domingo, 10 de março de 2013

Até mais ver, Sumpalo!




Amiga Rosicreide, você é minha e o boi não lambe. Aliás, a seca aqui está tão de morte que boi entrou para a lista de animais em extinção. Até o bumba-meu-boi andou morrendo de sede, só não me pergunte como, porque isso é coisa de política safada. Somente o senador continua com seus bois gordos e vistosos, por obra e graça do Divino Espírito Congresso Nacional.

Cá nas praieiras do Nordeste sinto saudades de nossos rastros desfeitos pelas brumas marinhas nas caminhadas matinais. Sei que você anda muito atribulada com seus afazeres profissionais, e que estava de viagem marcada ao Vaticano, em visita de cortesia ao papa Bento XVI. Saiu no jornal daqui. E deu na televisão. Agora entendo o porquê do Papa ter renunciado bruscamente e ter se escondido não-sei-onde. Ele sabia que não iria resistir à tentação. Mas, com tantos escândalos abalando as sacristias, um a mais ou um a menos não faria diferença. Pelo menos lavava a honra da Igreja com esse negócio de pedofilia e viadagem. Perdeu a oportunidade de entrar para a história como um papa macho, disse um vizinho meu, ateu de marca maior, quando lhe relatei o provável motivo da renúncia de Sua Santidade.

Estive assuntando uma visita a você, e cheguei até a selar a jeguinha, mas a mulher implicou: “Vai de avião, mané!” e eu disse: “Num vou!” Quem nasceu para voar foi passarinho, aí ela me convenceu que a comida de avião era muito gostosa, tinha uma bolacha cream-cracker maravilhosa, mas isso aí era se eu fosse pela Tam. “Pela Gol”, disse-me, “só se for de primeira classe. Passagem promocional só tem direito a copo de água de torneira”, concluiu. E quando eu estava de malas prontas e fazia planos de voo, um repórter disse na televisão que em São Paulo a polícia estava matando mais gente do que a volante dos tempos de Lampião, e que os bandidos estavam matando mais gente do que os cangaceiros do bando de Lampião, e outro repórter gritou admirado: “Duzentos por dia!” e apareceu o tal do secretário de segurança despreocupado e falante: “E isso é motivo de espanto?! Estatisticamente está dentro da normalidade.” E aí fiquei por cá matutando debaixo da sombra do coqueiro: se aqui morre um ou outro e as manchetes dizem que é o estado mais violento do mundo, por que duzentos está dentro da normalidade?

Como baiano burro nasce morto, sentei-me à beira da praia e um tubarão simpático e sorridente, vendo o meu dilema do ir e não-ir, me chamou para dois dedos de prosa dentro do mar. Olhei para ele e gritei: “Vou não!” e corri para casa e fui pesquisar na internet. Estatisticamente falando, não há registro de nenhum baiano engolido por tubarão e eu não seria o primeiro.  Depois eu me lembrei de que na praia aqui em frente não tem tubarão, então procurei um macumbeiro e ele desvendou o mistério sem cobrar um centavo pela consulta: “Esse tubarão é presságio para você não viajar”. E me deu uns passes mediúnicos à base de óleo de tubarão e pediu para que eu deixasse as passagens aéreas com ele, pois necessitavam de uns trabalhos de descarrego.

Assim, enquanto perdurar essa violência estatisticamente dentro da normalidade, continuo aqui com a minha jeguinha amarrada no mourão da tranquilidade praiana, soltando baforadas do meu cachimbo virtual esperando que você faça o inverso da arribação nordestina. Aqui as pessoas pacatas só morrem de morte natural ou por overdose de cocaína. E, como disse acima, você é minha e o boi não lambe. Nem mesmo o boi do senador.

sábado, 9 de março de 2013

Cineas Santos - A sucursal do Inferno




         Li não sei onde (a velhice é irreversível) uma notícia que me deixou estarrecido: três rapazes americanos brincavam com seus games de última geração na casa de um deles. Lá pelas tantas, depois de centenas de “mortes”, resolveram pedir uma pizza tamanho família e um refrigerante. Até aí, nada de extraordinário. Quando a campainha tocou, o dono da casa abriu a porta, recebeu a pizza e, em vez de pagar ao entregador, sacou uma pistola automática, de propriedade do pai, e fuzilou o infeliz no local. Fechou a porta e, sossegadamente, foi comer com os amigos. Na delegacia, sem demonstrar remorso, declarou friamente: “Só queríamos saber se gente de verdade morre como nos jogos e nos filmes”. A história, de tão absurda, não comportaria em nenhum texto de ficção, nem mesmo no chamado realismo mágico ou fantástico.

