sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Homenagem a Antonio Rezk no Memorial da Resistência - SP


Lançamento de livro e vídeo marcará o evento, no dia 3 de março.    

Será lançado no próximo dia 3 (sábado), a partir da 14 horas, no Memorial da Resistência (Largo General Osório, edifício do antigo Dops), o livro Ruptura – Onomia na civilização do trabalho, de Antonio Rezk.

Além do lançamento do livro, uma edição póstuma, seu autor, falecido em 2005, será homenageado por sua importante atuação política na luta de resistência  contra a ditadura militar. Participarão de um debate ex-colegas parlamentares que com ele atuaram na resistência democrática. Em seguida será exibido um vídeo sobre a trajetória de Rezk, que se destacou não apenas pelas atividades políticas e sociais, mas como pensador e autor de vários livros e fundador, juntamente com outros intelectuais, de importantes entidades de estudo e pesquisa, como o MHD – Movimento Humanismo e Democracia, e o Ipso – Instituto  de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, do qual foi presidente. Foi também vice-presidente da UBE – União Brasileira de Escritores.

A trajetória de Rezk

Formado em Estudos Sociais, Antonio Rezk desenvolveu um intenso trabalho de organização comunitária no início dos anos 1970, fundando dezenas de associações de bairro em São Paulo, as quais reuniria, depois, em conselhos municipal e estadual. Foi eleito vereador para a Câmara Municipal de São Paulo em 1975, pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e depois, em 1978, deputado estadual por dois mandatos consecutivos. Com a redemocratização do país, participou ativamente da reorganização do PCB (Partido Comunista Brasileiro), cuja Comissão Executiva Nacional passaria a integrar. Ocupou, de 1987 a 1989, a presidência do Diretório Estadual do Partido em São Paulo.  
    
As grandes transformações que ocorreram no mundo, principalmente com o advento da globalização da economia e suas implicações no mundo do trabalho, levaram-no a se dedicar ao estudo e ao debate da questão, sobretudo o desemprego causado, entre outras razões, pela intensificação da aplicação da tecnologia na produção.

O sociólogo Levi Bucalem Ferrari registra, no prefácio do livro Ruptura: “Num primeiro momento (Rezk), pesquisa intensamente tudo que diz respeito a: o impacto da tecnologia no mundo do trabalho; o aumento da produtividade individual e consequentemente da mais-valia relativa; o desemprego estrutural; suas consequências sociais e individuais; a previsível crise da “civilização do trabalho”; e a resultante anomia provocada pela ausência de normas e valores mais consentâneos com as novas realidades”.

O deputado Adriano Diogo, um dos organizadores do evento, acrescenta na apresentação do livro, que seu fio condutor “é a história do trabalho no mundo e no Brasil”.

Mais informações:

Audálio Dantas/Vanira Kunc – comunicacao@audaliodantas.com.br
Tels. (11) 9628-7443 e 3865-2502

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Manolo Ramires - Big Ben Brasil


Outro dia recebi a visita de um inglês com aquela mania de pontualidade. Porque os ingleses são assim: gostam de tudo girando no horário deles. É o café da manhã, o almoço e o jantar, sem se esquecer do chá das cinco, passando pelo rigor do início e fim da reunião. É o jeitão que muita gente tenta imitar enquanto que os chineses levam a grana. Afinal, aos suíços, do relógio, a fama, e aos chineses, da produção, a réplica.

Comércio de bugigangas à parte, descobri com esse inglês que o brasileiro também gosta de pontualidade. Essa revelação surgiu durante um almoço de domingo. Quando perguntaram a hora, houve três respostas diferentes:

- Doze horas e trinta e cinco minutos exatos – disse um.
- No meu são doze e trinta e sete.
- Aqui tá marcando doze horas e trinta e nove minutos, mas eu sempre adianto cinco minutos do soninho. 

A diferença nos números levou à necessidade de checar qual o horário correto. O objetivo era não decepcionar o amigo britânico. Olhamos os relógios eletrônicos da cozinha - parede e fogão – que divergiam nos minutos. Em seguida, os aparelhos de TV e DVD. Estes apresentavam horários sincronizados, porém diferentes dos relógios das pessoas presentes. Por isso, para tentar acabar com a divergência, pois o almoço já estava atrasado, olhou-se no contador de horas do canal da BBC, tomando o cuidado para acertar o fuso horário. Big Ben. 

