATOMIA

A médica foi clara e objetiva ao me explicar onde ficavam o fígado e o baço. Com as pontas dos dedos pressionou o lado direito do meu abdome e falou;
-  Aqui, fígado.
Pressionou o lado esquerdo e falou de maneira tão singela e inocente que quase não resisto à tentação de lhe dar um beijo:
- Cá, baço.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Antonio Brasileiro - Teatrinho



Não quero ser Chapeuzinho Vermelho mais não.
Por que, filhinha?
Não gosto que o Lobo Mau me coma.
Mas o Caçador não vai matar o Lobo?
Vai...
E não vai tirar você e a Vovozinha da barriga do Lobo?
Não gosto.
Mas é só um teatrinho, filha.
Não.
Você decorou tão bem o seu papel.
Aninha vai.
Ah, Aninha vai então substituir você.
Mas eu vou dizer uma coisa a ela.
O que assim?
Aninha, não fale nada com o Lobo Mau, viu?
Mas ela tem que falar com o Lobo Mau. Na história verdadeira ela conversa com ele.
Mas ela não vai falar nada!
Tudo bem, tudo bem. E como é que a história vai prosseguir?
Não sei.
O Lobo Mau vai ficar lá, parecendo um pateta: “Aninha, fale, o que é que você tem?” É isso?
Mãe, você é tão engraçada.
E o que é que Aninha vai dizer?
Aninha? “Ah, seu bobão, você pensa que vou lhe dizer onde a Vovó mora?”
“Não vai não? Então eu vou lhe comer.”
Mãe não come filha.
“Eu não sou mãe. Eu sou Lobo!”
“Ai! Eu falo.”
“Muito bem. Como é seu nome, menina?”
“Chapeuzinho Vermelho.”
Está vendo? Você interpreta tão bem.
“Lobo Mau, você está querendo é me enganar.”
Eu, filha?

(Antonio Brasileiro – Do livro “O menino no guarda-roupa”)

Não confundam Antonio Brasileiro com Antonio, o Brasileiro, ou com seu xará famoso, Tom, o Jobim, também conhecido por Antonio Brasileiro. Este de que vos falo, agora, é mais competente do que os outros, embora a mídia não divulgue, porque, além de poeta, é nordestino legítimo. Quando Sarney era presidente e ia pro rádio e tevê falar "Brasileeeeiroooo!", ele levantava o braço e gritava feliz para a turma que assistia novela na Praça Senhor dos Passos: "O presidente tá falando di mim!"

Tal qual meu bróder Luís Pimentel, também nasceu num lugar que ninguém sabe onde fica, chamado de Matas do Orobó, e acabou sendo criado nas ruas de Feira de Santana. Só não sei dizer se também foi gandula do Fluminense de Feira, o famoso Touro do Sertão.

Romancista, contista, poeta, artista plástico, membro da Academia de Letras da Bahia, bom de prosa, excelente camarada, ainda encontra tempo em seus contratempos para ser professor, fodido e mal pago, como se diz no linguajar pop da gurizada de Feira de Santana e Alagoinhas.

No mais, é só gozar do prazer de seus textos. Entre numa livraria qualquer e compre um ou dois, ou três, dos seus mais de quinhentos livros. Os livros dele, apesar de não ser da linha editorial da autoajuda, também funcionam assim. Um cidadão no interior do Ceará, descrente da vida, da religião, de Padre Cícero e da política, resolveu se suicidar. Na hora de pôr a termo o gesto fatal, alguém leu pra ele este poema:

CÁLICE

A vida não tem roteiros,
só velas que nos acenam
do mar.
Escuta, amiga,
o desfiar das horas:
elas te dirão é tua
é tua a vida.
Toma-a (como se toma
um cálice de rosas)
na mão.

O suicida deu dois passos atrás e desistiu de morrer. Hoje é um dos maiores leitores do poeta desse lugar chamado Matas do Orobó.

 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A velha Salvador do Jereré do Macedo, do Toalha da Saudade e do Zanzibar



Dessas visões que de vez em quando somos acometidos quando vemos uma pessoa e que despertam uma imagem adormecida nas lembranças:

– Já fez seu pedido, senhor? – tirou-me das divagações o garçom.
– Gostaria de lhe perguntar uma coisa: de onde lhe conheço?
– Daqui.
– Não. Algo martela meu juízo de que lhe conheço de outras eras.
– Deve ser do outro bar que trabalhei, o Ipaneminha.
– Não. Tenho certeza de que não é dos bares daqui de Maceió.
– Fora daqui de Alagoas, trabalhei em Salvador.
– Isso! – quase gritei de euforia – Trabalhou onde em Salvador?
– No Jereré de Macedo.
– Sabia!!! Eu morava no Rio Vermelho e costumava ver o sol nascer sobre as águas de Amaralina, lá do Jereré.

Nos anos 1970 e início dos anos 1980 os bares fechavam à meia-noite em Salvador. No circuito da orla, somente o Jereré (ou jererê, conforme se pronunciava na Bahia) era aberto vinte e quatro horas durante os sete dias da semana. Não era um bar muito grande. Não havia luxo, mas a cerveja era bem gelada e o tira-gosto de primeira. E os garçons eram simpáticos, como o Castor, o que acabara de encontrar em um bar perto de casa, em Maceió. O movimento maior se dava depois da meia-noite, quando os outros bares fechavam, e permanecia cheio até o sol nascer.

Na Cidade Alta havia o Zanzibar, no Garcia, perto do Campo Grande, que também funcionava a noite toda. Era um reduto gay e naquela época não havia a onda do simpatizante não. O cidadão era ou não era.

Nos Aflitos o saudoso Batatinha recebia seus amigos e clientes no Toalha da Saudade, nome de uma música sua que fez sucesso na voz de Maria Bethânia, mas só ficava aberto até o último bêbado sair. Não era confiável. Se acontecesse de meia-noite não ter ninguém, o bar era fechado.

Quando me separei, fui morar na Graça e ficou inviável frequentar o Jereré. Então descobri o caminho do Toalha. Eu e o meu compadre José Bahiana, que passou a trabalhar no mesmo turno que eu, no polo petroquímico de Camaçari. Quando a gente largava o serviço à meia-noite, eu ia para a casa dele, no Largo de Santo Antonio Além do Carmo, ele pegava o velho fusquinha e íamos diretamente nos enxugar no Toalha da Saudade.

Uma noite demos com os burros n’água. O bar estava fechado. E tínhamos saído do trabalho sentindo o gostinho da cevada. A cidade era um deserto. O Jereré havia virado depósito de material de construção. O que fazer então?

– Vamos para o Zanzibar – falei.
– Tá doido?! A bicharada vai nos massacrar!
– Não se a gente entrar de mãos dadas. Eles vão achar que somos um casal gay e não vão mexer conosco.

Assim fizemos. E sequer olharam para nós com olhares lascivos. Só o meu compadre é que não gostou quando soube que a rapaziada alegre achava ser ele o agente passivo. E nunca mais quis repetir a dose. Preferiu deixar sua geladeira sempre abastecida de cerveja para as emergências desse tipo.