         Muito tempo depois, eu estava numa lan house em São Raimundo Nonato, num horário pouco movimentado. De repente, quatro rapazes adentraram a sala correndo. Como vivemos acovardados pelo medo imperante, preparei-me para o pior. Os rapazes entraram nas baias disponíveis e começaram um jogo no qual, se bem entendi, venceria quem eliminasse mais “inimigos”. A cada indesejável abatido, o atirador berrava como se tivesse marcado um gol numa decisão de campeonato mundial. Incomodado, resolvi sair do local. Antes, porém, perguntei ao cidadão que cuidava do espaço: isso é comum? O rapaz, sem levantar a voz, respondeu: “Todos os dias, quase sempre no mesmo horário”.

         Lembrei-me dessas duas histórias ao ler a entrevista de Bruce Willis na revista ISTOÉ (13/02/13). Bruce,todo mundo sabe, é aquele ator americano, grandão, truculento, que se especializou em filmes de ação, ou melhor, de destruição. A série “Duro de Matar” chega à 5ª edição com a mesma ferocidade das anteriores e mais alguma coisa. Em matéria de explosões e destruição de carros, o ator afirma: ”Acho que batemos algum recorde nesse setor”. Na entrevista insossa – a finalidade é só promover o lançamento do filme – fica-se sabendo do Bruce é um pai cuidadoso com as cinco filhas que tem, uma delas com pouco mais de um ano. Mas o que realmente interessa é o seguinte: o ator afirma, com todas as letras, não acreditar que filmes violentos possam influenciar alguém a tornar-se violento ou a cometer crimes. Quanto ao controle da venda de armas proposto por Obama, limita-se a dizer: “Os EUA deveriam controlar seus loucos”. Não explica como.

         Após ler a entrevista, conversei com um brasileiro, cidadão afável, que mora nos EUA, onde tem uma agência de viagem. Lá pelas tantas fiz a pergunta patética: meu irmão, se, de repente, o governo americano resolvesse recambiar todos os soldados americanos espalhados pelo mundo, o que aconteceria? O cidadão coçou a cabeça, esboçou um leve sorriso e afirmou: “Aquilo se transformaria na terra de Malboro”. Pedi-lhe permissão para discordar. O retorno de milhares de indivíduos que, desde a juventude, foram treinados para matar, transformaria o país do Tio Sam  na mais movimentada das sucursais do inferno. Aí, naturalmente, já não haveria lugar para a série “Duro de Matar”. Ação e violência seriam distribuídas generosamente a todos, sem a necessidade de comprar ingresso.
        
        

sexta-feira, 8 de março de 2013

domingo, 3 de março de 2013

Olha a banana... Olha o bananeiro!




Quando eu era adolescente e sobrevivia por conta e risco do meu suor juvenil para poder ter uns trocados para levar a namorada ao cinema, resolvi ser feirante na feira livre de Alagoinhas. Comprei um megafone fiado, para pagar em não-sei-quantas prestações semanais, e todos os dias apregoava meus produtos:

- Ovo e uva boa de Jundiaí! Aqui, mulher bonita não paga!

A propaganda é alma do negócio, dizia meu tio Edgard, dono de um armazém de secos e molhados e meu principal (e único) fornecedor de mercadorias. Um dia qualquer, como em qualquer dia, pisei em rastro de corno no caminho da feira. Mal comecei a falar no megafone, recebi um safanão no pé do ouvido que fiquei zonzo. Uma senhora esbravejou feito galo de briga:

- Seu moleque safado, eu lhe dei essa ousadia de ficar tirando graça comigo?!
- Eu?!
- Sim... Você!
- Mas o que foi que eu fiz?!
- Me chamando de viúva boa!
- Eu?! Só estou anunciando meus produtos: ovo e uva.
- Você não conhece cacófato não, seu moleque! Diga o contrário: uva e ovo!
- Desculpe moça, mas não conheci seu marido não... como é mesmo o nome dele? Ah! Cacófato! A senhora deve estar me confundindo com alguém.
- Deixa pra lá! Já vi que você é burro mesmo! – disse, e escafedeu-se no meio da multidão de feirantes. E tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes:

- Ovo e uva boa de Jundiaí! Mulher bonita não paga!

- Ei! Se é assim, eu vou levar a uva – falou uma jovem, caminhando na minha direção.
- Assim como, moça?
- “Mulher bonita não paga”...