Tirada a dúvida, os relógios dos aparelhos eletrônicos da sala e da cozinha foram sincronizados, mas os dos pulsos e dos celulares seguiram com a sua cronometragem habitual, seguidas das devidas justificativas.

- Lembrei que o meu relógio está um minuto adiantado da folha de ponto digital da empresa. Como não posso alterar lá, vou deixar assim mesmo – argumento um.
- O meu também não vou mudar. Tá certinho, até nos segundos, com o motorista do ônibus. E ele nunca se adianta ou atrasa. Eu é que não vou correr esse risco – emendou dois.
- Pois eu vou corrigir o meu. Ao invés de cinco, vou deixar seis minutos adiantados e dormir um pouco mais – disse o terceiro, enquanto se espreguiçava.

Compreendi que o brasileiro está fadado a preocupar-se apenas com o seu próprio relógio, mesmo que isso acarrete na galera entrando na sala de cinema com o trailer já rolando ou com a família ainda procurando por um banco na igreja enquanto a segunda leitura está no meio. Enfim, quem entende bem dessa relação cultural é o meu amigo inglês, que é um belo de um brasileiro, sempre pontual em se atrasar meia hora.

- Cheguei um pouco atrasado, sir?
- Sim. Exatos trinta e um minutos. No meu relógio, é claro.
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Notícias do front carnavalesco


Seu nome era Lourenço da Fonseca Barbosa, porém, dito assim, quase ninguém associa o nome ao homem. Trata-se de Capiba, personagem mais famoso de Surubim, em Pernambuco, conhecido nacionalmente como o Poeta do Frevo, o ritmo alucinante do carnaval pernambucano.

Contou-me a minha amiga Clara Suassuna, que privou da amizade do poeta e compositor pernambucano, que uma vez Capiba foi se apresentar na Europa. Uns amigos de Recife o incumbiram de trazer uma encomenda do velho continente, coisa pequena e leve. No retorno, entregaram-lhe a tal encomenda, um pacotinho do tamanho de uma caixa de chocolate. Quando desceu do navio, no porto de Recife, uma roda de amigos enlutados o aguardava. Um deles perguntou a Capiba:

– Trouxe a encomenda?
– Trouxe, mas na viagem deu muita formiga no doce e eu tive que jogar a caixa fora.
– Doce? Que doce?! Eram as cinzas do nosso avô que antes de morrer pediu pra ser cremado e depois a gente espalhar as cinzas no mar de Pernambuco!

Não sei se Capiba foi cremado quando morreu em 1977, sei que, com ele, foi enterrado o carnaval de Pernambuco que, tal qual o carnaval  de Salvador, hoje faz carnaval para inglês ver. Em Olinda, berço do frevo, o Harmonia do Samba com o bumbum do marido da Carla Perez fez muito sucesso. Em Recife, o bloco puxado pela Banda (Apo)Calypso, aquela que a moça se engasga quando canta, só perdeu em público para o Galo da Madrugada. Lulu Santos, que nunca cantou um frevo na vida, foi quem abriu o carnaval no Marco Zero.

Em Salvador o último dos moicanos foi enterrado: o irreverente bloco Mudança do Garcia. O ponto alto desse bloco eram os cartazes colados em carroças atacando os políticos incompetentes. Não proibiram os cartazes, mas proibiram o andar da carruagem. É a velha Bahia, nunca dantes tão dessemelhante e triste. Um prefeito incompetente e um governador bêbado. Como não se bastassem tantas invenções para se restringir o acesso do cidadão ao carnaval, privatizando a maior parte do espaço público, inventaram agora um tal de “Pop Corn Experience”, nome exótico para acachapar o cidadão: simplesmente isolam as calçadas, com corda, e cobra-se certa quantia para o folião ficar dentro. Como se não bastassem as cordas dos blocos; agora também se amarra o cidadão pagador de suas obrigações tributáveis na máquina da ganância de alguns privilegiados.

