terça-feira, 18 de agosto de 2009

A MUSA E O POETA PANTANEIRO

De Musa



Zé do Mato não entendia os sorrisos insinuantes e provocativos de sua colega de Repartição. Ou então entendia e se fazia de sonso, para evitar complicações futuras. Falava-se a boca miúda que muitos se finaram por se deixar envolver pelo canto da sereia. Era a mulher tipo “caixão e vela”.

Doutor Zé, conforme tratamento dos subordinados, era o chefe burocrático de uma dessas secretarias feitas para torrar a paciência do cidadão. Não havia muita coisa a ser feita, a não ser ficar atento para que os funcionários sob o seu comando não relaxassem no zelo ao dever. Quanto mais complicar a vida do contribuinte, melhor seria para o prefeito, pois assim o povo passaria o seu tempo na fila da burocracia e não teria tempo de falar mal de sua administração. Às vezes complicava-se tanto que era necessária a intervenção do próprio prefeito para desemperrar a máquina administrativa em prol do contribuinte que, por via de regra, ficava devendo favor ao chefe do executivo municipal. E, no interior, dever favor a político significa votar nele na eleição. Ou em seus indicados.

A colega sedutora de Zé do Mato era uma beldade que devia muitos favores ao prefeito e, por isso, trabalhou duro como cabo eleitoral na eleição para pagar a dívida. Não tinha hora para comer, beber ou dormir. Sempre na luta, na labuta, à frente do principal comitê eleitoral. Eleito, os papéis se inverteram e o prefeito ficou devendo favor à sua ex-favorecida. Como político que deve favor a cabo eleitoral, paga arranjando uma boquinha no cofre da viúva, ela ingressou no serviço público municipal no cargo de chefe-de-gabinete da Secretaria da Burocracia, cujo diretor administrativo era o zeloso Zé do Mato. E assim, burocraticamente, ela tratava de seduzir o seu colega, sabendo que um dia alcançaria o seu intento.

O que impedia Zé do Mato de jogar as cajás em cima da sua colega e colocar as coisas em pratos limpos era o simples fato de a mesma ser casada. E o seu marido tinha fama de valentão. A fama vinha de outros tempos, desde os dias que Lampião andava pelo Sertão, matando o povo de medo e “macaco” a tiro de parabélum. O pai dele, ou seja, o sogro da chefe-de-gabinete, gozava da fama de ser mais brabo ainda: marcou uma peleja com o próprio Lampião e disse que o cangaceiro fosse com quantos homens quisesse que ele ia desarmado e com um braço amarrado. No dia aprazado da pendenga, Lampião não confiou. Antes de entrar na cidade mandou um espião certificar-se de que o oponente tinha cumprido a palavra. Uma hora depois o cangaceiro deu conta do recado:

– Realmente, meu capitão, ele está lá na praça com um braço amarrado, mas observei que ele tem um canivete no bolso.

Lampião fez meia-volta e mandou dizer que a peleja estava desmarcada.

Seria com o filho desse cidadão que prestaria contas caso fosse flagrado com a mulher dele. Ou que ela interpretasse mal as suas conjecturações e desse com a língua nos dentes. Teria que se esconder pelo resto da vida. Ou aventurar-se a morrer de porrada, de faca ou de tiro.

Zé do Mato, além de servidor público exemplar, era um poeta nato. Escrevia maravilhas de versos e prosas, principalmente depois que se satisfazia nas onças, galinhas, cabras ou mulas. Quando a coisa apertava, o jeito era abrir a Playboy e se satisfazer na mão grande, sonhando uma trepança com aquela mulherada. “Êta gostosura! Ainda morro disso!” – exclamava extasiado o nosso herói.

A chefe-de-gabinete, cada vez mais de decote exagerado, se debruçava sobre a mesa do diretor administrativo para ler as suas poesias, deixando à mostra dois belos mamilos, divinamente redondos e durinhos, com os bicos empinados e afiados, querendo furar a blusa. Usava sabonete de canela e a afrodisíaca colônia de patchouli. Zé do Mato sentia que não ia resistir, ia enfiar a mão na jaca, mas quando se lembrava da fama do marido, seu membro esmorecia e acabava o entusiasmo. E ela, dengosa, provocava:

– Ah, Zé, faça uma poesia pra mim, faça!

