segunda-feira, 13 de abril de 2009

TIRADENTES: HERÓI OU PARVO?


Charge do Clayton


Hoje comemora-se o aniversário de enforcamento e esquartejamento do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o inconfidente mineiro, também conhecido como Tiradentes, precursor da nossa Independência, assunto debatido exaustivamente nas aulas de História do Ensino Fundamental e esquecido nas outras séries do ensino subsequente. Como o brasileiro tem memória curta, quase nenhum adolescente ou adulto se lembra mais quem foi o nobre mártir.

Para aqueles que hoje têm “uma vaga lembrança”, ou os que nunca frequentaram um banco de escola e aprenderam a ler pela Internet, falarei um pouco de um dos nossos heróis, porém devo ressaltar que a História não tem verdade absoluta nem versão definitiva, podendo haver controvérsias ou teses dos adeptos do “Muito Pelo Contrário”, principalmente sobre a titularidade de herói dada a Tiradentes e a real importância da Inconfidência Mineira sobre o advento republicano, vez que revolução se faz com armas e homens e os inconfidentes sequer tiveram tempo de dar um tiro. E na hora do pega pra capar, poucos foram condenados.

Assim como o ouro de Serra Pelada colocou o estado do Pará em posição econômica de destaque, para mais tarde os tucanos entregarem sua riqueza às mineradoras internacionais, nas primeiras décadas do século XVIII a Capitania de Minas Gerais viveu o seu apogeu aurífero, transformando-se em uma das mais prósperas da colônia, surgindo vários núcleos habitacionais no entorno das minas, florescendo ricas cidades, hoje chamadas de “cidades históricas”, a exemplo de Ouro Preto, São João del Rei, Mariana, etc. e tal. Ao contrário do que ocorreu em Serra Pelada, naquela época havia um rígido controle da Coroa sobre as minas e os mineradores. Cobravam-se impostos extorsivos e se promovia um rigoroso combate ao contrabando. Quando o ouro começou a escassear, na segunda metade do século XVIII, Sua Majestade Maria I, rainha de Portugal, não corrigiu a tabela de impostos e muita gente boa foi à bancarrota, endividada até o pescoço, sem condições de honrar suas dívidas com o Tesouro d’além-mar.

A corrida ao ouro transformou-se na maratona do desespero quando a Coroa resolveu cobrar os impostos atrasados de mineradores e não mineradores, aos moldes da Receita Federal de hoje. Com uma pequena e fundamental diferença: quem não pagasse, ia ver o sol nascer quadrado e teria os bens confiscados pelos enviados da Rainha. A tal operação pente-fino chamava-se “Derrama”, e esse nome não foi dado pela Polícia Federal.

Joaquim José da Silva Xavier, como se vê pelo “da Silva”, nasceu um autêntico brasileiro: pelo nome e pelas dívidas. Órfão aos nove anos da mãe, e aos onze, do pai, pequeno fazendeiro da hoje cidade de Tiradentes, foi morar com seu padrinho, o cirurgião Sebastião Ferreira Leitão, mais conhecido como Dr. Tião, pois, no Brasil, desde o seu Descobrimento, todo José é Zé, todo Manoel é Mané e todo Sebastião é Tião. Em Alagoas, todo Benedito é Biu desde a colonização.

O nosso herói e mártir ou mártir e herói - tanto faz, pois a ordem dos tratores não altera o viaduto - logo cedo virou ajudante do seu padrinho. Não por livre e espontânea vontade, mas porque era obrigado a trabalhar para pagar a comida que comia. Deste modo,  tornou-se um exímio tirador de dentes, sendo procurado pelos dentes podres da região e de outros cantos. Por causa da profissão, deram-lhe o epíteto de Tiradentes.