Em Maceió, que tem uns garotos fazendo barulho na Pajuçara, não se cobra nada, em compensação, nada se vê. É que no espaço reservado ao carnaval, se esqueceram de colocar iluminação. E no meio do breu, o locutor oficial, pago pelos contribuintes, agradeceu aos guardas da Secretaria Municipal de Trânsito pelo “livre arbítrio dos automóveis”.

Não estranhem que isso é coisa corriqueira nos meio de comunicação aqui e acolá. Um dos mais badalados jornais on line de Alagoas deu em letras garrafais: “Cabo atira em major e mata filho”. Já lá dentro, na notícia, diz que “o sargento foi preso em flagrante”. Como não há espaço para comentário, fiquei sem saber como foi que o cabo foi promovido a sargento depois dos tiros.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cineas Santos - O admirável mundo vitual


De Mudando o status no Facebook

Em 2002, publiquei um arremedo de crônica com o título Crônica da cidade desconhecida. Ano do sesquicentenário de Teresina, a cidade estava em festa. Foi nesse clima de comemoração que uma professora de redação pediu aos alunos da sexta série, de uma escola de ricos, que escrevessem um texto, em prosa, tendo como tema um recanto aprazível da “cidade amada”. Os alunos entreolharam-se abismados como se a tarefa fosse algo absolutamente irrealizável. Desconfiada de que boa parte da turma talvez desconhecesse o sentido do adjetivo aprazível, a professora repropôs: façam a descrição de um local agradável em nossa cidade. Ao contrário do que ela poderia supor, a descrição de um lugar (parque, praça, rua) agradável na capital parecia um desafio extraordinário. Uma meia dúzia, aos tropicões, descreveu as praças de alimentação dos shoppings da cidade. A maioria, nem isso.

Visivelmente preocupada, a professora me procurou para ouvir minha opinião. Expliquei-lhe que o resultado talvez não fosse diferente se se tratasse de adolescentes gaúchos ou acrianos. Na vã tentativa de animá-la, expliquei-lhe que a moçada hoje vive num mundo virtual, governado pelo deus-consumo, povoado de bocas que falam e cantam sandices e de bundas que geram fortunas. Esses rapazes e moças não são instigados a pensar e, como ninguém lhes impõe limites, crescem felizes e viçosos como repolhos em terra adubada. Convidei-a a refletir sobre o dia a dia desses meninos e meninas bem-nascidos: arrancados da cama muito cedo, engolem qualquer coisa (suco de caixinha, refrigerante,iogurte colorido), entram no automóvel, põem um walkman no ouvido ou teclam um daqueles celulares de última geração que, entre as 1001 utilidades, às vezes, até servem para fazer uma ligação. Confinados numa escola de muros altos (em nome da segurança), estudam as disciplinas que interessam aos exames vestibulares e fazem o mesmo percurso de volta até a casa. Nos finais de semana, shopping, festinhas de aniversário, um “fica” e o mais é torpedo, e-mail, Facebook, Twitter, MSN e toda essa parafernália eletrônica disponível na praça. Não há lugar para Teresina na vida deles.

Lembrei-me da velha crônica ao ver o comercial de um automóvel de luxo que, entre os acessórios, possui monitor acoplado aos bancos dianteiros. Segundo o anúncio, “assim, a viagem torna-se mais agradável e proveitosa”. O frêmito da vida não interessa; a paisagem não importa. A criança não pode e nem deve desconectar-se do seu mundinho virtual onde efetivamente vive. Posso estar enganado, mas Aldous Huxley não previu isso no seu Admirável Mundo Novo.

Impossível não dar razão ao professor Jaime Pinsky: “Talvez a grande tragédia da cultura brasileira tenha sido passar, diretamente, da cultura oral para a digital. Quando, finalmente, o Estado passou a considerar essencial a alfabetização de toda a população (com qualidade muito, mas muito discutível mesmo, diga-se de passagem) já era tarde. A internet, com todos os seus produtos (e-mails, redes sociais, Twitter, Facebook), assim como a cultura dos torpedos em celulares, promoveu não apenas uma nova linguagem (até aí, tudo bem), mas um discurso sugestivo em vez de um outro argumentativo, portanto sem coesão ou coerência, sem fluxo narrativo, sem começo, meio e fim”. 