Além do cargo burocrático, Zé do Mato era cunhado do prefeito e homem de sua inteira confiança. Por ser um letrado, acumulava a função de tesoureiro e era ele quem fazia o pagamento dos funcionários no final do mês. Como na cidade não havia agência bancária, ele sacava o dinheiro da folha na agência do Banco do Brasil, na cidade vizinha e, no outro dia, pagava em espécie e os funcionários assinavam a cópia do contracheque dando conta do recebimento.

Quando saiu do gabinete do prefeito, com o cheque da folha de pagamento na mão, ele cruzou com a chefe-de-gabinete, que lhe deu uma escancarada piscadela, se insinuando derretida. Ele disfarçou o mal jeito, entrou na sua sala, pegou a pasta 007 e, no momento que passava a chave na porta, sentiu uma mão feminina apertar a sua bunda e o dedo indicador cutucar a onça com vara curta. Ele soltou um longo e profundo suspiro. Não ia resistir. Aquilo não era mais uma provocação, mas um convite descarado para prevaricar. Ela, sorrateira, sussurrou um apelo de fêmea no cio: “Me leva com você...” O hálito quente da fêmea gemendo no ouvido e a mão roçando a sua bunda, fizeram-no abrir a guarda e relaxar. Não havia como resistir, por mais macho que fosse o marido e mais frouxo fosse o ricardão. Realmente, não havia como resistir.

Na volta do banco, ela o convenceu a passar em sua casa. Anoitecia e o seu marido estava viajando, só ia voltar no outro dia à tarde. Eles teriam tempo de sobra para que o poeta fizesse uma, não, várias odes ao amor libertino, vivendo cada verso do poema inspirado nos odores do Amor e do Sexo. Literalmente ele ralaria em seu regaço, se afogaria naquele lago transbordante de sensualidade e mamaria naquelas maravilhosas e divinas tetas, sugando todo o néctar do amor.

Entorpecido pelo tesão, o diretor administrativo capitulou. Sem burocracia e sem melancolia. ¡Que venga el toro! Estacionou distante da casa e caminharam sorrateiros, ladinos: ela, na frente; ele, atrás, para não dar na vista. A vizinhança é fogo, ainda mais em cidade pequena. Se caísse na boca do povo fatalmente chegaria aos ouvidos do marido.

Quando se preparava para fundir o parnasianismo com o romantismo, buscando inspiração no Gênese, e, no exato instante em que Eva se preparava para comer a maçã oferecida pela serpente, uma pancada vigorosa na porta e uma voz abusada chamando pela mulher.

– Meu marido! – gritou Emma Bovary tupiniquim. Zé do Mato pulou da cama e disparou pela porta dos fundos, vestido tal qual Adão quando fugiu do Paraíso, a cem quilômetros por hora, livrando-se magistralmente dos obstáculos: muros altos e cheios de cacos de vidro, cachorro no quintal do vizinho, um galinheiro mais na frente e um vigia atento, mandando bala de sal. Chegou a casa arfando e ensanguentado, indo direto para o banheiro cuidar dos ferimentos. Por sorte não havia ninguém no quintal para dar testemunho de sua lamentável situação. E ainda ter que dar explicações.

No outro dia chegou a Repartição mais tarde que o contumaz. O atraso deveu-se ao tempo que levou disfarçando os ferimentos e pensando em uma desculpa a dar, caso alguém perguntasse. Antes de chegar a Prefeitura, viu a fila dos funcionários para receber o salário do mês e levou a mão à testa, preocupado. No susto e na carreira, havia deixado a pasta com o dinheiro do pagamento em cima do sofá, na casa da chefe-de-gabinete. “Tomara que ela tenha visto e tenha trazido”, pensou esperançoso. Que desculpa ela teria dado ao marido para justificar a pasta com o dinheiro da Prefeitura em sua casa? E as suas roupas, será que ele viu?

Foi direto ao gabinete do secretário pegar a maleta com o dinheiro. Lá fora os funcionários começavam a protestar por causa da demora. Lá dentro só havia o secretário. Nenhum sinal da chefe-de-gabinete. Perguntou por ela.

– Ô, rapaz, então você não soube?!

– Não soube o quê?

