segunda-feira, 2 de março de 2015

Dessas coisas que a gente só vê no interior:

A mocinha entrou na bodega e pediu:

- Você me dá uma água mineral?
- Com gás ou sem gás?
- Pode ser com gás, mas bote só um pouquinho, tá?

Um ser imortal

Nas gravações do documentário "Antonio, o menino que queria ser Castro Alves", a moça perguntou:

- Dona Durvalice, seu filho Antonio deu muito trabalho quando era menino?
- Que nada, minha filha! Filho nenhum me deu trabalho. Peraí... só esse moleque aqui que não tomava jeito!

O "só esse moleque aqui" que ela se referia, era eu, em pessoa. É no que dá ser imorrivel em vez de imortal.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Cineas Santos - O golpe do primo

            Domingo, por volta das dez  horas, o telefone tocou. Atendi.
            - Oi, primo, ainda se lembra de mim?
            O golpe é antigo, mas como a ligação não era a cobrar, resolvi prosear um pouco com aquele “primo” distante.
            - Com quem falo?
            - Esqueceu de mim, primo? Teu primo de Brasília...
            -Não me diga que é o Anacleto!
            - Ele mesmo, primo. Olha, estou com um probleminha...
            - Anacleto, eu precisava muito falar contigo, mas o celular caiu no vaso sanitário da rodoviária e...
            - Primo, tô precisando...
            - Anacleto, deixa eu te contar: lembra da tia Emerenciana, aquela carola solteirona?
            - Claro, primo!
            - Pois é: desencarnou. Morta por um trombadinha na porta da igreja.
            - Que coisa, mas primo...
            - Anacleto, como você sabe, ela não tinha filhos. Os herdeiros são, portanto, eu, você, o Atanásio  e a Gildety. O Atanásio está preso, a Gildety  caiu na vida, coube a mim cuidar do inventário.
            - A velhota tinha alguma coisa?
            - Uma casinha no Monte Verde e dois terrenos invadidos na Favela do Arame. Grana mesmo, mal deu para o enterro.
            - Mas primo, como te disse, tô com um problema...
            - Anacleto, deixa eu terminar. Preciso de alguns documentos teus: identidade, CPF, atestado de residência e uma procuração, coisa simples.
            - Primo, no momento, estou...
            - Anacleto, como você sabe tem umas despesinhas para serem rateadas entre nós. O Atanásio tá nas grades; a Gildety, na zona, então sobramos nós dois. Cada um de nós vai entrar com  dois mil reais. Anota aí o número da minha conta. Deposita isso o mais rápido possível, que o processo está parado.
            Silêncio de noite dormindo...
     - Anacleto, tá me ouvindo?!
            O primo desligou. O Anacleto sempre foi assim:  meio desligado...

sábado, 10 de janeiro de 2015

Tempo da Velhice

Segundo Maricas Coxeba, no dia 21 próximo fico a um ponto para gozar do estatuto do idoso. Segundo a minha mãe, a escrivã da minha terra dormiu no ponto, se embebedou com água de pote, e me fez nascer um mês antes. Mas, pelo sim, pelo não, mereço uma poesia a mim mesmo, nenão? Sem falar que depois dos sessenta, além de não pagar transporte urbano, agora também tem cinema de graça. Obááá! Mas, antes de desdenhar da minha idade, lembre-se que o que vale é a idade mental. E nessa, a minha mãe ainda diz: "Meu filho, vê se cresce!"

TEMPO DA VELHICE

Já se falou bastante
Sobre coisas e sobre tudo.
Contudo não se disse tudo
A respeito do Tempo
E da Velhice
Que é o Tempo relativo
E reina absoluto sobre as coisas.

O novo d’agora
É o maduro de mais tarde,
E o senil de amanhã,
Não importando as quantas
Ande o Tempo
(se para frente ou para trás
para esquerda ou direita
para cima ou para baixo)
pois já nascemos velhos.

Um velho elefante africano
De porte físico invejável,
Acorrentado no gran-circo
Inveja a sorte juvenil
Do frágil mosquito
Pousado na tartaruga.

Por sua vez, o mosquito,
(que morrerá de velhice
na semana seguinte),
Ao picar a tartaruga
Em seu pescoço centenário
Sugará o sangue
De uma adolescente.

Que sabe do Tempo o colibri
Na sua conversa com as flores?
E a Rainha Assassina,
Envolta em geléia real,
Dirá ao inditoso Zangão,
Que ele não conhecerá a velhice?

O Tempo da Velhice
Ganha forma em sua plenitude
Quando levamos nossos filhos
Para dar pipoca aos macacos
E eles, inocentes, dizem:
“Painho, o meu sapato apertou!”

Por trás desta inofensiva sentença
Resolvida em uma sapataria,
Manifesta-se a retórica do Tempo
Apertando os invisíveis calos
Da nossa velhice latente.

domingo, 4 de janeiro de 2015

A musa proibida



Vieste pisando macia em pegadas sutis
O meu colo envolveste para meus beijos roubar
Cantaste suaves acalantos para a noite seduzir
E vestir o céu o seu mais áureo luar.

Musa dos meus dezoito anos, assim te fiz em seguida.
Da aurora utópica entre o sagrado e o mundano
Ao léu das dores que consomem a nossa vida
Fizeste do meu coração o teu poeta profano
Para depois tornar-te minha musa proibida.

E hoje, mais do que nunca proibida estás
Como a maçã que expulsou Eva do Paraíso
Nem mais teus anseios me permitem afagar
E devolver à tua boca o teu cálido sorriso.

É como pintar o teu rosto em contornos coloridos
Sem tua hierática face ao mundo revelar
Nem esculpir a profundeza do teu âmago ferido
Pela lanceta contundente do querer amar.

Ou escrever-te  a mais lírica poesia
Sem poder o coração chamar-te de amor meu.
Meu bem-querer que mal nenhum me querias
E quanto bem-querer te quero eu!

Impedido estou de revelar-me por inteiro
Logo eu, o teu mais real e sincero poeta!
E desnudar-te no afã dos delírios passageiros
Dos longos sussurros das nossas almas em festa!

Assim, ó musa proibida, inspiração reluzente
Do meu divagar lascivo e devaneios em chamas,
Abrevio este poema de versos ardentes
Porque não posso abreviar esta dor insana
Da dilacerante presença da tua saudade latente.