Pobres meninos ricos...


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Parem o mundo que eu quero descer!


No Bom Dia Alagoas de hoje a eminente secretária da Cultura da Capital da Província (assim ela se diz, apesar de ser uma fundação) falou uma barbaridade que fez corar o mais vil escroto que acaso estivesse vendo o noticiário matutino. Em reportagem sobre o miserê que vive o folclórico bumba-meu-boi alagoano, que tem apresentação oficial no carnaval de Maceió, ela simplesmente apertou a tecla do "dane-se" ao misturar cinismo e desdém para justificar a falta de apoio oficial aos grupos culturais da terrinha. Disse, com todos os efes e erres, que a Cultura é feita pelas comunidades, então elas, as comunidades, é que devem se virar. Eu poderia simplesmente usar a palavra “sic”, mas não revelaria a minha real indignação com esse absurdo dito por quem deveria ser guardiã da Cultura local.

Enquanto falta dinheiro para se financiar os grupos e pontos culturais, os amiguinhos do poder conseguem tirar leite da pedra chamada Fundação Cultural de Maceió, a que dá guarida a esta “secretária”. A Fundação, que deveria cuidar da Cultura com competência e zelo, cuida mesmo é de financiar projetos de interesse particular, como é o caso das belíssimas edições de livros e discos lançados na praça com o selo desta instituição pública. Livros de poesias em edição de luxo, impresso em papel fotográfico; cds com qualidade indiscutível, apesar do conteúdo duvidoso.

Mas desrespeitar valores culturais em Maceió tem sido a regra, naturalizando o “é assim em todo canto e lugar”. No São João, a Prefeitura gasta absurdos com bandas midiáticas para satisfazer o ego de alguns e, no entanto, destina migalhas aos artistas da terra num evento tradicional que mobiliza toda a população local. E ainda acham que se faz muito.

Em relação ao estado, também não é diferente. Quando deram a Fundação Teatro Deodoro para a musa do impeachment usar como casinha de boneca, ela promoveu uma noite do folclore no Teatro Deodoro e deixou de fora, literalmente, um dos maiores folcloristas brasileiro e de Alagoas: o Mestre Pedro Teixeira.

O que não falta é verba pública para se gastar com os apaniguados ou amigos dos amigos do poder. Os secretários de Cultura que vêm ou que vão parecem só entender mesmo de apadrinhamento ou política partidária. Já houve secretário de Cultura em Alagoas que disse só entender de cultura do fumo. E tome fumo no lombo do povo que luta para não deixar morrer nossos valores culturais, como é o caso, hoje, do bumba-meu-boi. Enquanto a Prefeitura de Maceió gastou os tubos na promoção de um baile municipal na semana passada, hoje foi decretado o fim do bumba-meu-boi “Paraná”, o mais tradicional de Alagoas, por falta de míseros dois mil reais.

Enquanto isso, a Prefeitura torra dinheiro do contribuinte com uma fundação com status de secretaria para manter gente que pensa que ópera-bufa é o mesmo que flatulência intestinal.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Geraldo Borges - Cineas Santos, rascunho para uma biografia

De Cineas Santos


Todos os sábados eu fazia uma visita à livraria do Nobre. Ali conheci o Cineas Santos.  A fauna de seus freqüentadores era variada e compunha–se de intelectuais, alguns mais assíduos, outros mais temporãos. Entre os assíduos podemos destacar o Lucimar Ochoa, já falecido, Eulino Martins, poeta, ex-combatente da FEB, também falecido, o professor Didácio, professor especialmente de cursinhos, também não mais está entre nós, o Pedro Celestino, idem. Todos eles viraram personagens de ficção. Pois “ Todas as pessoas mortas que conseguem  mesmo continuar existindo na memória  dos outros, tendem a se tornar fictícias... “ E o O. G. Rego de Carvalho, esse, ainda está em nosso meio, Pompílio Santos,  jornalista,  poeta, nunca mais tive noticias dele.