– Ela, ontem, ganhou uma bolada na Loteria, pediu demissão da Prefeitura e viajou ontem mesmo, sem o marido, que chega hoje de viagem e vai ficar uma fera quando souber do acontecido. Partiu sem deixar rastro, dizendo que não voltaria mais. Deixou o número de uma conta bancária e pediu pra que você efetuasse o depósito do seu saldo de salário juntamente com o salário do mês!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Colóquio do Centenário de Nascimento de Eurico Boaventura



Colóquio Internacional Eurico Alves Boaventura


“Cidadezinha esquecida nesse longínquo sertão silencioso,

Não te conheço, mas, certamente, o meu nome sem ruído

Já te apareceu por aí, numa nova notícia.

A estas horas, na tua modesta Praça da Matriz, com certeza,

Já murmuram o meu nome com interrogações na voz (...)”

(Canção Para a Cidadezinha Desconhecida - Eurico Alves Boaventura)


No centenário do poeta, uma miríade de literatos e doutores. Assim foi o Colóquio Internacional do Centenário de Nascimento de Eurico Alves Boaventura, realizado pela Universidade Estadual de Feira de Santana, de 29 a 31 de julho.

Eurico foi o poeta da Feira, o menestrel do Sertão, o visionário apocalíptico da Feira de Santana desvairada dos últimos tempos, onde se semeia desordenadamente a selva de pedra e seus imponentes monumentos de concreto. Amou a sua terra natal mais que ela a ele, e sua paixão revelava-se em líricos versos modernistas com cheiro de curral e gado.

“(...)

Que poeta nada! Sou vaqueiro.

Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos

E sabe de um grito atemorizar o sol

Feira de Santana! Alegria!

Alegria nas estradas que são convites para a vida na vaquejada

Alegria nos currais de cheiro sadio

Alegria masculina nas vaquejadas, que levam para a vida

E arrastam também para a morte

(...)”

(Elegia Para Manuel Bandeira – Eurico Alves Boaventura)


Foi poeta da terra, mas de sua poesia não falava nas tertúlias literárias que promovia em sua casa. Preferia recitar os versos de poetas d'alhures, segundo conta o escritor Antonio Torres, um dos frequentadores do seu seleto grupo de ouvintes. Timidez, modéstia, ou os dois juntos? Difícil de se saber.

Juiz de Direito e de tudo, porque naquele tempo era assim, serviu em várias comarcas interioranas, porém foi preterido em Feira de Santana. Sua filha Eugênia não sabe os motivos dessa querela judicante na sua terra natal, mas, devido à retidão do seu caráter, é compreensível que os corruptos detentores do poder político não o queriam por perto. Não nos esqueçamos que ainda é pratica corrente os influentes escolherem quem os irá julgar no futuro.

E foi nessa magistratura itinerante que o juiz Eurico Boaventura foi parar em Alagoinhas e lá fez grandes amigos, porém não deixou de contrariar interesses que culminou com a sua prisão no pipocar da denunciação anônima implantada pelo golpe militar de 1964 e que resultou no caça às bruxas promovido pelos escrotos. Solto, três dias depois sem que houvesse acusação formal ou comprovação de ilícitos, o dano moral foi contundente e não teve mais sossego em sua vida.

Morreu no anonimato literário em 1974 e assim permaneceria se não houvesse gente na Universidade Estadual de Feira de Santana com a coragem quase heróica de arregaçar as mangas e resgatar parte da mnemônica literária – e da própria história da cidade – no século XX.

Outros Euricos há em todo canto e lugar, aguardando que uma boa alma os tire do limbo da História e os conduza ao mundo com suas reais importâncias, como fizeram os autores do Colóquio Eurico Alves Boaventura. Justiça que se fez ao vate feirense; justiça que se faça à legião dos condenados à omissão eterna que nos observam com seus olhos erodidos pela ação dos séculos.

Parabéns aos realizadores pelo sucesso da empreitada feirense.





domingo, 9 de agosto de 2009

O Escritor, O Poeta e o Blogueiro




O escritor de um lado, o compositor do outro, e eu no meio. Assim foi o grande encontro no saguão do Hotel Kalilândia, em Feira de Santana, Bahia, para o Colóquio Internacional Eurico Alves Boaventura, realizado pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

Antonio Torres, o escritor, não conhecia Carlos Pitta, o compositor. Nem suas músicas. Por outro lado, Carlos Pitta conhecia Antonio Torres através da mídia e dos livros. E eu, o blogueiro, espremido entre eles, conhecia os dois. O primeiro por ser meu irmão mais velho, o exemplo a ser seguido segundo a minha mãe quando me pegava na traquinagem; o segundo, músico, poeta, compositor e produtor musical Carlos Pitta, responsável pela música Cometa Mambembe, em parceria com Edmundo Carôso. Esta música, mistura de frevo, baião e galope, era e continua sendo uma das músicas mais executadas nos carnavais onde imperam o frevo e as marchinhas, sendo gravada, também, por forrozeiros famosos e tocada nos rala-buchos e bate-barriga.

