sábado, 1 de maio de 2010

Cláudio Canuto, o amigo de fé

De Cláudio Canuto



Acordou cedo, levantou-se da cama, foi ao banheiro, deitou-se no sofá da sala e entrou em sono profundo, esquecido, talvez, que tínhamos um encontro marcado.

Uma semana antes passara aqui em casa com uma fotografia para colocar no blog. Propunha-se a ser colaborar efetivo, tal qual o Cineas Santos e Antonio Torres. Aproveitou para filar a bóia do almoço e ainda passamos um pedaço da tarde conversando amenidades e fazendo planos literários para o futuro. Estava feliz porque seu penúltimo artigo “Democracia em farrapos, almas arruinadas” (sua primeira publicação neste blog) estava fazendo sucesso em sala de aula, levado pelo Professor de Direito Marcílio Barenco, que nas horas vagas é o temível (pelos meliantes) Delegado Barenco, o Diretor Geral da Polícia Civil das Alagoas. Aproveitou o descanso do almoço para concluir seu texto “Prometeu” e em seguida publicamos no blog.

Conheci-o em meados de 1995, quando ele retornou do doutorado na França e veio a ser meu vizinho. E, de vizinhos a amigos foi um passo. Depois viramos companheiros de farra, de saraus literários e de confissões confidenciais. Era um irmão achado no meio desse povo arredio das Alagoas. Alegre, cordial, companheiro em qualquer situação, jamais esquentou a cabeça com alguma coisa, nem mesmo com a doença que carimbou seu passaporte eterno: a hepatite. Era duma simplicidade ímpar, e assim resumiu sua desdita no nosso último encontro:

- A hepatite levou vinte anos para danificar trinta por cento do meu fígado. Continuando nesse ritmo, devo viver mais uns trinta anos sem preocupação.

Fiquei impressionado com a singeleza quase inocente da sua lógica, mas como não sou médico nem Deus, não ousei contestar. Falar o contrário seria tecer maldades. Seu apego à vida era evidente. Fazia planos para o futuro como um adolescente a sonhar. Levou três livros emprestados da trilogia de Antonio Torres para escrever um artigo, com a promessa de devolvê-los em quinze dias.

No dia que Vinícius, meu filho, estava programado para nascer, ele passou o dia comigo na maternidade e só arredou pé quando pôde pegar o rebento nos braços. Quando fui ao Cartório providenciar a Certidão de Nascimento, ele me acompanhou para assinar como testemunha. Ele o viu nascer, portanto, era testemunha de fé.

Nos últimos tempos se refugiou na tranquilidade da praia de Riacho Doce, aquele mesmo vilarejo do livro de José Lins do Rego. E foi de lá que ele partiu, na manhã de quarta-feira, 28 de abril, sem nos dizer adeus, deixando o vazio e a frustração de uma obra inacabada.

Boa viagem, velho camarada!




sexta-feira, 30 de abril de 2010

Oficina de Contos




O Oficina Literária (Contos) visa a boa formação sobre a literatura brasileira e estrangeira – especialmente sobre os nossos contistas – e os seus principais representantes.


Cabe ao orientador elaborar guias de leitura, gerais e específicos (de acordo com a vocação literária de cada oficinando), além de sugerir exercícios temáticos para o desenvolvimento da criação da narrativa curta e do texto de cada um.


Aos oficinandos cabe a feitura de um texto em prosa (conto, projeto de conto, desenvolvimento de uma idéia) a cada semana, a partir de tema livre ou sugerido pelo coordenador, para leitura, discussão e comentários em grupo.


Público alvo:


Escritores iniciantes, candidatos a escritores e interessados na prática literária.


Duração:


O tempo ideal de duração para a Oficina é, na primeira fase, de três meses, com encontros semanais de 2 horas. Havendo interesse do grupo, pode-se realizar, em seguida, a segunda fase da Oficina (avançada), de igual período de duração, mas com prática e currículo diferenciados.


Mini-currículo (Luís Pimentel)


Luís Pimentel é jornalista e escritor. Ministrou oficinas de contos na Estação das Letras, no Armazém Digital, no Centro Cultural da Light e em feiras de literatura. É autor de mais de 20 livros, entre eles os volumes de contos Um cometa cravado em tua coxa (Record) e Grande homem mais ou menos (Bertrand Brasil), vencedor do Prêmio Nacional Cruz e Souza.


Valor:

R$180,00 por mês


Desconto de 10% para pagamentos efetuados até uma semana antes do início do curso, à vista, em espécie, cheque ou cartão de débito.