 Quase todos fumavam. A começar pelo vigia, como se chamava Nobre, o dono da livraria. Os únicos que não fumavam eram o OG e o Cineas Santos. Ainda hoje me lembro do cinzeiro do Nobre cheio de tocos de cigarro. De hora em hora ele esvaziava–o.  Mesmo com a fumaça o ambiente era agradável, com muita conversa sobre livros e autores, acompanhada sempre de um bom café. Ainda hoje tenho em minha biblioteca livros comprados em sua livraria. Parece que estou esquecendo o Cineas Santos. Não. Não esqueci.

 Cineas Santos chegava lá, conversava um pouco, e logo ia embora. Às vezes nem sentava. Isso no começo. Depois foi se acostumando e demorava mais. Lembro-me de quando já estávamos mais enturmados fizemos um torneio de versos, uma espécie de embolada.  Cada sábado um trazia a resposta do outro, e declamava para os visitantes da livraria fazer o julgamento.  Nessa brincadeira o Cineas Santos terminou levando a melhor. Ganhou. Sempre foi um grande leitor de romance de cordel.

Cineas Santos chegou em Teresina em 1965, desembarcou vindo de Caracol, sua aldeia natal, na praça Saraiva, a antiga praça Saraiva, que servia de estação rodoviária, e tinha o famoso bar Tetéu,   que não fechava as portas durante toda a noite. Da praça, Cineas Santos partiu para a Casa do Estudante.

 Já em 69 como ele próprio diz: “...já estava metido em um grupo de teatro amador, mambembando pelo interior do Piauí e do Maranhão. À época cheguei a escrever uma peça pretensiosa e ordinária, denominada Uma noite entre os miseráveis. Não podendo encená-la em Teresina (a censura não o permitiria), montamos a peça em Bacabal, com direito a um jantar decente depois da apresentação.”

Formou-se em Direito, e, como muitos outros, desviou-se dessa profissão como o diabo foge da cruz. Escolheu ser professor. E tem dado uma grande contribuição ao magistério piauiense. Mas a sua contribuição maior é no campo da cultura literária. Fundou jornais e revistas, montou livrarias, participou de suplementos literários, editou quase todos os escritores piauienses de expressão, fez palestras. É, sem sombra de dúvida, um marco na literatura piauiense, sempre animou os novos a prosseguir na luta com a palavra.

Teve a coragem de fundar a Oficina da Palavra, um espaço cultural aberto ao povo piauiense, uma franquia para quem quiser se expressar, o espaço contem uma biblioteca, um teatro, salas para estudo, fica na Rua Benjamim Constant,  descendo para o Liceu, depois da antiga residência do professor Pantaleão, celebrado professor de matemática do tempo da minha juventude. Não posso me esquecer também que a Oficina da Palavra é palco do já famoso Sarau literário.

 Cineas Santos é aquele cara que veio do interior - justamente quando Teresina estava começando uma nova perspectiva de urbanização e desenvolvimento, principalmente com o surgimento da Universidade -  e venceu. Criou seu ritmo e estilo. E por isso mesmo, tem os que gostam dele e os que não gostam. Inimigos oculto e declarados. Está sempre apressado como se estivesse esperando mais um desafio pela frente.

Para quem não sabe, ele ganhou um apelido quando freqüentava a Livraria do Nobre. O apelido se encaixou bem no personagem. Foi invenção do pintor Lucimar Ochoa. Chamou-o de Mandacaru, por causa de seus modos ríspidos, no trato com as pessoas, comportamento de que até hoje não abriu mão. Mesmo assim, por incrível que pareça, tem muitos amigos, nesse mundo de hoje. Pois a sua rispidez é só da boca para fora. Mas no tempo da Livraria do Nobre não foi somente o Cineas Santos que ganhou apelido. Ganharam apelidos também, o OG, que era chamado de Sapo, e o Pompílio Santos, que era chamado de dromedário, talvez pelo seu modo de caminhar meio corcunda. Essas brincadeiras não azedavam o ambiente, ao contrário, davam um ar descontraído de boa camaradagem. Quem suscita um apelido, é porque chama a atenção e tem alguma coisa marcante.