Cansado de tanta sangria e mau hálito, ainda jovem, mudou de profissão: comprou uma mula e virou mascate, comprando e vendendo mercadorias de Minas para a Bahia e vice-versa. Cansou-se das traiçoeiras e perigosas estradas “baianeiras” (mistura de baiana com mineira), cheias de salteadores e cobradores de impostos, pegou as economias que tinha juntado no seu tempo de arrancador de dentes, vendeu a mula e comprou umas terrinhas e quatro escravos. Não sabendo lidar com terras ou com escravos, faliu em tempo recorde e por pouco não virava escravo dos quatro escravos.

Aos trinta anos foi ser alferes da 6ª Companhia do Regimento de Cavalaria Paga de Minas Gerais (posto, hoje, equivalente ao 2º tenente do Exército), sendo destacado para missões perigosas de combate ao banditismo e ao contrabando de ouro, obtendo êxito total, promovendo a limpeza da região aurífera dos meliantes e contrabandistas.

A Conjuração Mineira foi um caldeirão de interesses endêmicos e convergentes, onde se misturaram interesses econômicos, ideário libertário e maçonaria e, se Tiradentes não tivesse se transformado em herói, podia ser chamado de inocente útil, pois, revoltado com sua promoção a capitão que nunca chegava por falta de um sobrenome de peso ou de padrinhos poderosos, indignado também com a pobreza que lhe rodeava, era a pessoa ideal para boi de piranha dos conspiradores, caso algo desse errado. Tanto contavam com um revés, que nunca deixavam prova documental de suas reuniões. Eram tantos os conspiradores que o conde de Barbacena, governador de Minas Gerais, mandou suspender as investigações por temer despovoar a capitania. Desconfia-se também que houve intervenção da maçonaria junto à Corte, pedindo pelos conjurados presos e por outros que ainda poderiam ser e não foram.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade era o lema dos “Pedreiros Livres”, os maçons, movimento criado na França e que dinamitou a monarquia naquele país, cuja revolução, coincidentemente, começou dois meses depois da data marcada para a Conjuração Mineira. Na bandeira dos inconfidentes havia um triângulo semelhante ao triângulo da bandeira revolucionária francesa, que justificaram como a Santíssima Trindade. Ser maçom declarado, naqueles tempos, era pedir para morrer queimado na fogueira santa da Inquisição.

Não foi por dinheiro que o coronel Joaquim Silvério dos Reis traiu os seus companheiros. Foi pela falta dele, para pagar as dívidas com o governo e suspender o processo de sequestro de seus bens, movido pelo fisco. De nada adiantou sua ignominiosa atitude: morreu pobre e miserável na capital do Maranhão. 

Havia também mais dois delatores: os militares portugueses Basílio de Brito Malheiros e Inácio Correia Pamplona, mas os livros de História só dão destaque ao coronel Silvério dos Reis.


Um bom advogado teria provado que um simples alferes não poderia jamais comandar seu comandante (Silvério dos Reis que era coronel e comandante do Regimento de Cavalaria), muito menos o clero, os intelectuais e a elite política e econômica da então região mais rica da colônia. Mas a farsa estava montada e Tiradentes passou três anos isolado na prisão da Ilha das Cobras. Foi condenado à pena de morte na forca juntamente com mais treze companheiros, porém, na hora da cobra fumar seu cachimbo de cânhamo, sobrou apenas para ele, que, além de “zé”, era um “da silva”.





terça-feira, 31 de março de 2009

A Nova Versão da Paixão de Cristo



“Coelhinho da Páscoa, que cores tu tens?” D.P.

