Tenho um amigo humorista que, se necessário, abre mão da
amizade, mas não perde a piada. Certa feita, afirmou: “Ou o Cineas não tem pai,
ou não passa de um bom filho da mãe”. A tirada humorística tem sua razão de
ser: ao longo da vida, escrevi dezenas de textos sobre dona Purcina e poucos,
muito poucos, sobre seu Liberato. Mais que minha mãe, dona Purcina foi minha
bússola por muito tempo. Mesmo quando saí da influência do seu raio de ação, procurei
pautar minha conduta tendo como chão o que aprendi com ela. Não bastasse isso,
minha velha era meio “espaçosa”, autoritária e exigente. Uma autêntica
matriarca do sertão.
Já seu Liberato era um sertanejo simples, ordeiro, contido.
Se tivesse de defini-lo usando um único adjetivo, eu nem pestanejaria: exato. Nunca o vi eufórico nem
colérico. Não caçava, não pescava, não maltratava os animais. Não fazia versos,
não tocava viola, não contava vantagens. Em matéria de música, conhecia duas,
mas raramente cantava. Quando o fazia, não desafinava. Um homem perfeitamente
integrado ao seu hábitat. Suas
aspirações não iam além dos limites de suas roçadas. Ao longo da vida, fez
apenas três viagens: Juazeiro (BA), Brasília e São Paulo. Em nenhuma delas fez
boa colheita. Fincou raízes fundas no Campo Formoso de onde só saiu quando
perdeu a visão.
Nascido no povoado São Braz (hoje, município de São Braz do
Piauí), estudou apenas três meses. A despeito disso, sabia ler, escrever e
contar. Da terra, sabia quase tudo, tanto que trabalhou a vida inteira numa
gleba de 100 hectares sem exauri-la. Ao contrário dos lavradores vizinhos,
nunca fazia queimadas. Limpava a terra e a preparava para o plantio com o mesmo
cuidado que dedicava aos animais. Sabia ler os sinais da chuva em tudo: na
floração dos mandacarus, na agitação das formigas ou na posição da boca do
ninho do João-bobo. Dormia cedo e acordava
muito cedo: precisava fazer a “leitura” da barra do dia, um indicador da
presença ou da ausência das chuvas.
Tinha apenas duas mudas
de roupa, ambas azuis. Quando estava entre os seus, contava causos
engraçados, com aqueles volteios que caracterizam a prosa sertaneja, tão bem
recriada por Guimarães Rosa.
Não seria exagero afirmar que era um sertanejo atípico: não
gritava, não corria, não tinha receio de se mostrar terno e delicado. No final
do dia, ao regressar do roçado, sempre nos trazia alguma coisa: uma melancia
temporã, um favo de enxu, uma flor de rabo-de-raposa,
uma simples pedrinha lisa... Com ele, aprendi a campear nuvens, tomar café
forte, honrar a palavra empenhada, apreciar chuvas brandas e gostar de mulheres
formosas. Um pai melhor do que ele eu não fiz por merecer.
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