sexta-feira, 22 de maio de 2009

AS EPÍSTOLAS

 A palestra do jornalista e escritor Luiz Gutemberg na terceira bienal alagoana do livro, em 2007, versou sobre literatura e jornalismo, ou seja, quando o primeiro cumpre o papel do segundo. Nessa conferência cultural, ficamos sabendo que houve uma época em Maceió que as cartas anônimas faziam parte do cotidiano, destruindo casamentos e criando desafetos. Descobriu-se, depois, que tais cartas tinham uma única matriz, deduzindo-se, então, que tudo não passava de calúnia de algum invejoso. 
Ele explicou como se escrever carta anônima sem deixar má impressão. Em primeiro lugar o missivista tem que parecer solidário com o infortúnio do outro e não usar da grosseria nem fazer afirmações deliberadas. Deve se escrever assim: “Olha, acho que era sua mulher entrando no motel tal, hora tal, com um cidadão parecido com fulano”. Ou: “Acho que vi você e o seu marido saindo do motel. Não sabia que você tinha pintando o cabelo de loira.” Sempre nessa linha, sutil, deixando o estrago nas entrelinhas. Mas uma coisa é de fundamental importância: jamais se deve assinar uma carta anônima.
Com a globalização e o uso disseminado do correio eletrônico, será que ainda se usa carta anônima? Acho que não. A carta convencional perdeu-se nos meandros da inutilidade, mais por culpa da pressa do ser humano em obter notícias em tempo real, do que propriamente pela falta de assunto. Em segundos, milhões de cartas virtuais cruzam o ar em endereços criptografados e decodificados eletronicamente, sem o calor do manuseio humano nas centrais de triagens, do carteiro e, principalmente, do missivista.
As cartas eletrônicas, se ganham na velocidade, perdem na qualidade, pois, muitas vezes, escritas às pressas, as palavras são abreviadas, as mensagens são curtas, que mais lembram o telegrama de antigamente, aqueles em Código Morse, vistos em filmes de faroeste. Falando nisso, alguém ainda se lembra o que é um telegrama?
A carta, escrita à mão, tem uma inquestionável vantagem sobre a eletrônica: o cheiro. Por mais bacana que seja o chamado e-mail, por mais bem escrito que seja, não terá o cheiro nem o perfume usado naquele momento de devaneios da pessoa que escreve. Como se achar as impressões digitais em um e-mail? Como identificar as lindas caligrafias femininas, que levavam alguns homens a suspirar e a se apaixonar pela missivista? O maior inventor das fontes de editor de texto não conseguiu inventar uma fonte com a caligrafia feminina, pois, coisa que só Deus sabe o porquê, só a elas coube o feitiço e o encanto das letras (e de outras coisas também).
Cartas e telegramas faziam parte do currículo escolar e era obrigatório o seu estudo nas primeiras séries. Uma carta bem escrita, de imediato revelava o aluno para o mundo da Gramática, pois nela havia de tudo um pouco, desde as simples palavras e pronomes de tratamento, ao intricado jogo das orações subordinadas, reforma ortográfica e conjugações verbais. Havia cartas pessoais, cartas comerciais, cartas disso, cartas daquilo e as livrarias vendiam papel apropriado para carta, que não podia ser qualquer um nem escrita de vermelho ou verde, que se dizia ser “antididático”, para não se chamar diretamente o missivista de “grosso”. As editoras faturavam com a venda de livros com modelos de cartas comerciais, de amor, de amizade, modelos para pedir dinheiro a político e de se iniciar um amancebamento.
Havia os floreios, as letras requintadas, desenhadas, verdadeiras obras de arte. Você já imaginou Pero Vaz de Caminha enviando um e-mail para el-rey? D. Manuel, rei de Portugal de então, com o Tesouro Real atolado até o pescoço em dívidas, preocupado com a conta de telefone, com os vírus e spams, deletaria a mensagem e não teríamos testemunha documental do Descobrimento, nem o primeiro escrito de nossa Literatura.
Na adolescência recebi uma carta de uma namorada de Sergipe. O intróito: “Meu amor, você é o lenitivo do meu ser, o refrigério de minha alma.” Estanquei. Eu, com dezessete, ela, com dezesseis anos. Aquilo não era linguagem de adolescente. Mostrei a carta para o meu primo Paulo, que morava na mesma rua, em Alagoinhas. Ele também ficou sem saber o que era lenitivo, muito menos refrigério. “Ser”, ainda dava para decifrar. Paulo sugeriu: “Isso deve ser coisa desses livros de cartas de amor. A minha irmã tem um. Vamos lá dar uma olhada!” Fomos. Realmente ela havia copiado de um livro chamado “Como escrever cartas de amor”

"Que sacana! E agora, Paulo, o que é que faço?!"

"Peraí..." - pegou o livro, folheou, e respondeu - "Diga que a resposta está na página 105."

Nunca mais tive notícias da namorada. 
O escritor Antonio Torres enche o peito de orgulho quando, em suas palestras, diz que se descobriu escritor escrevendo cartas para o povo de sua terra, e que os pés-de-moleque, rosários de ouricuri e outras guloseimas foram seus melhores direitos autorais já pagos até hoje. Siga o exemplo desse insigne escritor e deixe aflorar o escritor que existe em você: escreva uma carta. Sempre haverá alguém querendo saber notícias suas, do seu povo, da sua terra. O correio convencional ainda é o meio mais seguro, mais rápido e mais barato para comunicação interpessoal. A Internet é pra quem tem tempo disponível, paciência de Jó e a grana de tio Patinhas.

Um comentário:

Mislene Lopes disse...

Fantástico!!!!realmente não se escreve mais cartas!!!lembro-me quando criança eu corria até o correio na pequena cidade de Sátiro Dias, eufórica e ansiosa eu perguntava:
_rosemeire tem carta de mainha?
as vezes tinha até mais de uma, era uma alegria imensa ter noticias dos meus entes queridos!!!realmente cada carta tinha um perfume uma essência!
não nego que hoje em dia aderir ao correio eletronico!!!
pelo correio recebo mais cartas de cobrança!contas a pagar etc.
esses dias minha mãe me ligou e disse:
_me escreva!
eu respondi:
_me liga!

Sabe ,Tom! a modernidade e a tecnologia nos deixa um tanto sedentários, a praticidade que achamos nas coisas faz perder a essência de outras.
Que nada substitua os sentimentos!!!
Beijos!!!!