Onde acontece: Espaço Telezoom (Rua General Dionisio, 11, Botafogo - Rio de Janeiro - RJ) www.telezoom.com.br.








terça-feira, 27 de abril de 2010

Pérolas de Bernard Shaw - Antonio Torres

Por Antonio Torres

De Bernard Shaw


Foram extraídas do Pequeno breviário shawiano, publicado como apêndice do seu Socialismo para milionários. Brevemente: o irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), famoso autor de Pigmalião — peça mundialmente conhecida pela adaptação musical como My fair lady —, “foi uma das personalidades mais originais e mais poderosas de sua época”, no dizer de Paulo Rónai, que traduziu e prefaciou os textos dele mencionados acima. Agora, divirta-se:

Governo – “Somos governados por uma administração pública que possui poder tão enorme a ponto de seus regulamentos tomarem o lugar das leis, embora muitos deles sejam feitos apenas no interesse dos funcionários, sem a menor consideração pelos interesses e até pelos direitos do público.”
Justiça – “Quando um homem quer matar um tigre, chama isso de ‘esporte’. Quando o tigre quer matá-lo, o homem dá a isto o nome de ‘ferocidade’. A distinção entre crime e justiça não é menor.”

Progresso – “A idéia de que houve qualquer progresso desde a época de César (menos de 20 séculos) é absurda demais para entrarem discussão. Toda a selvajaria, a barbárie, o obscurantismo e todo o resto de que nós guardamos lembrança, no passado, existe no presente momento.”

Felicidade – “Uma vida inteira de felicidade? Ninguém agüentaria: seria o inferno na Terra.”
Infelicidade – “Há duas tragédias na vida: uma, a de não alcançarmos o que o nosso coração deseja; a outra, de alcançá-lo.”

Escravidão – “A escravidão atingiu o seu ponto culminante em nossa época sob forma de trabalho livremente assalariado.”

Boa sociedade – “Em nossos dias, homem de boa sociedade é quem tem bastante dinheiro para fazer o que fariam todos os tolos se pudessem, quer dizer, consumir sem produzir.”

Burguesia – “Um homem moderadamente honesto com uma esposa moderadamente fiel, sendo ambos bebedores moderados numa casa moderadamente saudável, eis o verdadeiro tipo da classe burguesa.”

Casamento – “O casamento é popular por combinar o máximo de tentações com o máximo de oportunidades.”

Civilização – “A civilização é urna doença devida à prática de construir sociedades com materiais podres.”

Humanidade – “Nas artes da vida o homem nada inventa; nas da morte, porém, ultrapassa a própria natureza e produz por meios químicos - e mecânicos - toda espécie de peste, fome e outros flagelos.”

Lar – “O lar é a prisão da moça e o hospício da mulher.”

Tem mais para o seu divertimento. É só pesquisar.

domingo, 25 de abril de 2010

A Trajetória do "Menino"

Por Cineas Santos

De O menino que descobriu as palavras



De O menino que descobriu as palavras 2



Numa dessas tardes de outubro que transformam Teresina numa cidade quase insuportável, no Instituto Dom Barreto, fui procurado pela profa. Bernadete Farias. Queria uma sugestão: como trabalhar rimas com crianças recém-alfabetizadas. Indiquei-lhe alguns poemas de Bandeira, Cecília e Quintana, poetas capazes de sensibilizar crianças de todas as idades, até mesmo aquelas que, como eu, já nem se lembram que, um dia, foram crianças. Nisso, aparece o prof. Marcílio Rangel que, sem ser consultado, resolveu apresentar sua sugestão: “Trabalhar rimas com crianças é muito fácil. Basta dizer: bom-dia/ como foi seu dia/comendo melancia...” Não me contive: Que diabo é isso, dom Marcílio? Está parecendo coisa do Zé Limeira! Com a delicadeza que o caracterizava, desafiou-me: “Se você não gostou, faça algo melhor”. Mesmo sabendo tratar-se de uma brincadeira, saí do colégio com o firme propósito de fazer algo aceitável. A primeira ideia era escrever um cordelzinho lírico, numa linguagem acessível. Mal iniciei a empreitada, me dei conta de que, para uma criança pequena, as rimas alternadas nas estrofes de seis versos não seriam facilmente perceptíveis. Optei por rimas paralelas em estrofes de dois versos apenas. Escrevi versos de sete sílabas (heptassílabos), musicais e muito comuns no cancioneiro popular. Narrei a história de um menino que, bem pequeno, descobre, maravilhado, a beleza e a magia das palavras. Nascia ali O Menino que descobriu as palavras, poeminha despretensioso, com finalidade puramente didática.

