quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do Fundo lá de Casa


Por Cristiana Alves





Foto: Sertão de Canudos - Pierre Verget



Quando eu era criança, do fundo de minha pequena casa de madeira e telhado de Eternit, eu via o mundo mais bonito. Por ser apenas um menino talvez eu tivesse o dom de ver além das cercas do quintal, além da linha do horizonte, usando a imaginação.


Hoje conheço outros horizontes, viajei além das serras, carreguei comigo as lembranças da criança que atravessava o açude a nado, tocava numa banda improvisada nas areias da prainha, se jogando da galeria como um pássaro e mergulhando na água como um peixe, sendo apenas um menino, um sonhador. Eu podia ser um super-homem e resolver todos os problemas do meu mundo sofrido, árido, faminto, e mesmo assim, bonito.


De volta ao lugar onde minha história se inicia, sinto prazer em rever o ponto de partida da minha família, sinto orgulho de mainha, saudades de painho, recordo as minhas estripulias e as de meus irmãos, e de quando minha irmã me defendia das palmadas de mainha.


O menino de ontem cresceu, o homem de hoje mostra aos amigos o paraíso perdido, o castelo desencantado, os sonhos fulgidos que feneceram sufocados pela realidade, mas encontra no seu ponto de partida novo estimulo para sonhar. Ele precisa olhar além do campo de futebol, ver além do açude, além dos morros longínquos nos quais a terra e o céu se limitam diante dos humanos olhos, naquela linha imaginária a qual chamamos linha do horizonte. Esse menino sou eu , esse homem sou eu, e que, às vezes, ainda me sinto perturbado com imagens e dores do passado.


Esse homem tem andado por aí, ora chateado, ora aflito, sem paciência, incapaz de ficar parado e incapaz de decidir o que quer em meio ao caos. É mais corajoso que audacioso. Esse homem esqueceu, muita coisa do seu mundo de criança, mas há muitas outras que carrega na lembrança, que aprendeu neste lugar, que não esqueceu, coisas que ficaram obscuras e forte dentro do seu peito.


Canudos, esse homem pode não parecer um bom filho, mas ele é teu filho, é um dos teus guerreiros no século XXI, no qual o Conselheiro é uma figura lendária e a guerra de Canudos, assunto de universitários. Esse homem é um dos teus guerreiro e, ainda, pode comparecer diante de ti gritando, sem glória, mas sem remorso, como naqueles dias que do fundo no minha casa eu jogava bola no pequeno campo de futebol, sonhando que conquistaria o mundo, já que ele é uma bola e com bolas eu sempre soube driblar.




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