Foram três dias de convivência com Carlos Pitta, tempo suficiente para descobrir que por trás de sua alma poeta se esconde um grande contador de causos e anedotas. Carismático, por onde passa recebe o carinho do público feirense, sua terra natal, que o saúda com o refrão “tenha fé no azul que está no frevo/que o azul é a cor da alegria...” para deleite do mesmo. Também curou a rouquidão de Antonio Torres, que desembarcou na Bahia completamente afônico. Sem a feliz intervenção homeopática de quem sobrevive da voz, o escritor teria que pedir a alguém para ler o seu discurso de encerramento do Colóquio.

Na sexta-feira, dia 31 de julho, apesar de termos farreado até meia-noite, ele acordou às seis da manhã para gravar estes dois vídeos abaixo, falando do seu novo cd e da sua obra-prima, Cometa Mambembe. A nossa intenção era ter a sinfonia matinal da Praça Kalilândia como música de fundo, porém o concerto urbano em Feira de Santana está começando bem mais cedo do que o despertar dos pássaros.

Mas, felizmente, foi possível harmonizar o homem, o poeta e a natureza.



Carlos Pitta e Seu Novo CD

Carlos Pitta dá entrevista exclusiva ao blog e compara a música de hoje com a de antigamente e fala do seu novo CD




Carlos Pitta Revela os Bastidores de Cometa Mambembe

O cantor e compositor Carlos Pitta fala ao blog do seu grande sucesso em parceria com Edmundo Carôso Cometa Mambembe. Neste mesmo vídeo, um clip com seu novo sucesso "O Homem Que Toca Blues Lá No Mississipi"


sábado, 8 de agosto de 2009

Escritor e Professor Aleilton Fonseca visita a terra e faz doação de livros à Biblioteca Antonio Torres

O escritor - e professor-doutor da UEFS - visita a Biblioteca Antonio Torres no dia 1º de agosto de 2009 e faz doação de livros ao patrono, que repassa ao responsável pela mesma. Na oportunidade, estavam presentes os professores-doutores Rosana Patrício, Rita Godet, Lícia Soares, Hélvya Pereira, além do Sr. Luiz Eudes, José Geraldo, Raimundo Torres e este que vos fala.



quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Escritores e Professores Visitam o arraial do Junco

Visita do escritor Antônio Torres e do professor e escritor Aleilton Fonseca e dos professores doutores Rosana Patrício, Rita Godet, Lícia Soares, Hélvya Pereira, ao arraial do Junco, no dia 1º de agosto de 2009. Anfitriões: Luiz Eudes Cruz de Andrade e José Geraldo Torres. Fotógrafo: Tom do Junco.



segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Jogo do Contente



Por Mislene Lopes



“És precária e veloz, Felicidade. Custa a vir, e quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade és coisa estranha e dolorosa:

Fizeste para sempre a vida ficar triste.

Porque um dia se vê que as horas todas passam e um tempo despovoado e profundo persiste

(Cecília Meireles)


Entre os poucos livros que li na minha infância e adolescência posso dizer que “Pollyanna” foi uns dos meus preferidos. Trata-se da história de uma menina de onze anos, filha de um missionário pobre que, após ficar órfã, vai morar em outra cidade com uma tia rica e severa. Pollyanna ensina às pessoas na nova comunidade o jogo do contente, que havia aprendido com seu pai no dia em que esperava ganhar uma boneca e recebeu um par de muletinhas. Seu pai lhe explicou que não existia nada que não pudesse ter dentro qualquer coisa capaz de nos fazer contentes, e ela então ficou contente por não precisar das muletinhas. E depois desse dia criou o jogo de procurar em tudo que há ou acontece, alguma coisa que a faça contente, e o ensina sempre que encontra alguém triste, aborrecido ou mal-humorado.

