quinta-feira, 4 de março de 2010

DAS COISAS QUE NÃO PRETENDO VER

Por Cineas Santos

De Superinteressante Fev. 2010


Não faz muito tempo, abri a revista ISTOÉ e, na seção de entrevistas, deparei-me com a foto de um cidadão com barba de Rasputin. A barba me pareceu postiça; o nome do barbudo, não. O entrevistado era ninguém menos que o geneticista Aubrey de Grey, da Universidade de Cambridge. Entre outras atividades, Aubrey preside a Fundação Matusalém cujo foco de pesquisa é o combate ao envelhecimento dos seres humanos. Sem medo de comprometer sua reputação, o cientista afirma que “Em cinquenta anos não vai mais haver definição para expectativa de vida. Teremos um controle tão completo do envelhecimento que as pessoas viverão indefinidamente”. Para o sábio inglês, num futuro próximo, qualquer ser humano poderá, sem problema algum, chegar a mil anos de existência. A explicação: a exemplo do que acontece com um automóvel, basta fazer a manutenção correta, usar o combustível adequado, trocar as peças danificadas no momento certo e o carro estará sempre novo. Mais didático, impossível. O neurocientista Anders Sandberg, de Oxford, está disposto a cooperar: propõe-se a fazer uma espécie de download do pensamento humano. Assim sendo, o cérebro se comportaria como um software, com todas as funções originais. O futurologista americano, Ray Kurzweil, com sua autoridade de guru dos letrados, garante que, “em duas décadas, os nanorobôs vão fazer as mesmas funções que as nossas células ou tecidos, mas com precisão infinitamente maior”. Sintetizando: no futuro, só morrerá quem quiser. Nessa altura do campeonato, meus três leitores estarão se perguntando: “O ancião endoidou?”. Eu vos asseguro que não: tudo isso e mais coisas encorpam as páginas da Superinteressante de fevereiro. É só consultar.

Enquanto lia a reportagem de capa da Super, ocorreu-me a lembrança de um poema de Drummond - “O sobrevivente” – publicado em 1930. Lá pelas tantas, afirma o poeta: “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples./Se quer fumar um charuto aperte um botão./Paletós abotoam-se por eletricidade./O amor se faz pelo sem-fio./Não precisa estômago para a digestão”. A ideia desse admirável mundo novo não parece fascinar o Gauche de Itabira, que afirma: “Mas até lá, felizmente, estarei morto”. Drummond comporta-se como um verdadeiro vate e conclui, pessimista: “Os homens não melhoraram/ e matam-se como percevejos./Os percevejos heróicos renascem./Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado/ E se os olhos reaprendessem a chorar, seria um segundo dilúvio”.

Drummond pôs o dedo na ferida: “inabitável, o mundo é cada vez mais habitado”. As estatísticas indicam que, em menos de 50 anos, o exaurido planeta Terra terá nada menos de dez bilhões de bocas para alimentar. Diante de desafio de tal monta, os sociólogos já pensam em exumar as teorias do velho Malthus: a humanidade morrerá de fome. O cientista James Lovelock, autor de A Vingança de Gaia, garante que, nesse ritmo, antes do final do século 21, 80% da população do Planeta terá desaparecido. “A vida, como a concebemos hoje, será praticamente impossível”, afirma. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que essa equação não fecha. Há uma pergunta que não quer calar: em que planeta viverão os terráqueos imortais?

Como não sou egoísta, prometo ceder meu lugar, no momento oportuno, a quem se habilitar a ocupá-lo. E fecho esta arenga com outro poeta mineiro, Murilo Mendes: “Tenho pena dos que vão nascer”.

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