Na Semana Santa é comum as cidades de interior encenarem a Paixão de Cristo pelas ruas, com grande participação popular, quer como atores, quer como figurantes, mas a maioria é de espectadores aflitos com a catástase bíblica. Em uma cidadezinha do interior de Alagoas, que muito lembra o arraial do Junco, essa representação teatral vem de longos anos e desde a sua primeira encenação que os atores são os mesmos, apesar do tempo a cada ano talhar novos sulcos no rosto do elenco.
No ano passado, faltando um mês para a apresentação do espetáculo, o diretor reuniu a trupe e falou sem meias palavras:
– É o seguinte pessoal: há muito tempo que estamos com as mesmas pessoas representando a Paixão de Cristo e alguns personagens já não convencem mais, pois ficaram defasados do projeto original. Este ano haverá mudanças no elenco e quero a compreensão de todos, pois não é mais possível continuarmos apresentando um Cristo careca, gordo, barrigudo e próximo dos sessenta anos. E Maria Madalena, então? Está vinte anos à frente da verdadeira. Pilatos? Né bom nem falar! Vocês já viram algum Pilatos desdentado e adunco?!
Ninguém ousou contestar. Contra fatos não há argumentos. A realidade se impunha cruamente quando se olhavam no espelho. Já era passada a hora de pedirem o boné.
Abriu-se a temporada de teste cênico. Vários candidatos se apresentaram. Um ator jovem, malhado e cheio de ginga foi o escolhido para fazer o papel de Jesus Cristo. Tatuagem no braço, brinco na orelha, não lembrava um mínimo o personagem central, mas levava uma carta de apresentação do Prefeito, principal financiador do espetáculo. Pelo menos tinha uma aparência Global, arrancaria suspiro das mulheres, tal qual Tiago Lacerda em Nova Jerusalém.
O antigo ator principal não ficou sem função. Em reconhecimento aos longos anos de serviço prestado à companhia teatral, arranjaram-lhe o papel do soldado que chicoteia Cristo no caminho do Calvário. Diante do destacamento policial da cidade, ele parecia um atleta e ninguém se lembraria do fato de que soldados romanos não se tornavam sexagenários.
Depois do clássico julgamento em que Pilatos lava as mãos, Jota Cristo foi condenado sem direito a recorrer aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Sem maiores delongas, puseram a coroa de espinho de plástico flexível na sua cabeça, e o empurraram aos tapas para a saída, onde a cruz de isopor estava à sua espera. Caminhou trôpego para cumprir as profecias, seguido por uma multidão de figurantes e espectadores. Estava escrito nas estrelas e assim teria que ser. Algumas pessoas mais sensíveis choravam às cântaras com o realismo do espetáculo e se auto-flagelavam açoitando as costas com galhos de cansanção. Não bastava a dor: tinham que sentir o ardor e assim expiar a culpa do suplício de Nosso Senhor Jesus Cristo no dia de Sua Paixão e Morte.
A encenação seguia normalmente até a hora que o soldado chicoteador, com raiva do ator que havia tomado o seu lugar, deu uma chicotada violenta, imprimindo rancor e ódio ao látego. O intérprete de Jota Cristo acusou o golpe, sem denunciar a dor. Pediu baixinho, rangendo os dentes:
– Devagar, cara! Isso aqui é uma encenação! Bata leve, de mentirinha!
O soldado fez ouvido de mercador. Lembrou-se das chicotadas que levou durante aqueles anos todos para depois ser preterido por um almofadinha com pinta de surfista. Sua raiva triplicou ante tal lembrança. Engoliu saliva com gostinho de vingança e baixou o sarrafo. Uma, duas, três chicotadas seguidas, rasgando a roupa e tirando sangue das costas do condenado. Jota Cristo jogou a cruz de lado, se livrou da coroa de espinho, deu um urro, arrebatou o chicote da mão do soldado e o surrou com raiva e fúria.
O povo, tomado pela forte emoção do espetáculo, pensando tratar-se de um novo enredo para a Paixão nos moldes da coragem sertaneja, aplaudiu entusiasticamente a reação de Cristo, elogiando sua atitude corajosa, de macho. Naquela terra de homens valentes, ninguém aprovava Seu jeito cordeirinho de aceitar morrer resignadamente, ainda mais sendo filho de quem era. Bastava dizer um “abracadabra” para a terra engolir todos os seus inimigos.
– Dá-lhe, Cristo! É assim que reage um cabra-macho! Acaba com esse fariseu safado! Pau nele!
Por conta desse realismo fantástico, foi reescrita uma nova versão do Evangelho, com um novo final histórico: em vez de ser crucificado, Jota Cristo foi recolhido ao xilindró por soldados à paisana, que não faziam parte do elenco.
O povo, em vigília solidária, varou a noite na porta da cadeia, exigindo a liberdade do ator. Sem a crucificação, não haveria Sábado de Aleluia e consequentemente o Judas não poderia ser malhado. As crianças perderiam o chocolate do Domingo de Páscoa e não poderiam cantar as cores do coelhinho.


