Domingo, por
volta das dez horas, o telefone tocou. Atendi.
- Oi, primo,
ainda se lembra de mim?
O golpe é
antigo, mas como a ligação não era a cobrar, resolvi prosear um pouco com
aquele “primo” distante.
- Com quem
falo?
- Esqueceu
de mim, primo? Teu primo de Brasília...
-Não me diga
que é o Anacleto!
- Ele mesmo,
primo. Olha, estou com um probleminha...
- Anacleto,
eu precisava muito falar contigo, mas o celular caiu no vaso sanitário da
rodoviária e...
- Primo, tô
precisando...
- Anacleto,
deixa eu te contar: lembra da tia Emerenciana, aquela carola solteirona?
- Claro,
primo!
- Pois é:
desencarnou. Morta por um trombadinha na porta da igreja.
- Que coisa,
mas primo...
- Anacleto, como
você sabe, ela não tinha filhos. Os herdeiros são, portanto, eu, você, o
Atanásio e a Gildety. O Atanásio está
preso, a Gildety caiu na vida, coube a
mim cuidar do inventário.
- A velhota
tinha alguma coisa?
- Uma
casinha no Monte Verde e dois terrenos invadidos na Favela do Arame. Grana
mesmo, mal deu para o enterro.
- Mas primo,
como te disse, tô com um problema...
- Anacleto,
deixa eu terminar. Preciso de alguns documentos teus: identidade, CPF, atestado
de residência e uma procuração, coisa simples.
- Primo, no
momento, estou...
- Anacleto, como
você sabe tem umas despesinhas para serem rateadas entre nós. O Atanásio tá nas
grades; a Gildety, na zona, então sobramos nós dois. Cada um de nós vai entrar
com dois mil reais. Anota aí o número da
minha conta. Deposita isso o mais rápido possível, que o processo está parado.
Silêncio de
noite dormindo...
- Anacleto, tá me ouvindo?!
O primo
desligou. O Anacleto sempre foi assim: meio desligado...
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