sexta-feira, 27 de julho de 2012

Edna Lopes - A quem escreve*



"A poesia se embrenhou nos meus modos viventes.
Não é mais só minha matéria-prima, é minha matéria-imã,
minha matéria-irmã, minha matéria-mãe."
Elisa Lucinda

“Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.”(...)
Maiakovski

Ao escrever, deixa que a alma diga sua dor, sua alegria, seu amor, seu louvor, sua paixão, sua afeição. É preciso viver cada emoção, mesmo as que não são da tua vida, da ordem do teu dia. É preciso “aprender” ser do lugar do outro, do lugar do prazer ou do sofrer do personagem que escolhes.

Ao escrever, junta ao que escreves o teu baú de lembranças, a asa de anjo e a tesoura de jardineiro. Serão úteis para a construção do mundo da poesia, do sonho, da palavra como afirmação de vida. Lembra-te que és o arquiteto desse universo prenhe de vida.

Ao escrever, escreve na alma. O tempo e as intempéries destruirão o papel ou a madeira, transformarão a pedra em areia e pó, mas o texto que encanta, que emociona o coração e a alma de quem entra em contato com ele, é eterno.

(Edna Lopes in: Poesia viva, poesia vida!)

*Minha homenagem a quem que escreve alegrias no olhar, ternuras na alma e canções de amor nos corações de quem o lê. Meu agradecimento a quem escreve e partilha o pão do conhecimento, da sabedoria. Obrigada!! 


ABL: Exposição "Jorge Amado - 100 anos"


ABL INAUGURA EXPOSIÇÃO ‘JORGE AMADO – 100 ANOS’, EM COMEMORAÇÃO AO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO ACADÊMICO, E PROPÕE RELEITURA CRÍTICA DE SUA OBRA



A mostra será aberta na terça-feira, dia 31 de julho. Para a Presidente da ABL, Ana Maria Machado, “a obra de Jorge Amado vai além da mera fruição: propõe ideias e levanta discussões. A elas, pois”.


A Academia Brasileira de Letras (ABL) inaugura, no dia 31 de julho, terça-feira, às 16h30min, exposição em homenagem ao centenário de nascimento do Acadêmico e escritor Jorge Amado, que se completará no dia 10 de agosto de 2012. Trata-se de mais uma das comemorações programadas pela ABL para este ano em memória do escritor baiano. A mostra estará à disposição do público, de segunda  a sexta-feira, no 1º andar do Centro Cultural do Brasil, sede da ABL, na Avenida Presidente Wilson, 203, até o dia o dia 28 de setembro, das 10 às 18 horas.

 O público terá a oportunidade de conhecer, na mostra, as primeiras edições dos livros do escritor baiano, inclusive os editados na década de 30 do século passado, quando começou a ocupar espaço como autor. Toda a cronologia de sua história, desde seu nascimento na Fazendo Auricídia, então parte de Ilhéus, hoje município de Itajuípe, interior da Bahia. Paineis de fotos ao lado de personalidades brasileiras e estrangeiras. Reprodução de cartaz de propaganda de Jorge Amado para deputado pelo PCB. Painel com uma grande foto de Luiz Carlos Prestes. Entre essas e muitas outras peças que contam sua vida, estará também uma foto em que o escritor baiano é condecorado com o Prêmio Internacional Stálin, de 1951. Organizada pelo Acadêmico e cineasta Nelson Pedreira dos Santos, a exposição contará ainda  com a exibição de todos os filmes, novelas e séries de televisão que foram feitas com base em seus livros.

“Entendo que o centenário de Jorge Amado nos dá uma excelente oportunidade para fazer uma releitura de sua obra,  tendo em vista uma reconstrução crítica da mesma. Desde que começou a publicar seus livros nos anos 30, a recepção deles variou muito. Foram amados ou execrados, muitas vezes, por motivos extraliterários, pelo fato de o autor ter pertencido ao Partido Comunista por muito tempo. Esta exposição aponta alguns pontos de referência nesse caminho. Personagens inesquecíveis, cenários marcantes, situações emblemáticas povoam seus romances. Em seu conjunto, a obra de Jorge Amado vai além da mera fruição: propõe ideias e levanta discussões. A elas, pois. É o convite que a ABL deixa a todos. Vamos ler ou reler Jorge Amado. E entrar nesses debates, a partir do que ele  escreveu”, afirma a Presidente da ABL, escritora Ana Maria Machado.

Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira, Jorge Amado tomou posse em 17 de julho do mesmo ano. Jornalista, romancista e memorialista, tornou-se escritor profissional e viveu exclusivamente dos diretos autorais de seus livros. Estreou na Literatura em 1930, com a publicação da novela “Lenita”, escrita em colaboração com Dias da Costa e Édison Carneiro.

Seus livros, escritos ao longo de 36 anos (1941 a 1977) foram publicados em 52 países e traduzidos para 48 idiomas e dialetos. Muitos deles tiveram adaptação para o cinema, o rádio, a televisão, bem como para histórias em quadrinhos, não apenas no Brasil, mas também em Portugal, França, Argentina, Suécia, Alemanha, Polônia, Itália, Estados Unidos e Tchecoslováquia.

Autor de clássicos da Literatura brasileira, como Dona Flor e seus dois maridos, O país do carnaval, Capitães de areia, Gabriela, Cravo e Canela, Bahia de Todos os Santos, Tenda dos milagres, Teresa Batista cansada de guerra, entre muitos outros, Jorge Amado nasceu no dia 10 de agosto de 1912 e faleceu no dia 6 de agosto de 2001.

Serviço:

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
“Jorge Amado, 100 anos”
Exposição comemorativa do centenário de nascimento do Acadêmico e escritor.
Centro Cultural do Brasil, 1º andar, sede da ABL.
Avenida Presidente Wilson 203, Castelo, Rio de Janeiro.
Data da inauguração: 31/07/2012, terça-feira, às 16h30min

Visitação de segunda a sexta-feira, das 10 às 18 horas, até o dia 28 de setembro.

Entrada franca.

www.academia.org.br
Telefone: 3974-2500

sábado, 21 de julho de 2012

O Medalhista Olímpico



Aproximava-se a data dos jogos universitários e um dilema formara-se na delegação da UFAL: quem poderia defender com garra e entusiasmo a bandeira da natação? Havia de tudo na Universidade, menos, bons nadadores. Conversa daqui, briga dali, acusações mútuas de “porco chauvinista”, o jargão da época, quando uma luz milagrosa se acendeu:

- Por que não escolhemos o Juvenal? Ele nasceu e se criou comendo sururu na beira da Lagoa Mundaú, em Fernão Velho, deve ser um exímio nadador, um verdadeiro campeão.
- Isso, isso, isso! – pela primeira vez havia unanimidade nas diversas correntes ideológicas estudantis.

Juvenal topou a parada. Prometeu ser medalhista em Belo Horizonte, capital-sede dos jogos. No dia e hora da prova, a torcida da UFAL era toda do Juvenal. Era medalha de ouro na certa. Acostumado a atravessar a nado os mais de mil metros que separam o bairro de Fernão Velho da cidade de Coqueiro Seco, na outra margem da Lagoa Mundaú, não ia esfarrapar justamente quando mais se necessitava de suas braçadas.

Dado o tiro de largada, Juvenal pulou de cabeça na raia da piscina, afundou, emergiu, ficou em pé e retornou apavorado para a beirada. Uma vaia estrondosa ecoou no parque aquático. A mãe de Juvenal não saía da boca dos seus colegas. Enfiou a cabeça dentro d'água, achando que podia se esconder, mas faltou ar. Deu uma pirueta no ar, saiu da água e desapareceu no meio da multidão. Alguns alagoanos correram atrás, para tirar satisfação, mas só voltaram a encontrar o campeão na semana seguinte, na Universidade.  