quinta-feira, 26 de março de 2009

OS SABORES E OS AMORES


O CONTADOR E O CONTADOR DE ESTÓRIAS


Paraíso é um lugar fictício, mas pode ser qualquer cidade do interior do Nordeste, com seus causos e seus casos, suas crenças e crendices, vultos e aparições. Mulher menstruada não se depila, mulher parida não come farinha do mesmo dia e os umbigos das crianças são enterrados nos currais de gado para proteger os rebentos contra as investidas do filho do Malfazejo. O delegado e o prefeito formam o topo da pirâmide social, seguido do soldado de polícia e do cobrador de ônibus; o primeiro, responsável por manter a ordem dentro da ordem e o segundo, é o Hermes dos sertanejos, levando e trazendo mensagens e abarrotando a mala dos ônibus de todo tipo de bagagem. Houve cobrador que conseguiu a façanha de colocar um jumento no bagageiro do ônibus.

Quando Luiz Eudes pisou o chão de Paraíso, trazendo na mala um canudo de contabilista, mal sabia ele que estava escrevendo certo por linhas tortas, ou seja, que a profissão de contador de números reais e absolutos das empresas, daria lugar a um outro tipo de contador, o de estória, onde a lógica fria dos algarismos seria substituída pela fertilidade criativa de contar seus contos sem aumentar um ponto. Paulista de nascimento, e nordestino por devoção, cedo se encantou por Paraíso, fonte inesgotável de inspiração. Observando e absorvendo o modo e os costumes do povo paraiense, ele condensou uma coletânea de casos e causos nas páginas deste livro, em texto leve e bem-humorado, levando o leitor a rebuscar suas raízes rurais no imaginário de A Curva e a Montanha, em uma viagem surreal, cuja paisagem mostrada na janela do inconsciente, expõe singularmente a alma simplória e inocente do sertanejo.

São vinte e dois belíssimos contos selecionados pelo autor, predominando as estórias de cidade de interior, onde a urbe se confunde com a zona rural, e os personagens, apesar de não vestirem a carapuça do jeca, têm um comportamento peculiar ao que nós chamamos de tabaréus da roça, o nosso jeca, com suas crenças e descrenças, e uma estranha fobia de banhar-se em águas limpas, medo esse, herdado de nossos ancestrais portugueses, cuja tradução desse fato encontra-se deliciosamente relatado no conto “A Morte Mal Anunciada”.

Ao final da leitura, nossa alma caipira sente-se recompensada pela singeleza textual com que Luiz Eudes nos brinda ao narrar os casos e causos que povoam o imaginário popular do sertão nordestino, nas belíssimas e românticas noites de lua cheia.

quarta-feira, 11 de março de 2009

O DIA DA PADROEIRA

De Procissão


Aquele que se criou no sertão e não teve sua iniciação sexual com uma jega, cabra ou galinha, não pode dizer que teve infância. E aquele que nunca brigou quando menino, certamente nasceu um maricas.

Zé Bentinho fez tudo isso quando criança. E fez pior, pois contava com o apoio incondicional do pai. Não havia jega nas redondezas que não suspendesse o rabo quando de longe lhe avistasse; não havia cabra que, sentindo sua presença, não se encostasse ao barranco e berrasse: zéééééééé! Não existia criança naquele lugar que com ele não houvesse emendado os bigodes. Não fazia distinção de idade nem de físico, desde que fosse do seu tope, o desafeto.


