segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Os dois ladrões



Por Antonio Torres





O primeiro era apenas um Zé, ou Zé Preto, O Zé do velho Loló, chamava de “Papai Lolô”, embora não fosse seu filho. Nunca se soube quem foram os seus pais, nem se chegou a conhecê-los. Corria a lenda de que aquele Zé havia sido encontrado numa porteira, dentro de um cesto. Outro mistério envolvia o seu achamento: largado nu e solitário, ele no entanto sorria. Como se fosse a criança mais feliz deste mundo.


A bem da verdade, eu ainda não havia nascido quando isso aconteceu, se é que essa história não foi pura imaginação de um povo que vivia inventando histórias para espantar o medo da noite ou para não perder o juízo. O certo é que, quando me dei por gente, Zé Preto já era um meninão grande, forte e risão. Nós, os garotos menores meus primos e eu vivíamos brincando com ele. Aquelas coisas da roça: bater perna pelos pastos, caçar passarinhos, pegar canário, armar arapuca para codorna, pescar no riacho, subir em pé de umbuzeiro, espetar tanajura. E foi assim que o conheci: já o Zé de Papai Lolô e Mamãe Adelaide, que vinham a ser os meus avós, paternos. Logo, ele era como se fosse meu tio. Meu tio preto.


E assim ele cresceu: trabalhando a terra na enxada e no arado, cuidando do gado, fazendo os mandados. Até tornar-se o carreiro de bois, a transportar sacos de feijão e de milho, carradas de areia e de madeira (e gente também) pra todo lado. E como aquele carro de bois cantava nas estradas! A meninada adorava pegar uma carona nele. Não, Zé Preto não era apenas um agregado do meu avô. Era um amigo.


Um dia fez-se a desgraça. Alguém das vizinhas deu falta de uma galinha e cismou que o Zé a havia roubado. Alvoroço no povoado. Soldados no seu encalço. Zé foi apanhado na roça em que sempre esteve e levado aos empurrões e pontapés para a delegacia, onde um sargentão truculento o aguardava com uma palmatória que devia pesar um bom meio quilo.


“Confessa negro” o interrogatório do sargento era feito ao som das palmadas, que se alternavam de u’a mão à outra. E as mãos do Zé iam engordando, inchando, estourando. E ele, os olhos se esbugalhando, jurava por tudo quanto era santo que não havia roubado galinha nenhuma. E quanto mais negava, mais apanhava. Tome soco, chute, bordoada. Quando meu avô chegou para tentar libertá-lo, encontrou-o desmaiado. Zé morreu um ano depois. Jamais se soube se das pancadas ou de desgosto. Ou das duas.


O outro era ladrão mesmo. Roubava gado. Chamava-se Dominguinhos, filho do velho Domingos, um fazendeiro endinheirado. Nunca foi apanhado. Quando as denúncias começaram, ele caiu no mundo o maravilhoso mundo da impunidade. E esta é apenas mais uma história de ladrões cuja moral já se tornou clássica.







domingo, 25 de outubro de 2009

Entrevista de Aleilton Fonseca ao Leituras - Tevê Senado



Entrevista do escritor baiano Aleilton Fonseca ao programa "Leituras", da Tv Senado, sob a batuta do também escritor e jornalista Maurício Melo Júnior, o qual tive a honra de dividir uma coletânea de contos alagoanos na bienal de Maceió, em 2007,pela Editora Bagaço, e que pode ser encontrado em todos os aeroportos do país, com o nome O CONTO DE ALAGOAS e custa trinta reais o exemplar, uma pechincha. O curioso é que Maurício e eu não somos alagoanos. Maurício é de Pernambuco e eu tenho um pé no Pelô.

O livro do Aleilton Fonseca chama-se "O Pêndulo de Euclides" e, além de ser mais uma boa oportunidade de se mergulhar nas águas do Açude de Cocorobó e de se pescar às margens do Vaza-Barris, é uma boa opção de presente de fim de ano.

Se você é daqueles ou daquelas acostumados (das) a dar disco de Roberto Carlos de presente de Natal, já viu que o Rei não está com nada. Há mais de dez anos que vem se repetindo, sem criar nada de novo. Então prove que é inteligente virando o lado do disco e aproveite para provocar Mário Quintana na sua afirmação de que o pior analfabeto é o que sabe ler e não lê: dê livro de presente e faça um analfabeto sair dessa triste estatística quintaniana.










sábado, 24 de outubro de 2009

Quem Nasceu Primeiro: a Preguiça ou o Poetrix?






Um druida baiano, a despeito carioca em chamar seu povo de preguiçoso, colocou algumas palavras dispersas no seu caldeirão de fazer porções mágicas, adicionou duas pitadas de princípios milenares, fracionou em três partes desiguais de frases desconexas as quais chamou de “versos”, e quando o caldeirão fervilhou em espumas encantadas de palavras, entornou o caldo sobre a alvura indócil da criação e a isso chamou de POETRIX.


Mais tarde, um grupo de notáveis, o mesmo que luta para incluir os gêneros textuais tipo bula de remédio, receita de bolo e manual de eletrodoméstico como gênero literário, chamou a invenção do druida baiano de “Literatura Pós-Moderna Caymminiana Internética”, em honra e glória ao poeta baiano mais preguiçoso que a História já produziu. A eminente vassalagem mirou no que viu e acertou no que não viu: o poeta do mar era dotado de uma sapiente preguiça física, mas de privilegiado dom poético, à medida que a invenção literária do milenar druida baiano é um doce estimulante para a preguiça mental.