Isolado dos colegas como se portador de doença contagiosa, acusado pelo Tribunal da Contra-Revolução de porco chauvinista traidor da pátria estudantil e entreguista militante da Direita a serviço do imperialismo americano, Juvenal ainda viveu um inferno astral para não ser jubilado a menos de um ano para colar grau: a UNE queria a sua cabeça numa bandeja, tal qual Salomé quis a de João Batista.

Muito tempo depois, já formado em Educação Física e fazendo bico como instrutor de natação, tomou um porre e desabafou a um colega que também fez parte daquela delegação:

- Naquele fatídico dia achei de vestir um short novo que havia comprado na Mesbla de Belo Horizonte, pois o meu estava com um buraco bem naquele lugar. Caí na besteira de vestir o short sem uma sunga por baixo e na hora que mergulhei ele foi arrastado pela água e, quando tentei dar a primeira braçada, senti que estava nu. Se eu continuasse, minha bunda ia aparecer e o short ia ficar pra trás. Por isso que saí daquele jeito, arrastando o short entre as pernas até a beira da piscina.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cineas Santos - Em nome do pai


         Tenho um amigo humorista que, se necessário, abre mão da amizade, mas não perde a piada. Certa feita, afirmou: “Ou o Cineas não tem pai, ou não passa de um bom filho da mãe”. A tirada humorística tem sua razão de ser: ao longo da vida, escrevi dezenas de textos sobre dona Purcina e poucos, muito poucos, sobre seu Liberato. Mais que minha mãe, dona Purcina foi minha bússola por muito tempo. Mesmo quando saí da influência do seu raio de ação, procurei pautar minha conduta tendo como chão o que aprendi com ela. Não bastasse isso, minha velha era meio “espaçosa”, autoritária e exigente. Uma autêntica matriarca do sertão.

         Já seu Liberato era um sertanejo simples, ordeiro, contido. Se tivesse de defini-lo usando um único adjetivo, eu nem pestanejaria: exato. Nunca o vi eufórico nem colérico. Não caçava, não pescava, não maltratava os animais. Não fazia versos, não tocava viola, não contava vantagens. Em matéria de música, conhecia duas, mas raramente cantava. Quando o fazia, não desafinava. Um homem perfeitamente integrado ao seu hábitat. Suas aspirações não iam além dos limites de suas roçadas. Ao longo da vida, fez apenas três viagens: Juazeiro (BA), Brasília e São Paulo. Em nenhuma delas fez boa colheita. Fincou raízes fundas no Campo Formoso de onde só saiu quando perdeu  a visão.

         Nascido no povoado São Braz (hoje, município de São Braz do Piauí), estudou apenas três meses. A despeito disso, sabia ler, escrever e contar. Da terra, sabia quase tudo, tanto que trabalhou a vida inteira numa gleba de 100 hectares sem exauri-la. Ao contrário dos lavradores vizinhos, nunca fazia queimadas. Limpava a terra e a preparava para o plantio com o mesmo cuidado que dedicava aos animais. Sabia ler os sinais da chuva em tudo: na floração dos mandacarus, na agitação das formigas ou na posição da boca do ninho do João-bobo. Dormia cedo e acordava muito cedo: precisava fazer a “leitura” da barra do dia, um indicador da presença ou da ausência das chuvas.

         Tinha apenas duas mudas de roupa, ambas azuis. Quando estava entre os seus, contava causos engraçados, com aqueles volteios que caracterizam a prosa sertaneja, tão bem recriada por Guimarães Rosa.