Nenzão, seu irmão mais velho, de comportamento tímido e pacífico, muitas vezes se viu envolvido em confusão por causa do arreliento do Zé Bentinho. Em casa, nunca começaram uma brincadeira para que não terminassem se engalfinhando. Tonho Fiscal, pai dos dois pirralhos e fiscal da prefeitura, castigava Nenzão e premiava Zé Bentinho com um pirulito, por achar que, no sertão, homem que é homem não leva desaforo para casa.


- É de criança que se faz homem e filho meu tem que ser é macho! – dizia taxativo, quando alguma mãe chorosa ia à prefeitura reclamar do Zé Bentinho.


Nem todos na família concordavam com as diabruras do pirralho. O seu avô paterno, homem íntegro, achava que o seu neto estava mais para um moleque malcriado do que para um homem de respeito. “Homem para ser homem tem que ser respeitador!”, afirmava, quando o assunto era o seu neto e a educação recebida do pai. Muitas e muitas vezes entrara em atrito com o seu filho, Tonho Fiscal, por causa das molecagens do neto. E descia a madeira em Zé Bentinho quando o mesmo extrapolava as suas molecagens e o seu filho não tomava nenhuma atitude.


Eduardo de França podia se chamar Eduardinho, mas ganhou o apelido de Dudu Pareia graças a sua mania de chamar os colegas de “pareia”. Era um menino de comportamento discreto, porém, depois que se meteu com Zé Bentinho, passou a fazer parte do ditado que diz que “passarinho que acompanha morcego dorme de cabeça para baixo”. Não era arreliento nem malcriado como Zé Bentinho, mas costumava seguir o amigo nas safadezas. Dizia-se que fazia por medo. Pai morto em um desastre de automóvel, fora criado pelo avô, um sertanejo rígido na educação moral e dos bons costumes.

Zebedeu, dono da jega mais cobiçada pela molecada, e até por alguns adultos de Lagoa Azul, trazia sob severa vigilância o seu mais querido e mais sagrado animal todas as vezes que se via obrigado a sair de sua roça para ir à cidade comprar ou vender alguma coisa. Considerava uma terra de depravados, a Sodoma do Antigo Testamento, um antro de marginais e tarados. Porém ninguém haveria de fazer um malfeito com a sua inestimável jeguinha. Que os moleques vadios procurassem outro animal em outro pasto. O dele não, violão!

Comentava-se, à boca pequena, que Zebedeu mantinha um intenso caso de amor com sua protegida. Sentia mais ciúmes de seu animal do que de sua ex-noiva. Desmanchara o casamento pelo simples fato de ela esporar a jega em um raro dia em que ele a deixou praticar montaria e sair a trote pasto afora. Que triste dia! Só não meteu a mão na cara da noiva porque foi contido por um soco, dado pelo sogro, que mais lhe pareceu um coice. Foi o fim de um noivado de seis anos. E de uma amizade de vinte.

Um dia, dia de festa da Padroeira de Lagoa Azul, Zebedeu relaxou na vigilância. Sendo católico apostólico romano, fervoroso devoto da padroeira, acreditava que ninguém ousaria contrariar o ato sagrado da procissão em atitudes vis e pecaminosas. O belzebu queimaria no fogo do Inferno!

Zé Bentinho encontrou o seu amigo Dudu Pareia no justo momento em que descobriu Zebedeu no meio da multidão sem a sua companheira. Escapuliram de mansinho, entraram em um beco, saíram em uma rua deserta e avistaram a jega mais desejada do sertão pastando tranqüilamente em um terreno baldio. Olharam para os lados para ter certeza de que não foram seguidos, puxaram a jumenta pelo cabresto e se enfiaram numa casa abandonada.

