sexta-feira, 13 de julho de 2012

Luís Pimentel - Um dia difícil


      A menina estendeu a mão para o ônibus em Brás de Pina e entrou pela porta traseira. Gratificou a cobradora e o motorista com uma goiabada para cada um, desfalcando o estoque. Saltou na Central do Brasil e embarcou no Metrô, direção Botafogo, mergulhando por baixo da roleta e fazendo um agrado para o moço da segurança.

     Desceu na estação que fica ao lado do cinema e reabriu a caixa de goiabada no sinal. Vendia a vinte centavos, cada; três por cinquenta, sete por um real. A primeira freguesa comprou três unidades, disse “meus filhos adoram” e perguntou “que idade você tem, menina bonita?”. Ela respondeu “tenho doze”, mas a mulher nem ouviu porque já seguia em frente. Ainda bem, porque ela estava mentindo: tinha apenas dez. Logo depois um homem comprou também o seu produto e repetiu a pergunta da mulher, “que idade você tem?”, só que olhando fixamente para os pequeninos seios dela e comentando “você é bem gostosinha, sabia?”.

     A menina colocou a caixa de goiabadas em baixo do braço e se afastou. Aprendera que nessa hora é sempre melhor se afastar. A partir daí as coisas começaram a dar errado, porque o guarda que cuidava do ponto exigiu cinco goiabadas para deixar ela vender no sinal, uma mulher mal encarada disse que o preço cobrado “era um roubo” e o moleque que vendia amendoim no mesmo ponto começou a implicar com ela, procurando intimidade e dando petelecos em sua cabeça.

     Quando a tardinha começou a avermelhar a enseada de Botafogo a menina entendeu que estava na hora de voltar para casa, pegando novamente o Metrô e o ônibus na Central, tomando o devido cuidado de guardar um restinho de estoque para gratificar segurança, trocador e motorista. Chegou a casa antes do pai, que era biscateiro, e da mãe, empregada doméstica. Pegou no colo a boneca de pano, já um tanto esgarçada e encardida, deitou com ela entre os braços no colchonete e disse:

     -- Lilica, minha filhinha, hoje foi um dia difícil. Nem queira saber.





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