Uma coisa é certa: o Sargento Couto nutria uma admiração secreta pelo meu irmão Antonio Torres, um comunista que serviu sob suas ordens e, por isso, não deixou meu irmão Raimundo e eu pegarmos no pesado quando chegou a nossa vez de vestir a farda verde-oliva. Minha homenagem ao velho sargento, que, se ainda não morreu, deve ter chegado a general. Mas isso não tem nada a ver com a história abaixo.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
SOLDADO DA PÁTRIA
Uma coisa é certa: o Sargento Couto nutria uma admiração secreta pelo meu irmão Antonio Torres, um comunista que serviu sob suas ordens e, por isso, não deixou meu irmão Raimundo e eu pegarmos no pesado quando chegou a nossa vez de vestir a farda verde-oliva. Minha homenagem ao velho sargento, que, se ainda não morreu, deve ter chegado a general. Mas isso não tem nada a ver com a história abaixo.
sábado, 22 de agosto de 2009
Dia do Folclore
Hoje, 22 de agosto, para quem não sabe é o Dia do Folclore
I
Lá nas terras dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o Cruzeiro dos Montes
Em plena linha do horizonte.
Reinam cavalos encantados
Caiporas e sacis aboletados.
O zumbi e o seu pio estridente
Chupando o ouvido do imprevidente.
Não é folclore se falar do fogo-fátuo
Muitos foram os que o viram de fato.
Mulher de padre vira mula-sem-cabeça
A vagar pelo mundo tão-logo anoiteça.
O filho que da mãe não tem gratidão
É o lobisomem da Sexta-Feira da Paixão.
O saci vive na mata a azucrinar
O caçador que ousa lhe perturbar.
O “vulto” pode ser a própria sombra
Do sertanejo que com tudo se assombra.
II
Lá na terra dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o mito e suas lendas a confundir
O pio da coruja com o canto do zumbi.
A caipora precisando de fumo
Para o caçador não perder o rumo.
A mula-sem-cabeça correndo sem parar
Atrás de um padre para se confessar.
O lobisomem em noite de lua cheia
Espojando-se no campo de areia.
O saci querendo seu cachimbo acender
E o caçador um fósforo deverá oferecer.
O fogo-fátuo e sua breve aparição
Em flashes de luz de assustar o coração.
O “vulto” que não parece ser perigoso
Mesclando folclore e estória de trancoso.
Assim é o imaginário popular do sertão
Mitos e lendas fervilhando em profusão.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
O ECLIPSE, SEGUNDO MINHAS RECORDAÇÕES

Eu não vi por que nasci na década seguinte. Mas quando o meu pai me contou o fez com tanta perícia que tive a sensação de ter vivido o momento. O eclipse total do Sol, nos anos 1940, causou o maior bafafá no simplório povo do arraial do Junco e seria cômico se a ignorância da época não fosse trágica. Era uma manhã de intenso sol e de um céu anil sem nuvens, como é o céu de lá em todos os tempos, independente de ser dia de eclipse ou não. Comunicação precária, as notícias chegavam a passo de pangaré. Quando chegavam. Era impossível saber em tempo real o que acontecia além de suas divisas.
A economia local era voltada para a agricultura de subsistência. No instante do grande fenômeno a maioria do povo se encontrava na labuta, no meio da roça, chapéu de palha na cabeça e corpo moído pelo calor. De repente, o apagão do Sol. O dia mergulhou nas trevas e o céu se enfeitou de estrelas; o ciciar das cigarras cedeu lugar ao vagalumear. Os pássaros, em revoada, corriam para seus ninhos.
Quem apagou o Sol? Seria o Apocalipse, conforme as Sagradas Escrituras? Alguns correram para casa e se esconderam debaixo da cama, chorando como crianças assustadas. A maioria, no entanto, correu para a cidade, invadiu a igreja, e começou a rezar, pedindo misericórdia e implorando perdão a Deus. Ninguém queria provar a Danação Eterna. O padre, também pego pela desinformação e sem um superior hierárquico para se confessar, pediu perdão ao povo pela sua fraqueza: enquanto os fiéis cumpriam fielmente as duras penitências da vida, o representante de Deus fornicava na sacristia com uma beatinha, filha de um pacato fazendeiro.