Hoje Cineas Santos administra as despesas da velhice após muitos coriscos e invernos pela vida afora. Tornou-se um cidadão respeitável, acumulou toda uma experiência de vida que literalmente podemos chamar de biografia. Em seu livro de crônicas As despesas do envelhecer, o leitor atento encontrará muitas pistas da sua história...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ferreira Gullar - Um sonho que acabou

Nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem permissão

É com enorme dificuldade que abordo este assunto: mais uma vez -a 19ª- o governo cubano nega permissão a que Yoani Sánchez saia do país. A dificuldade advém da relação afetiva e ideológica que me prende à Revolução Cubana, desde sua origem em 1959. Para todos nós, então jovens e idealistas, convencidos de que o marxismo era o caminho para a sociedade fraterna e justa, a Revolução Cubana dava início a uma grande transformação social da América Latina. Essa certeza incendiava nossa imaginação e nos impelia ao trabalho revolucionário.

Nos primeiros dias de novo regime, muitos foram fuzilados no célebre "paredón", em Havana. Não nos perguntamos se eram inocentes, se haviam sido submetidos a um processo justo, com direito de defesa. Para nós, a justiça revolucionária não podia ser questionada: se os condenara, eles eram culpados.

E nossas certezas ganharam ainda maior consistência, em face das medidas que favoreciam aos mais pobres, dando-lhes enfim o direito a estudar, a se alimentar e a ter atendimento médico de qualidade. É verdade que muitos haviam fugido para Miami, mas era certamente gente reacionária, em geral cheia da grana, que não gozaria mais dos mesmos privilégios na nova Cuba revolucionária.

Sabíamos todos que, além do açúcar e do tabaco, o país não dispunha de muitos outros recursos para construir uma sociedade em que todos tivessem suas necessidades plenamente atendidas. Mas ali estava a União Soviética para ajudá-lo e isso nos parecia mais que natural, mesmo quando pôs na ilha foguetes capazes de portar bombas atômicas e jogá-las sobre Washington e Nova York. A crise provocada por esses foguetes pôs o mundo à beira de uma catástrofe nuclear.

Mas nós culpávamos os norte-americanos, porque eles encarnavam o Mal, e os soviéticos, o Bem. Só me dei conta de que havia algo de errado em tudo isso quando visitei Cuba, muitos anos depois, e levei um susto: Havana me pareceu decadente, com gente malvestida, ônibus e automóveis obsoletos.

Comentei isso com um companheiro que me respondeu, quase irritado: "O importante é que aqui ninguém passa fome e o índice de analfabetismo é zero". Claro, concordei eu, muito embora aquela imagem de país decadente não me saísse da cabeça.

Impressão semelhante -ainda que em menor grau- causaram-me alguns aspectos da vida soviética, durante o tempo que morei em Moscou. O alto progresso tecnológico militar contrastava com a má qualidade dos objetos de uso. O que importava era derrotar o capitalismo e não o bem-estar e o conforto das pessoas. Mas os dirigentes do partido usavam objetos importados e viam os filmes ocidentais a que o povo não tinha acesso.

Se a situação econômica de Cuba era precária, mesmo quando contava com a ajuda da URSS, muito pior ficou depois que o socialismo real desmoronou. É isso que explica as mudanças determinadas agora por Raúl Castro.

Mas, antes delas, já o regime permitira a entrada de capital norte-americano para construir hotéis, que hoje hospedam turistas ianques, outrora acusados de transformar o país num bordel. Agora, o governo estimula o surgimento de empresas capitalistas, como o faz a China. Está certo desde que permita preservar o que foi conquistado, já que a alternativa é o colapso econômico.

Tudo isso está à mostra para todo mundo ver, exceto alguns poucos sectários que se negam a admitir ter sido o comunismo um sonho que acabou. Mas há também os que se negam a admiti-lo por impostura ou conveniência política.

Do contrário, como entender a atitude da presidente Dilma Rousseff que, em recente visita a Cuba, forçada a pronunciar-se sobre a violação dos direitos humanos, preferiu criticar a manutenção pelos americanos de prisioneiros na base aérea de Guantánamo, o que me fez lembrar o seguinte: um norte-americano, em visita ao metrô de Moscou, que, segundo os soviéticos, não atrasava nunca nem um segundo sequer, observou que o trem estava atrasado mais de três minutos. O guia retrucou: "E vocês, que perseguem os negros!".

A verdade é que nem eu nem a Dilma nem nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem a permissão do governo.