         Não seria exagero afirmar que era um sertanejo atípico: não gritava, não corria, não tinha receio de se mostrar terno e delicado. No final do dia, ao regressar do roçado, sempre nos trazia alguma coisa: uma melancia temporã, um favo de enxu, uma flor de rabo-de-raposa, uma simples pedrinha lisa... Com ele, aprendi a campear nuvens, tomar café forte, honrar a palavra empenhada, apreciar chuvas brandas e gostar de mulheres formosas. Um pai melhor do que ele eu não fiz por merecer.


sábado, 14 de julho de 2012

As promessas não cumpridas dos políticos nossos de cada dia



Assim como a maioria dos municípios brasileiros, o arraial do Junco comemora sua emancipação política em data equivocada. Levei o problema ao prefeito, ele encaminhou ao nobres edis que reconheceram mérito nas minhas colocações, pediram para fundamentar, fundamentei,  encaminhei para todos os vereadores, para o prefeito, para o secretário de Educação exatamente em agosto do ano passado, mas, infelizmente, acho que eles tiveram coisas mais importantes a fazer que pouca importância deram ao assunto.

Abaixo, as minhas alegações a respeito, encaminhadas aos nobres edis.

O QUE É  “O MUNICÍPIO”

Entende-se como “município” a cada uma das subdivisões territoriais dos estados membros de uma federação, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, constituído de Prefeitura, Câmara de Vereadores e órgãos gestores. Vem da palavra latina, “municipium”, antiga designação romana conferida às regiões conquistadas que tinham o privilégio de governar-se segundo suas próprias leis, em troca de obediência a Roma.

A divisão territorial brasileira teve início com as capitanias hereditárias, cujo objetivo maior era garantir a posse das terras para Portugal. Eram 15 unidades autônomas e desarticuladas entre si e seus donatários se constituíam na autoridade máxima dentro dos seus limites e tinham o compromisso de desenvolvê-las e povoá-las. Porém, devido a vários fatores, apenas duas capitanias prosperaram, o que obrigou a Coroa portuguesa a criar o Governo Geral, com o objetivo de centralizar a administração e a organização da colônia. A partir de 1720 os governadores gerais passaram a receber o título de vice-reis, cargo extinto em1808 com a chegada da família real ao Brasil.

As povoações mais importantes formadas dentro das capitanias receberam o foro de vila e passaram a ter uma câmara de vereadores como sede do seu governo, que acumulava as funções administrativas, legislativas e judiciárias, além de poder fiscalizar os alcaides do rei. Os vereadores tinham amplas prerrogativas e eram eleitos pela base do poder oligárquico local, chamados de “homens bons”. A ordenação jurídica que regulava o poder local era inspirada nas ordenações reais para a administração municipal portuguesa.

Em 1821 o sistema de capitanias foi extinto e as mesmas se transformaram em províncias. A constituição imperial de 1824 manteve seus limites e deu pouca autonomia aos seus governantes, sendo que os mesmos eram indicados pelo Imperador. Do mesmo modo, a autonomia municipal foi reduzida e as câmaras de vereadores passaram a ter funções meramente administrativas. Com o advento da República as províncias adquiriram natureza jurídica autárquica e se transformaram em estados autônomos em relação ao poder central. Já a Constituição republicana de 1891 foi omissa quanto à autonomia municipal, repassando às constituições estaduais o poder de decidir sobre o assunto. Isso gerou o centralismo político dos governadores que intervinham até nas eleições de prefeitos. A Constituição de 1934 conferiu ampla autonomia aos municípios, porém só durou até 1937, com a introdução do Estado Novo. Em 1939 os municípios passaram a ser tutelados pelo Estado.

Com a vitória dos aliados na 2ª Guerra Mundial, a ditadura Vargas caiu e em 1946 uma nova Constituição restabeleceu a autonomia dos municípios, porém a Ditadura Militar de 1964 impôs uma nova Constituição ao país, acabando com a autonomia política municipal e até extinguindo eleições livres em alguns, como as capitais e estâncias hidrominerais. Com o fim da Ditadura Militar em 1985 e com a nova Constituição de 1988, os municípios ganharam mais poderes e foram reconhecidos como o terceiro poder administrativo da federação. 

