sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O ECLIPSE, SEGUNDO MINHAS RECORDAÇÕES









Eu não vi por que nasci na década seguinte. Mas quando o meu pai me contou o fez com tanta perícia que tive a sensação de ter vivido o momento. O eclipse total do Sol, nos anos 1940, causou o maior bafafá no simplório povo do arraial do Junco e seria cômico se a ignorância da época não fosse trágica. Era uma manhã de intenso sol e de um céu anil sem nuvens, como é o céu de lá em todos os tempos, independente de ser dia de eclipse ou não. Comunicação precária, as notícias chegavam a passo de pangaré. Quando chegavam. Era impossível saber em tempo real o que acontecia além de suas divisas.

A economia local era voltada para a agricultura de subsistência. No instante do grande fenômeno a maioria do povo se encontrava na labuta, no meio da roça, chapéu de palha na cabeça e corpo moído pelo calor. De repente, o apagão do Sol. O dia mergulhou nas trevas e o céu se enfeitou de estrelas; o ciciar das cigarras cedeu lugar ao vagalumear. Os pássaros, em revoada, corriam para seus ninhos.

Quem apagou o Sol? Seria o Apocalipse, conforme as Sagradas Escrituras? Alguns correram para casa e se esconderam debaixo da cama, chorando como crianças assustadas. A maioria, no entanto, correu para a cidade, invadiu a igreja, e começou a rezar, pedindo misericórdia e implorando perdão a Deus. Ninguém queria provar a Danação Eterna. O padre, também pego pela desinformação e sem um superior hierárquico para se confessar, pediu perdão ao povo pela sua fraqueza: enquanto os fiéis cumpriam fielmente as duras penitências da vida, o representante de Deus fornicava na sacristia com uma beatinha, filha de um pacato fazendeiro.

– Perdão, meus irmãos! – implorou, chorando.

A multidão teve vontade de esgoelar o padre, mas o fim do mundo se aproximava e ninguém queria correr o risco de levar esse peso para a balança das más ações. Ele que se acertasse diretamente com a Providência Divina. Afinal, todos embarcariam juntos no Trem da Eternidade e cada um que prestasse contas dos seus atos.

Como todos nós sabemos o mundo não se acabou, o Sol voltou a brilhar, as cigarras cantaram com mais intensidade, os pirilampos apagaram as luzes sem entender o porquê de a noite durar tão pouco, e o povo voltou para casa sem atinar com o acontecido.

O padre não pôde se queixar da sorte. O pai da moça desonrada não se encontrava na igreja quando ele abriu o bico em confidências de arrependimento. Correndo mais rápido do que as más notícias, arrumou a mala e picou esporas, sem deixar rastro nem notícias de seu destino, nem mesmo um recado para o bispo, seu chefe imediato, ao qual devia cega obediência eclesial.

Sabe-se apenas que levou na garupa a sua fiel beata. E todo o dinheiro do dízimo, ofertório e doações para reforma da igreja.






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