Estar contente, estar feliz, é sentimentos que vão e vem sem pedir licença. Durante o tempo que vivi na pequena cidade de Sátiro Dias, passava os dias fazendo o jogo do contente, assim teria motivos para sorrir. Mergulhava a cara nos livros. A leitura não era um hobby e sim uma necessidade, eu precisava ocupar minha mente, dar um novo sentido para minha vida. Em poucos dias eu lia um livro e graças a Deus na cidade existia uma biblioteca publica, cujo nome homenageava um dos grandes escritores da terra: Antonio Torres.

Queria ter tempo para sentir tristezas. Durante o dia eu estudava e à noite eu lia à luz de candeeiro, forçando meus olhos, o que resultou num problema de visão. Os sons das cigarras faziam a trilha sonora. Meu lado imaginário me fazia esquecer a solidão. No período de seca e dificuldades, os livros eram meus companheiros de cabeceira. Meu pai não gostava muito, achava que eu lia livros de sacanagem ou que me colocaria em perdição. Por varias vezes me proibiu de ler, ameaçou destruir qualquer livro que eu levasse para casa. Acreditava que quanto mais eu me aprofundasse nas leituras, maiores seriam as chances de me tornar uma “mundana”. Porém eu lia escondido. Os livros eram meus melhores amigos em momentos de solidão e tristeza. Neles, dava asas à imaginação, viajava, conhecia outros mundos.

Solucei quando li “Meu pé de laranja-lima” uma obra juvenil de José Mauro de Vasconcelos. A pobreza, a solidão e o desajuste social visto pelos olhos ingênuos de uma criança de 6 anos. Nascido em uma família pobre, Zezé era um menino especial, que envolve o leitor ao revelar seus sonhos e desejos, por meio de conversas com o seu pé de laranja-lima, encontrando na fantasia a alegria de viver. Nenhum outro livro me fez chorar tanto. Ele me marcou com sua história comovente e emocionante, como a retratar a minha infância.

A cada três dias eu ia à Biblioteca Antonio Torres pegar um novo livro. As funcionarias se admiravam por eu ler um livro em tão pouco tempo, recorde para os padrões de leitura da terra. O ultimo livro que li da pequena biblioteca do Junco foi “Dança com lobos”, de Michael Blake. Meu pai já não morava mais conosco, tinha viajado para São Paulo em busca de trabalho. Quando isso aconteceu pude ler com mais calma, sem pressa, degustando as páginas dos livros.

Pela manhã eu acordava com meu pequeno nariz cheio de pó preto. Certo dia minha mãe me perguntou: “O que é isso em seu nariz? Está preto de tanto inalar fumaça de candeeiro. Você e seus livros! Pelo menos enquanto ler não pensa em namorar tão cedo”.

Namorar?! Quem iria querer namorar uma caipira como eu?

Eu era a leitora mais fiel, a mais freqüentadora da Biblioteca Antonio Torres. Busquei nos livros refúgio de anos difíceis. Venci minha timidez, pena que não dei continuidade depois que vim morar em São Paulo.

Em um dos livros que li na Biblioteca, não recordo o nome, mas na contra-capa dizia assim: “Felicidade é utopia, ela existe, não como prêmio, mas como conquista, não é uma estação aonde chegamos, é uma maneira de se viajar”. Pesquisei no Google e não obtive grande sucesso. Parece ser uma intertextualidade de Alzira Lopes e Roque Schneider. Nessas mesmas pesquisas no mundo virtual li uma citação de Cesar Romão que dizia o seguinte: “Felicidade não é algo que se conquista: é algo que acontece em nossa vida como prêmio pela maneira que vivemos”. Não é da maneira que vivemos que conquistamos a felicidade? Felicidade está longe de ser um prêmio, mas uma conseqüência, da mesma forma que o sofrimento jamais é um castigo e sim um resultado.

Voltaire disse que “A felicidade é a única coisa que podemos dar sem possuir”. Charles Chaplin disse que “Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontra todos os segredos inclusive o da felicidade”.

Cada ser humano com seu ponto de vista resume o que pensa e o que acha a respeito da vida. Cada um é feliz ao seu modo, à sua maneira. Eu acredito que a felicidade é algo que se busca dentro de si. Às vezes ela vem como um orgasmo: intenso, porém curto, gostoso, porém passageiro.

Até hoje nunca encontrei nenhum livro que ensine alguém a ser feliz. Que fale sobre felicidade, sim. Para ser feliz só depende de nós mesmos, mas se para alguns ainda é difícil sentir tamanho sentimento, recomendo “o jogo do contente”. Pode dar certo.