Realmente ela era a “prinspa” que todo marmanjo queria, a nora que a minha mãe precisava, mas eu não podia ficar no prejuízo. Eu e a minha língua! Pensei rápido:

- Ah! Mas quem disse que a senhorita é bonita?
- Meus pais, meus amigos, meus primos, todo mundo que me conhece...
- E você se convenceu disso?
- Foi.
- E se eles estiverem mentindo para lhe agradar?
- Estão não.
- Como é que você sabe?
- Sabendo, ora!
- Então tá certo. Mas, pelo regulamento da barraca, você tem que provar que realmente é bonita. Você já ganhou algum concurso de miss?
- Não.
- Já saiu pelada na Playboy? Ele & Ela? Penthouse?
- Não.
- Então leve esse cacho de uva como prêmio de consolação, porque a simples palavra de pais e amigos não é o suficiente. Tem que ter documento oficial provando a beleza.

Ela fez beicinho de desconsolada, chupou a uva, gostou, comprou uma caixa, e no outro sábado estava lá para jogar conversa fora. E de sábado em sábado essa história só não terminou em casamento porque chegou um gaúcho de três facas vendendo uva mais gostosa do que a minha.


A Sétima Arte das Minhas Recordações




Em um cinema no interior de Pernambuco era assim: havia um cidadão que só pagava ingresso se o artista não morresse. Na Sexta-Feira da Paixão o prejuízo era inevitável.

Nesse mesmo cinema, o filme da Paixão de Cristo era anterior ao próprio Cristo. De tanto cortar e emendar, emendar e cortar a película, não era mais possível saber a sequência. Na última vez que assisti, o filme começou com Cristo pregado na cruz e terminou com o Anjo do Senhor aparecendo a Maria.

Pensei que o povo ia botar o cinema abaixo, mas todos saíram aplaudindo e chorando de emoção, talvez ungidos pelo espírito da Páscoa.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Cineas Santos - Roma locuta



                               
         O papa Paulo VI enfrentava sérios problemas para apascentar seu numeroso rebanho. Millôr Fernandes, sempre certeiro, disparou: “Se eu fosse o papa, vendia tudo e ia embora”. Pena que o filósofo do Méier não tenha vivido o bastante para ver Bento XVI, no dia 11 de fevereiro de 2013, anunciar que vai pegar o boné , o cajado e saltar fora da “Barca de Pedro”. Razões? Cansaço, velhice, problemas de saúde... Fez o comunicado em latim para que os anjos, antes dos humanos, tomassem ciência de sua decisão radical. Na noite daquele dia, um raio riscou o céu do Vaticano, “manifestação do Espírito Santo”, afirmam alguns.

         Não são poucos os que veem na renúncia de Bento XVI  um gesto de suprema humildade, de desapego ao poder, de responsabilidade. Muitos, porém, o acusam de fraqueza, debilidade e até covardia. A jornalista Bárbara Gancia, por exemplo, em artigo publicado na Folha, entre outras gentilezas, afirmou: “E o poder simbólico da resiliência? Que mensagem de perseverança Bento 16 nos deixa? Muito conveniente exigir todo tipo de sacrifício do fiel e depois exibir publicamente tamanha frouxidão”.

         Até que o Espírito Santo indique o novo pontífice, muita água vai rolar sob a ponte. As teses conspiratórias já estão em curso. As intrigas palacianas, as transações escabrosas, os interesses mais escusos, tudo isso renderá livros, documentários e filmes, o que é perfeitamente explicável: ninguém renuncia ao “Trono de São Pedro” impunemente. O último a fazê-lo, Celestino V (1294) teve de passar uma temporada na antessala do inferno de Dante Alighieri antes de ser canonizado por Clemente V em 1313.

         Conservador, erudito e sem nenhum carisma, Bento XVI será lembrado como um intelectual que se esforçou para corrigir os rumos de uma igreja marcada por escândalos de toda ordem: da pedofilia à lavagem de dinheiro. Sua renúncia, no entender de alguns vaticanistas, poderá acelerar o processo de oxigenação de uma instituição marcada por gritantes contradições: tem sido leniente com os crimes sexuais praticados por seus pastores, mas intolerante até com uso de preservativos e contraceptivos por parte dos fiéis. Há muitas questões abertas; a do celibato dos padres é a mais visível delas.

         Vaticanistas e simples especuladores acreditam que, para o bem da igreja, o próximo papa deve ser latino-americano ou africano. Resta combinar com o Espírito Santo que, parafraseando Murilo Mendes, baixa onde quer. Sem poder nenhum nem mesmo o de opinar, me limito a rogar  ao Paráclito para que escolha o ganense (ou ganês) Peter Turkson. Por amor à verdade, não o faço desinteressadamente: puxo a brasa para a minha sardinha, Com Obama na Casa Branca, Turkson no Vaticano e Joaquim Barbosa na Presidência do STF, poderei bater no peito e gritar: É nóis na fita, mano!