Um dia, Gabriel Archanjo, meu irmão querido, viu o texto e, por sua conta e risco, resolveu ilustrá-lo. Quando me mostrou o resultado, quase não acreditei: o texto ganhara vida, cor, beleza e magia. Estava tudo tão bem resolvido que parecia ter sido concebido e realizado uma única pessoa. Entusiasmado, fui procurar o Marcílio com o projeto na mão. Provinciano, com os pés e os olhos em minha aldeia, sugeri-lhe uma pequena edição destinada aos alunos do Dom Barreto. Marcílio não se conteve: “Que Dom Barreto que nada. Vamos fazer uma edição nacional!”. E, sem me dar tempo para pensar, mandou providenciar duas passagens para São Paulo. Com o projeto debaixo do braço, bati à porta da Editora Ática que, sem alterar uma vírgula, editou o livrinho. O mais é sabido: a primeira edição do Menino já vendeu 44 mil exemplares. Você não leu errado. É isso mesmo: quarenta e quatro mil exemplares. No ano passado, eu e meu irmão decidimos dar um banho de cor na nossa cria. O resultado não poderia ter ficado melhor: o Menino, mais alegre e mais colorido, já está nas livrarias em edição caprichadíssima. Para quem teve origem tão modesta, esse moleque já chegou muito longe. E, pelo ar compenetrado, não parece satisfeito: quer conquistar novos amiguinhos.

Assim seja!


sábado, 24 de abril de 2010

Abre Alas para a Poesia do Pós Marginal

Hoje o blog abre alas para a poesia dos amigos Salgado Maranhão e Tanussi Cardoso, na belíssima entrevista de ontem à noite na Globo News. Abaixo, texto de apresentação no site da Globo News:

“Salgado Maranhão e Tanussi Cardoso surgiram no final dos anos 70, mas logo se destacaram de outros poetas da chamada “geração marginal”, ao mesclarem a linguagem coloquial tão comum à época com elementos da rica tradição poética brasileira.

Salgado está lançando sua obra completa com o livro "A cor da palavra" e Tanussi reúne na coleção "50 poemas escolhidos pelo autor", alguns de seus melhores textos. Os dois são os entrevistados do Espaço Aberto Literatura desta semana.”






quinta-feira, 22 de abril de 2010

Entre os deuses, o mais nobre - Cláudio Canuto

“Eu odeio todos os deuses;
eles são meus subordinados e
deles sofro um tratamento iníquo”.

Ésquilo, em Prometeu Acorrentado.

Por Cláudio Canuto


De Prometeu Acorrentado



Cada cultura, cada povo e cada época abraçam o deus que lhes convêm. Dificilmente encontra uma resposta efetiva. O nosso Deus católico é considerado onipresente, isto é, assim, como está em todos os lugares, paradoxalmente não está em lugar nenhum. Conscientemente não se conhece nenhuma intervenção divina sobre a maneira como devemos nos comportar e seus mandamentos são sucessivamente violados sem que ele tome qualquer providência, e o livre arbítrio é apenas uma justificativa para o fato de que ele nos deixou entregues ao nosso próprio destino.

Falsos profetas abundavam em uma época em que o Messias era esperado com fervor. Quando os autoproclamados filhos de Deus não tinham uma retórica convincente ou de alguma forma não convenciam a população da sinceridade de seus propósitos e da legitimidade de seus poderes que os vinculava ao Deus-Pai, eram impiedosamente apedrejados. Jesus Cristo, não. Agrupou um monte de aliados e enfrentou com galhardia toda a opressão do Império Romano, até finalmente ser esmagado, tendo o mesmo destino dos falsos profetas de outrora: humilhado, arrastado pelas ruas a chicotadas e finalmente sofrendo o doloroso martírio da cruz, onde supostamente questionara se seu próprio pai o abandonara.

Cristo levantou problemas superiores à sua capacidade de resolução. Foi um revolucionário que com um exército de maltrapilhos e movido praticamente apenas por uma retórica exemplar, ousou enfrentar um Império impiedoso, politeísta e antropomórfico. Ironicamente, este Império fundou uma concepção religiosa baseada nos princípios daquele que humilhara. O Imperador Augusto, deus dos deuses, inicia enfim o período cristão, iniciando o monoteísmo apostólico.

Cristo é considerado pelos católicos como a única intervenção direta de Deus na Terra, se acreditamos que os argumentos em que se fundamentava eram realmente emanados de uma orientação celestial.