O ARRAIAL DO JUNCO, O DISTRITO E A CIDADE DE SÁTIRO DIAS

O arraial do Junco se originou em terras da Fazenda Junco de Fora, que fazia parte de uma das sesmarias dos Garcia d’Ávila e doadas ao inhambupense Conselheiro Dantas pelo Visconde da Torre. Em meados da década 1850 o Conselheiro Dantas convidou o vaqueiro João da Cruz para administrar esta Fazenda e o mesmo aceitou. Anos depois o Conselheiro colocou suas terras à venda e grande parte dela foi adquirida por João da Cruz, seus descendentes e mais outros parentes e amigos que migraram de Bom Conselho até a Fazenda Junco de Fora.

De 1877 a 1879 uma grande seca assolou o Nordeste, o que obrigou os filhos de João da Cruz a construir moradia num lajedo denominado “Malhada das Pedras”, que ficava perto da Lagoa das Pombas, propriedade de Manoel José da Cruz. Em 1884, Manoel José da Cruz fincou uma cruz no alto do morro de onde podia se ver as suas posses. Em 1887 a igreja de Inhambupe desmoronou e o padre passou a realizar missa nos locais onde havia casas de orações. Então Manoel José da Cruz, também conhecido como Manezinho dos Pilões, construiu uma casa de orações ao lado do cruzeiro, onde o padre de Inhambupe passou a celebrar missa. O local ficou conhecido como Alto da Cruz da Boa Vista. 

Como havia uma grande afluência de fazendeiros e agregados para a casa de orações nos dias de missa, os mesmos foram adquirindo lotes no lajedo de Manezinho dos Pilões e construindo casas para repouso depois de cumpridas as obrigações religiosas, e assim nasceu um arraial, denominado arraial do Junco, devido ao antigo nome da fazenda Junco de Fora. Em 1927 o arraial foi elevado à categoria de 4º distrito de Inhambupe com o nome de Sátiro Dias em homenagem a um médico inhambupense. Em 1958 foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Bahia o desmembramento de Inhambupe e assim ficou constituído o município de Sátiro Dias.

A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA E ADMINISTRATIVA DE SÁTIRO DIAS

Na década de 1950 os ideais separatistas ganharam forma na população do distrito de Sátiro Dias chegando ao auge em 1958, ano de eleições gerais. Liderados por Ioiô Cardoso e Piroca Reis, como eram conhecidos José Belarmino Cardoso e Pedro da Rocha Reis, respectivamente, este último, vereador em Inhambupe, o movimento pela emancipação retumbou na Assembleia Legislativa da Bahia o que levou o deputado João Carlos Tourinho Dantas, bisneto do Barão de Jeremoabo, a apresentar o Projeto de Lei nº 1.032, criando o município de Sátiro Dias. Votado, aprovado e sancionado pelo Governador Antonio Balbino em 14 de agosto de 1958, foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte.

O fato histórico foi comemoração pela população nos dias que se seguiram e até hoje é festejado o dia 14 de agosto de 1958 como a data magna municipal. Porém ocorreu uma interpretação equivocada da data da emancipação política que persiste até os dias atuais e que requer sua correção, tanto pelo poder executivo quanto pela egrégia câmara legislativa municipal, haja vista Sátiro Dias ter continuado sob o domínio de Inhambupe até o dia 06 de abril de 1959, se tornando município de fato e de direito no dia 07 posterior, conforme o enunciado categórico do Artigo 3º da Lei 1.032:. 

Art. 3º: “A eleição do Prefeito e Vereadores do Município de Sátiro Dias será realizada simultaneamente com as eleições gerais de 3 de outubro do corrente ano, e a instalação do município e posse dos eleitos efetivar-se-ão a 7 de abril de 1959, ficando o seu território, até lá, sob a administração de Município de Inhambupe.”  Decreto-Lei de nº 1.032 / 1958. 

Não obstante o Artigo supracitado deixar evidente que “a instalação do município” efetivar-se-ia a 7 de abril de 1959, a redação seguinte deixa claro que até o dia 06 de abril de 1959 Sátiro Dias seria administrado por Inhambupe, portanto, até esta data, ainda não havia um município legalmente constituído, com autonomia administrativa, econômica e política, consequentemente, não há como dizer-se “emancipado”. 

