domingo, 31 de janeiro de 2010

São Sebastião, o rei e o Rio

Do livro de Crônicas "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres

De São Sebastião



Não é sem motivo que o nome dele está associado ao do Rio de Janeiro. Antes de contá-lo aqui, recordemos a noite em que o padre Anchieta sonhou com São Sebastião, enquanto dormia atrás das barricadas de Mem de Sá, o comandante da conquista definitiva do Rio para os portugueses, então súditos de um rei homônimo do santo perpetuado pelas estampas religiosas, em reproduções imaginárias de seu corpo crivado de flechas.

Tal imagem tornou-se emblemática da intolerância, a simbolizar o martírio dos cristãos no Império Romano, e não só na era de Pilatos. Basta lembrar que Diocleciano (Caius Aurelius Velerius Diocles Diocletianus), proclamado imperador em 284 depois de Cristo, viria a declarar o cristianismo incompatível com o poder do Estado, desencadeando a “grande perseguição” que fez mártires na Itália, na África e no Oriente, até o reinado de Constantino I - de 306 a 337 -, o convertedor de Roma à cristandade.

A história do padroeiro do Rio de Janeiro começa pelo fim. Oficial romano do século III, ao ser denunciado como cristão foi condenado às flechadas, das quais sobreviveu. Mas não resistiu a outras torturas. Morreu flagelado no fogo. No Brasil, tornou-se um santo popular, identificado a Oxóssi nos cultos afro-brasileiros, quer a Igreja Católica considere (melhor dizendo, tolere) a nossa diversidade cultural ou não.

Foi Estácio de Sá quem acrescentou o nome de São Sebastião ao do Rio, ao fundar a cidade, no dia 1º de março de 1565. E o fez em honra a outro Sebastião, nascido em Lisboa em 1554, e rei desde os três anos de idade, já chamado de O Desejado, por ter vindo ao mundo depois da morte do seu pai, D. João. Ele só assumiria o poder em 1568, ou seja, três anos depois de ser homenageado à distância, no sopé do morro Cara de Cão, vizinho do Pão de Açúcar, por um capitão do exército da sua mãe, a regente D. Catarina, incumbido de expulsar os franceses, e liquidar a Confederação dos Tamoios, os maiores entraves à ocupação lusitana nestas paragens.

Dom Sebastião acabou tendo um trágico destino. Sua obstinação pelas conquistas de territórios africanos, e de entrar pessoalmente em combate, o levou a desaparecer em Alcácer-Quibir, no ano de 1578. Portugal viveu séculos à espera da sua volta. A expectativa desse impossível retorno gerou um estado de espírito passadista, o sebastianismo, de longa duração e alcance, pois chegou a este lado do Atlântico, influenciando o movimento insurrecional anti-republicano que provocou a Guerra de Canudos, entre 1894 e 1997.

Os historiadores também fizeram de Dom Sebastião um tipo inesquecível. É um dos reis portugueses mais estudados. E o poeta Fernando Pessoa não lhe negou verso, no papel de conquistador falhado, a desfazer a eterna ilusão do seu regresso:

Louco, sim, louco porque quis grandeza.
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Voltemos a São Sebastião. Na noite de 18 de janeiro de 1567, José de Anchieta sonhou com ele, a bordo de um dos navios comandados por Mem de Sá, que, ao amanhecer do dia seguinte, iria atacar – junto com seu sobrinho Estácio -, os redutos do cacique Aimberê, na aldeia de Uruçumirim, hoje o bairro do Flamengo. No sonho de Anchieta, São Sebastião aparecia no meio da tropa, matando um índio atrás do outro. Como em dois dias de batalha dos cristãos não sobrou um único canibal, o apóstolo do Brasil exultou com a premonição.

Barbaridade, meu santo.

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