Que me perdoem os monteirolobatoanos pela desairosa comparação, mas, tal qual o Jeca Tatu, os poetas adeptos do poetrix nada mais são do que intelectuais em busca da “Lei do Menor Esforço Mental”.



A PELEJA DO POETA CANTADOR COM O POETA POETRIX



(poeta cantador)....... Estes meus cantados versos

Levei tempo para escrever

Enquanto o poeta poetrix

Vive a seu bel-prazer,

Fazendo versos encurtados

Que não podem ser cantados

Nem tampouco declamados

Ou faça o povo entender!


(poeta poetrix).......... Com fome

Não escrevo nada

Depois que como... dá uma preguiiiiiiiiiça!


(poeta cantador)....... Vejam agora meus senhores

Se não tenho plena razão

Nesta peleja de poetas

Quem encanta o coração

O poetrix nada fala

Se articula, logo cala

Feito nota sem escala

Feito pássaro sem canção.


(poeta poetrix).......... O Ivo

Viu a uva

O cacófato, viu uivo.


(poeta cantador)....... Nestes termos eu não posso

Com este moço pelejar

Seus versos são impossíveis

De na viola dedilhar

Poetrix é a poesia

Para quem dorme de dia

Passa a noite em letargia

Leva a vida a engabelar.


(poeta poetrix).......... O ovo

Para ficar em pé novamente

É preciso descobrir outra América.


O poeta cantador, irritado com os subterfúgios do poeta poetrix, quebrou a viola na cabeça do mesmo. O poeta poetrix levou uma injeção de vento no cérebro e voltou à ativa; o poeta cantador, com a viola quebrada, foi banido do cibermundo.



sexta-feira, 23 de outubro de 2009

GAFES HISTÓRICAS




Estava tresvariando no sofá, televisão ligada no programa de Ana Maria Braga, quando algo me chamou a atenção: o Museu do Descobrimento do Brasil, na cidade de Belmonte, Portugal. Coisa do primeiro mundo, um museu totalmente interativo, porém com um gritante erro histórico: o índio que recebeu Cabral usava roupa de tecido industrializado e o seu arco e sua flecha eram um primor de acabamento.

Isso me fez lembrar o filme Hans Staden, também ambientado à época do Descobrimento: além de apresentarem o terrível Cunhambebe como um biriteiro mulherengo, as canoas indígenas eram totalmente trabalhadas no torno: a madeirama toda lisinha não lembrava nem um pouquinho que havia sido talhada a golpe de pedras.

Coisa mais recente, no entrocamento da AL-101 com a cidade histórica de Marechal Deodoro e a paradisíaca Praia do Francês, o prefeito resolveu erguer um painel em tamanho natural representando o dia que Marechal Deodoro tirou o chapéu e gritou “Viva a República.” O tal painel foi feito em segredo, coberto por tapumes. No dia da inauguração, o prefeito, orgulhoso e sorridente, pôs abaixo os tapumes sob aplausos e hurras. Eis que o grito de um gaiato saído da multidão pôs limão no sorriso do prefeito e seus puxa-sacos:

- Mas esse aí é Dom Pedro no Grito do Ipiranga!

Na cidade de União dos Palmares, ao pé do Quilombo dos Palmares, houve uma encenação da era Zumbi e outro gaiato também atrapalhou o brilho da diretora do Grupo Escolar Jorge de Lima, cujo episódio hilário foi assim narrado por esse escriba, no livro de poesias “Ilusões Desnudas”:

VALEU, ZUMBI, VALEU!

Na cidade palmarina onde viceja
Ao pé do morro do famoso quilombo
Uma escola pública cujo nome enseja
A alta estirpe da poesia alagoana,
Reviveu Zumbi e sua cruenta peleja
Em luta desigual da sorte tirana.

Toda a escola de motivos se enfeitou
Para a tão esperada apresentação de gala
A plateia espremida aos tapas disputou
Um lugar à frente, de visão privilegiada.

Uma tribuna de honra foi construída
Para o governador e seus honoráveis convidados:
Ilustres deputados, secretários diapsidas,
Representantes do Ilê Ayiê e Filhos de Gandhi.
A maioria composta de adeptos da cabala
Senhores de engenho e da casa grande
Onde se agregam suas infectas senzalas.

Silêncio! Hora do espetáculo.
Meninos dançarinos ocupam o palco.
Negrinhos raquíticos, visivelmente esfomeados
(não havia merenda por ser feriado).
Os tambores rufam, os bailarinos param estáticos
Entra o rei Zumbi montando um puro-sangue.
Imponente em seus trajes majestáticos
Empunhando um cetro em seu cabo adornado
De madrepérolas e de folha-de-flandres.

– Esperem! Que Zumbi é este?
Gritou uma voz na multidão silenciada
Veemente protesto para a versão apresentada:
Um Zumbi loiro, olhos azuis, tez meritória
Da alvura do leite e de preto pintada.
– Acaso zomba de nós a diretora
Ou, ignara, não conhece a história?


A nobre diretora fez jus à sua competência,
Pois também era a diretora da peça encenada,
Do alto de sua insigne condescendência
Olhou com espanto a criatura alvoroçada,
E respondeu com a mais divina sapiência
De quem entende de reis e de monarcas:


– Ora, data venia ilustre senhor da inconformidade,
Esse garoto que ora Zumbi encarna
Vem da mais alta linhagem de bailarinos;
Além de ser o mais robusto abade,
É o único dentre todos os meninos
Que tem jeito e postura de um rei de verdade.