Depois disto, parece que o Celestial esqueceu-se – ou desapontou-se – com aquilo que havia criado e não mais atendeu a nenhuma solicitação a Ele direcionada, quer do ponto de vista coletivo, quer do ponto de vista individual. O mundo passou a ser organizado segundo os mais torpes defeitos humanos: ambição, inveja, luxúria, pedofilia, assassinatos, adultério, roubos, individualismo, desrespeito ao próximo etc., onde os 10 Mandamentos são sistematicamente violados, humilhados e desconsiderados.

Canalhas vão às missas freqüentemente, perdem perdão por seus pecados intencionais e voltam a pecar sem desfaçatez. O cristianismo é uma concepção religiosa alicerçada no martírio do seu principal porta-voz, é erigida na culpa da atitude pecaminosa original, onde todos devem pagar, expiando seus pecados.

Hoje, dividida internamente, dilacerada em grupelhos, alguns com atividades claramente criminosas, usando o nome divino em vão, abusando da irresistível vocação ao transcendental inerente aos homens para enriquecimento individual, o catolicismo experimenta um declínio ascendente que o atual Papa Bento XVI só faz acentuar, distanciando a fé da realidade cotidiana, exigindo dos católicos um comportamento religioso absolutamente incompatível com a realidade das ruas, pois ele exige praticamente um retorno ao período mais sombrio da igreja.

Deus, manifesto pelo comportamento dos seus representantes eclesiásticos, foi por eles transfigurado. Talvez por desencanto, afastou-se deixando-nos abandonados ao comportamento selvagem e hostil do mundo dos negócios, do modo capitalista de produção. É um fenômeno que merece explicação: um grupo restrito de pessoas diz-se seu representante e uma multidão sem fim acredita sem restrições. Assim, esta dissociação indisfarçável entre a prática religiosa e os preceitos papais. Por isso, talvez, o abandono: os carneiros entregues à sanha dos lobos.

Bem este artigo seria para falar sobre Prometeu, a quem considero, dentre a mitologia (inclusive a cristã), o mais nobre dos deuses, o único que teve de fato uma preocupação com a frágil condição humana e por ela sofreu os mais horríveis martírios. Percebendo a obscuridade em que vivíamos e cônscio de seus poderes e de sua condição divina, voltou-se para os mortais. Éramos trevas, escuridão. Prometeu, em um inédito gesto de humildade, nos trouxe o fogo, a claridade, a luz. Por conta desta piedade para com os mortais, os outros deuses, impiedosos, amarraram-no a um precipício, condenando-o a ter seu fígado – que crescia incessantemente - comido por uma águia.

Porém isso é um outro assunto, mas só Deus sabe para quando.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Antonio Torres no Pajuçara Especial


Por ocasião da II Bienal do Livro de Maceió, em 2005, o escritor Antonio Torres deu uma das suas mais brilhantes entrevistas ao jornalista Ricardo Mota, no extinto programa Pajuçara Especial, da Tevê Pajuçara, à época, afiliada do SBT (hoje faz parte da Rede Record).

Em um bate-papo descontraído, entrevistador e entrevistado pareciam conversar à mesa de um boteco, falando de passado, de política, literatura e outros temas, sem cair na mesmice. A entrevista comove sem ser piegas.

São aproximadamente cinquenta minutos divididos em 5 partes, porque o Youtube só hospeda, no máximo, dez minutos de vídeo. Esta entrevista foi exibida quatro vezes, a pedido dos telespectadores alagoanos. Em conversa com Ricardo Mota, ele me disse:

- Tom, em quinze anos de programa nunca vi caso igual. São centenas de telefonemas, e-mails e cartas, pedindo pra reprisar.

Eis então que vos apresento essa antológica entrevista.









domingo, 18 de abril de 2010

Rubem Fonseca aos 80 - Antonio Torres



Do livro de crônicas "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres


De Rubem Fonseca 1



Meninos, consegui realizar uma proeza, certamente almejada por muitos de vocês: entrevistar Rubem Fonseca. Foi uma entrevista-relâmpago, é verdade. E o pior, digo, o melhor, é que demos muitas risadas e acabei esquecendo o que era mesmo que eu queria lhe perguntar. Coisas assim: "Sabeis vós que sois o escritor que mais influência exerce sobre os jovens que estão se iniciando na literatura? Isso vos causa algum incômodo ou é um presente para os vossos oitenta anos? Tendes algum conselho para a rapeize? Como vedes o mundo, depois da queda do Muro de Berlim, o que aliás presenciastes, in loco?"

