terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

MORTE E RESSURREIÇÃO DO MALUQUINHO

Por Cineas Santos

De José Elias Arêa Leão


Inicia-se esta arenga com a velha anedota do cidadão (chamemo-lo Cipriano ) que, honesto, trabalhador, benquisto e respeitado de todos, era um exemplo de bom cidadão na cidadezinha onde morava. Atormentava-o, porém, um temor, um medo, um pavor, para ser mais preciso. Horrorizava-se com a ideia de não ter um sepultamento digno, ou seja, com um número razoável de acompanhantes. Dizia aos quatro ventos: “Defunto sem velório é cão sem dono”. E sofria, sofria como um condenado. Foi aí que um amigo industrioso apresentou-lhe uma sugestão: “Compadre Cipriano, vamos tirar isso a limpo: você morre de mentirinha e vamos ver o que acontece”. Ideia aceita e posta em prática: o próprio compadre encarregou-se de divulgar a má notícia. Comoção geral: a cidade inteira e mais alguns forasteiros compareceram ao “velório” de Cipriano que, teso no caixão, a tudo assistia com o maior comprazimento. O compadre, ao lado do ataúde, protegia o “morto” dos olhares indiscretos e despistava os mais curiosos. O ritual se cumpria: café, cachaça, prosa moderada, louvação às qualidades morais do “defunto”. Lá pelas tantas, o compadre segredou: “Hora de levantar, compadre: já vão fechar o caixão”. Cipriano sem abrir os olhos, respondeu baixinho: “Tá maluco, compadre! Você acha que vou estragar um enterro de tal grandeza?”. E mais não disse, pois sobre ele desceu a noite com a tampa do caixão.

José Elias Arêa Leão, que tem todos os atributos do finado Cipriano, não precisou passar por experiência tão radical para provar o quanto é querido em sua aldeia. Deu-se que, na semana passada, morreu um xará do Zé Elias. Um radialista apressado, à cata de um furo, jogou no ar a má notícia que caiu como uma bomba na cabeça de todos nós. Num átimo, telefonemas, e-mails, bilhetes puseram a Chapada em polvorosa. Até a dona Maria da Inglaterra abalou-se de sua casa, na periferia da cidade, para velar e prantear o nosso Menino Maluquinho. Atônitos e consternados, todos perguntávamos: “Por que o Zé Elias?”. A pergunta se justifica: se existe alguém em Teresina que mereça ser condenado à imortalidade eterna (perdoem a redundância) é justamente ele. Setentão, continua lépido, alegre, solidário, irreverente e traquinas como convém a um menino que, para a alegria dos adultos, se esqueceu de crescer.

No fundo, o que esperávamos mesmo era um milagre. E o milagre aconteceu: lá pelas tantas, com sua gaitada inconfundível e com seu passo de pato manco, ressurgiu o Zé Elias, rindo da morte anunciada. Não foram poucos os que, a exemplo de Tomé, fizeram questão de tocar-lhe o corpo para certificar-se de que nosso menino velho continua vivo.

Já se disse, com alguma razão, que nenhum homem é maior que a sua época, mas é inegável que alguns, com seu trabalho, com seu talento, com sua presença luminosa, são capazes de tornar menos ruim a época em que viveram. José Elias Arêa Leão é um deles. Se toda unanimidade é burra, como queria Nelson Rodrigues, está explicado o porquê da ausência de capim-de-burro nos arredores de Teresina: os que amam o Zé Elias comeram tudo.

Longa vida ao Maluquinho do Piauí.

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