Observar-se-á no Art. 4º da referida Lei, abaixo por mim grifado, que Sátiro Dias é tratado, ainda, como distrito, ficando a arrecadação dos tributos municipais a cargo de Inhambupe, até a data de 06 de abril de 1959. 

Art. 4º - O município de Inhambupe, fica obrigado a aplicar no atual distrito de Sátiro Dias, até lá a sua instalação como município, 70% (setenta por cento), pelo menos, da renda nele arrecadada.
Decreto-Lei de nº 1.032 / 1958.

Para corroborar o exposto, a Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, também conhecida como a Constituição que mais obsequiou os anseios municipalistas, assim se manifestou quanto à autonomia dos municípios: 

“Art. 28 - A autonomia dos Municípios será assegurada:
        I - pela eleição do Prefeito e dos Vereadores;
        II - pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente,
        a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas;
        b) à organização dos serviços públicos locais.”
Constituição Federal de 18 de Setembro de 1946.

Estando o país à época da referida emancipação sob a égide da Constituição de 1946, é lícito reconhecer que antes do dia 07 de abril de 1959 não havia condicionante que levasse Sátiro Dias a se inserir no contexto constitucional da Carta Magna em vigor, por conseguinte, há de se inferir que ainda mantinha seu status quo de dependência de Inhambupe.

Destarte, baseado na arguição ora apresentada, faz-se necessário o resgate da autenticidade histórica por parte de vossas excelências: que se decrete o dia 07 de abril de 1959 como o dia da emancipação política do município de Sátiro Dias e revoguem-se as disposições contrárias.

Em anexo, transcrição da Lei 1.032 de 14 de agosto de 1958, cujo original do Diário Oficial encontra-se arquivado nos anais da Câmara de Vereadores de Sátiro Dias.

Certo de contar com vossas excelências, agradeço,

Atenciosamente,

Ronaldo Antonio Torres Cruz

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Luís Pimentel - Um dia difícil


      A menina estendeu a mão para o ônibus em Brás de Pina e entrou pela porta traseira. Gratificou a cobradora e o motorista com uma goiabada para cada um, desfalcando o estoque. Saltou na Central do Brasil e embarcou no Metrô, direção Botafogo, mergulhando por baixo da roleta e fazendo um agrado para o moço da segurança.

     Desceu na estação que fica ao lado do cinema e reabriu a caixa de goiabada no sinal. Vendia a vinte centavos, cada; três por cinquenta, sete por um real. A primeira freguesa comprou três unidades, disse “meus filhos adoram” e perguntou “que idade você tem, menina bonita?”. Ela respondeu “tenho doze”, mas a mulher nem ouviu porque já seguia em frente. Ainda bem, porque ela estava mentindo: tinha apenas dez. Logo depois um homem comprou também o seu produto e repetiu a pergunta da mulher, “que idade você tem?”, só que olhando fixamente para os pequeninos seios dela e comentando “você é bem gostosinha, sabia?”.

     A menina colocou a caixa de goiabadas em baixo do braço e se afastou. Aprendera que nessa hora é sempre melhor se afastar. A partir daí as coisas começaram a dar errado, porque o guarda que cuidava do ponto exigiu cinco goiabadas para deixar ela vender no sinal, uma mulher mal encarada disse que o preço cobrado “era um roubo” e o moleque que vendia amendoim no mesmo ponto começou a implicar com ela, procurando intimidade e dando petelecos em sua cabeça.

     Quando a tardinha começou a avermelhar a enseada de Botafogo a menina entendeu que estava na hora de voltar para casa, pegando novamente o Metrô e o ônibus na Central, tomando o devido cuidado de guardar um restinho de estoque para gratificar segurança, trocador e motorista. Chegou a casa antes do pai, que era biscateiro, e da mãe, empregada doméstica. Pegou no colo a boneca de pano, já um tanto esgarçada e encardida, deitou com ela entre os braços no colchonete e disse:

     -- Lilica, minha filhinha, hoje foi um dia difícil. Nem queira saber.