Não dá para ser pomposo, ou grave, ou pedante com o Rubem Nosso Bem, como o chamamos aqui em casa. Ele não faz o gênero sabichão, sempre a tirar da cartola uma declaração prêt-à-porter, que vá influir nos destinos da humanidade. Quem quiser saber qual é a sua visão desse nosso tempo que leia os seus livros e pronto. A mim, o que mais impressiona em Rubem Fonseca é a poda que ele faz na "última flor do Lácio," extirpando-lhe os caules vocabulares de seus barrocos galhos lusitanos que impregnaram a retórica dos escribas-comendadores. Mas, se um dia me pedirem para apontar apenas uma de suas virtudes, diria, na bucha: "É um homem que sabe rir." Quando lhe perguntei como estava se sentindo ao fazer 80 anos, ele respondeu, ágil como sempre foi: "O segredo é não ligar para isso. Dane-se a idade. Veja o exemplo do Oscar Niemeyer, que já passou dos 90, e está aí, inteirão." Ele também.

Só o vi fora de forma uma vez. Foi em Santiago de Cuba, quando participamos do júri do Prêmio Casa de las Américas, em 1983. Zé Rubem apareceu à mesa do café da manhã de farol baixo, e cheio de olheiras. "Que aconteceu, homem?"

Então soubemos. Um casal, em sua noite de núpcias, hospedara-se numa cabana parede a parede com a dele, fazendo-o perder o sono.

Imaginem o constrangimento de quem teve que ouvir, pela madrugada afora, uma nubente a uivar, sem surdina: "No, no, papito... Si, si, papito... No, no, papito..."

Ele contou isso transformando o seu drama em comédia. Impagável Rubem Fonseca: saúde, sucesso e... risadas! Rir não é o melhor remédio?



sábado, 17 de abril de 2010

Crônica Hélio Leite - Luiz Andrioli

Como a crônica do Luiz Andrioli se refere a uma pichação e, sem a imagem ficaria capenga, publico o vídeo do seu programa, principalmente porque o homenageado é personagem central de um livro seu sobre o circo, o qual estou lendo e recomendo a todos. Mas não fiquem viciados não porque o objetivo do blog é a leitura e não a imagem.

O Papagaio

José Carlos Bahiana Machado Filho

De Papagaio


Ao referir-se às entradas e bandeiras nestes sertões brasílicos, vem a tona a lembrança dos paulistas que desbravavam nossas matas e exterminavam as nações indígenas. Porém, os primeiros bandeirantes foram baianos e já realizavam expedições bem anteriormente, partindo da Cidade da Baía (Salvador) em direção ao Rio São Francisco, conhecida região dos Tapuia (denominação que os falantes do tupi davam a todos aqueles que não pertenciam à sua etnia nem falavam sua língua). Thomé de Souza foi um dos incentivadores da “caça ao índio” e oferecia imensas quantidades de terra àqueles que o fizessem. Francisco d’Ávila, proprietário da maior sesmaria em território baiano, foi responsável por sangrentos massacres. Nações "jê" desapareceram. Assim foi com os Paiaiá, primeiros habitantes da região entre os Rios Paraguaçu e Itapicuru – região onde atualmente se situa o Junco. Essa nação foi completamente exterminada logo nos primórdios do Brasil.

Num desses ataques, numa batalha atroz, alguns conseguiram fugir para o mato – não se sabe se conseguiram sobreviver e hoje pertencem àqueles grupos ressurgidos, antes dispersos, cujos membros viveram longos anos do trabalho semi-escravo nas lavouras dos senhores do sertão.

Triste história a dos Paiaiá, que alguns historiadores dizem ser os mesmos Marakaiá, povo guerreiro falante de um idioma do grupo macro-jê, do qual não se tem registro.

Conta-se que apenas um papagaio restou numa das aldeias como sobrevivente à extinção de toda essa nação. Ficara só, único naquelas paragens a repetir frases no idioma dos Paiaiá, desaparecidos, como último representante de uma nação dizimada pelos bandeirantes baianos.

Pousada sobre as ruínas daquela aldeia extinta, solitária e triste, a fiel ave cortava o silêncio daquelas lonjuras solitárias, monologando um idílio, naquela linguagem que ninguém mais compreendia. Era um fantasma diante do qual céleres com suas famílias, vindos do norte, também fugindo do extermínio, passavam os Kiriri, novos povoadores da região.


Extraído do livro "Arraial do Junco: Crônica de sua existência", desse escriba que vos fala.