segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cineas Santos - O admirável mundo vitual


De Mudando o status no Facebook

Em 2002, publiquei um arremedo de crônica com o título Crônica da cidade desconhecida. Ano do sesquicentenário de Teresina, a cidade estava em festa. Foi nesse clima de comemoração que uma professora de redação pediu aos alunos da sexta série, de uma escola de ricos, que escrevessem um texto, em prosa, tendo como tema um recanto aprazível da “cidade amada”. Os alunos entreolharam-se abismados como se a tarefa fosse algo absolutamente irrealizável. Desconfiada de que boa parte da turma talvez desconhecesse o sentido do adjetivo aprazível, a professora repropôs: façam a descrição de um local agradável em nossa cidade. Ao contrário do que ela poderia supor, a descrição de um lugar (parque, praça, rua) agradável na capital parecia um desafio extraordinário. Uma meia dúzia, aos tropicões, descreveu as praças de alimentação dos shoppings da cidade. A maioria, nem isso.

Visivelmente preocupada, a professora me procurou para ouvir minha opinião. Expliquei-lhe que o resultado talvez não fosse diferente se se tratasse de adolescentes gaúchos ou acrianos. Na vã tentativa de animá-la, expliquei-lhe que a moçada hoje vive num mundo virtual, governado pelo deus-consumo, povoado de bocas que falam e cantam sandices e de bundas que geram fortunas. Esses rapazes e moças não são instigados a pensar e, como ninguém lhes impõe limites, crescem felizes e viçosos como repolhos em terra adubada. Convidei-a a refletir sobre o dia a dia desses meninos e meninas bem-nascidos: arrancados da cama muito cedo, engolem qualquer coisa (suco de caixinha, refrigerante,iogurte colorido), entram no automóvel, põem um walkman no ouvido ou teclam um daqueles celulares de última geração que, entre as 1001 utilidades, às vezes, até servem para fazer uma ligação. Confinados numa escola de muros altos (em nome da segurança), estudam as disciplinas que interessam aos exames vestibulares e fazem o mesmo percurso de volta até a casa. Nos finais de semana, shopping, festinhas de aniversário, um “fica” e o mais é torpedo, e-mail, Facebook, Twitter, MSN e toda essa parafernália eletrônica disponível na praça. Não há lugar para Teresina na vida deles.

Lembrei-me da velha crônica ao ver o comercial de um automóvel de luxo que, entre os acessórios, possui monitor acoplado aos bancos dianteiros. Segundo o anúncio, “assim, a viagem torna-se mais agradável e proveitosa”. O frêmito da vida não interessa; a paisagem não importa. A criança não pode e nem deve desconectar-se do seu mundinho virtual onde efetivamente vive. Posso estar enganado, mas Aldous Huxley não previu isso no seu Admirável Mundo Novo.

Impossível não dar razão ao professor Jaime Pinsky: “Talvez a grande tragédia da cultura brasileira tenha sido passar, diretamente, da cultura oral para a digital. Quando, finalmente, o Estado passou a considerar essencial a alfabetização de toda a população (com qualidade muito, mas muito discutível mesmo, diga-se de passagem) já era tarde. A internet, com todos os seus produtos (e-mails, redes sociais, Twitter, Facebook), assim como a cultura dos torpedos em celulares, promoveu não apenas uma nova linguagem (até aí, tudo bem), mas um discurso sugestivo em vez de um outro argumentativo, portanto sem coesão ou coerência, sem fluxo narrativo, sem começo, meio e fim”. 

Pobres meninos ricos...


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