– Perdão, meus irmãos! – implorou, chorando.
A multidão teve vontade de esgoelar o padre, mas o fim do mundo se aproximava e ninguém queria correr o risco de levar esse peso para a balança das más ações. Ele que se acertasse diretamente com a Providência Divina. Afinal, todos embarcariam juntos no Trem da Eternidade e cada um que prestasse contas dos seus atos.
Como todos nós sabemos o mundo não se acabou, o Sol voltou a brilhar, as cigarras cantaram com mais intensidade, os pirilampos apagaram as luzes sem entender o porquê de a noite durar tão pouco, e o povo voltou para casa sem atinar com o acontecido.
O padre não pôde se queixar da sorte. O pai da moça desonrada não se encontrava na igreja quando ele abriu o bico em confidências de arrependimento. Correndo mais rápido do que as más notícias, arrumou a mala e picou esporas, sem deixar rastro nem notícias de seu destino, nem mesmo um recado para o bispo, seu chefe imediato, ao qual devia cega obediência eclesial.
Sabe-se apenas que levou na garupa a sua fiel beata. E todo o dinheiro do dízimo, ofertório e doações para reforma da igreja.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Do Fundo lá de Casa

Foto: Sertão de Canudos - Pierre Verget
Quando eu era criança, do fundo de minha pequena casa de madeira e telhado de Eternit, eu via o mundo mais bonito. Por ser apenas um menino talvez eu tivesse o dom de ver além das cercas do quintal, além da linha do horizonte, usando a imaginação.
Hoje conheço outros horizontes, viajei além das serras, carreguei comigo as lembranças da criança que atravessava o açude a nado, tocava numa banda improvisada nas areias da prainha, se jogando da galeria como um pássaro e mergulhando na água como um peixe, sendo apenas um menino, um sonhador. Eu podia ser um super-homem e resolver todos os problemas do meu mundo sofrido, árido, faminto, e mesmo assim, bonito.
De volta ao lugar onde minha história se inicia, sinto prazer em rever o ponto de partida da minha família, sinto orgulho de mainha, saudades de painho, recordo as minhas estripulias e as de meus irmãos, e de quando minha irmã me defendia das palmadas de mainha.
O menino de ontem cresceu, o homem de hoje mostra aos amigos o paraíso perdido, o castelo desencantado, os sonhos fulgidos que feneceram sufocados pela realidade, mas encontra no seu ponto de partida novo estimulo para sonhar. Ele precisa olhar além do campo de futebol, ver além do açude, além dos morros longínquos nos quais a terra e o céu se limitam diante dos humanos olhos, naquela linha imaginária a qual chamamos linha do horizonte. Esse menino sou eu , esse homem sou eu, e que, às vezes, ainda me sinto perturbado com imagens e dores do passado.
Esse homem tem andado por aí, ora chateado, ora aflito, sem paciência, incapaz de ficar parado e incapaz de decidir o que quer em meio ao caos. É mais corajoso que audacioso. Esse homem esqueceu, muita coisa do seu mundo de criança, mas há muitas outras que carrega na lembrança, que aprendeu neste lugar, que não esqueceu, coisas que ficaram obscuras e forte dentro do seu peito.
Canudos, esse homem pode não parecer um bom filho, mas ele é teu filho, é um dos teus guerreiros no século XXI, no qual o Conselheiro é uma figura lendária e a guerra de Canudos, assunto de universitários. Esse homem é um dos teus guerreiro e, ainda, pode comparecer diante de ti gritando, sem glória, mas sem remorso, como naqueles dias que do fundo no minha casa eu jogava bola no pequeno campo de futebol, sonhando que conquistaria o mundo, já que ele é uma bola e com bolas eu sempre soube driblar.