Mal podiam acreditar no que estavam fazendo, mas estavam. A emoção era muito grande, enorme, deixando o coração num pulsar acelerado. Quando o feito heróico tivesse se espalhado, seriam considerados os maiorais do sertão. Ganhariam respeito. Teriam lucros imensuráveis: muitos lhes pagariam caro para que contassem a saga. Talvez virassem personagens de cordel, sendo cantados caatinga afora, pelos mais intrépidos violeiros:

Vou contar para vocês
Tudo o que aconteceu
Na proeza de Zé Bentinho
E a mimosa de Zebedeu
Deflorada na casa velha
Do finado Zé do Iguassu
No sagrado dia do jubileu
Da padroeira de Lagoa Azul.

Acompanhado do amigo Dudu
Seu escudeiro de plantão
Levaram o animal para a casa
Povoada de assombração
Consumando o ato depravado
Com a mais cobiçada do sertão.

Coube a Dudu Pareia a honra de ser o primeiro na disputa do par ou ímpar. E foi. Zé Bentinho ficou segurando o cabresto enquanto o seu amigo aliviava as tensões. Havia um misto de prazer e medo. Foi rápido, ejaculação precoce. Era a vez de Zé Bentinho, que mal continha a emoção; preparou-se lentamente para consumar o ato supremo da zoofilia. A jega era mais alta. Procurou alguma coisa para subir e encontrou uma cadeira velha. Era magro, leve, agüentaria seu peso. Subiu na cadeira e levantou o rabo da jega. Ela deu um passo para o lado. Desceu e se reposicionou, pedindo a Dudu para segurá-la com mais firmeza. Dudu obedeceu e ela aquiesceu. Os animais, nem mesmo as jegas, têm noção de fidelidade. Traição é coisa de ser humano. Zé Bentinho suspendeu o rabo e engatilhou o seu órgão sexual no justo instante em que adentraram a casa os dois avôs e o traído Zebedeu.

domingo, 8 de março de 2009

ILUSÕES DESNUDAS - RESENHA


Ilusões desnudas – Ronaldo Torres.

*Maria Olímpia Alves de Melo


Conheci Ronaldo Torres aqui, no Recanto das Letras, e logo nos tornamos amigos. A empatia foi natural e passamos a ser leitores um do outro. E agora, feliz como se fosse meu, recebo o livro impresso do Ronaldo: Ilusões Desnudas. Editado pela CBJE (Câmara Brasileira dos Jovens Escritores), o livro é lindo. É um livro: você pode cheirá-lo e acariciá-lo antes de abrir e começar a ler. E depois, seguir o conselho que veio impresso na orelha: ‘.. leitura perfeita para um final de tarde, deitado numa rede, ouvindo o canto dos passarinhos e o balançar dos galhos das árvores ao sabor da brisa suave (Luiz Eudes Cruz de Andrade). Tirando fora a rede, com a qual nunca me acostumei, foi o que fiz. Na verdade, reli. Lá fora, entrando pela janela do meu quarto, além dos passarinhos, um cão latindo. Tarde perfeita.

Ronaldo, a quem todos chamam de Tom, é um escritor completo: Escreve contos, crônicas, poemas e o que mais lhe aprouver, porque sabe do mister, o segredo. Dele tive a audácia de resenhar um conto, publicado aqui, em capítulos: O homem que pensou ser Deus. E audácia maior, aceitar o convite para escrever a contra capa do livro. O que fiz com carinho. E de audácia em audácia faço esta resenha para apresentar a vocês o livro do meu amigo.

Seus escritos ora são ternos e suaves, ora irônicos e bem humorados. Busca inspiração dentro da própria vida e recupera as lembranças do Junco, onde passou a infância, tempo que o marcou para sempre. E o marcou tanto que considera ter sido esta a sua sorte maior:

A minha sorte maior

foi ter nascido poeta

na centro da caatinga

do Sertão brasileiro (...).

Sua memória, porém vai mais longe, buscando o poema nos arquétipos distantes encontrados no folclore e na mitologia. Canta a chuva e a noite procurando na insônia e no sonho registro para a sua alegria e sua dor. Sabe usar a palavra em jogos sutis e ritmados. O poema que dá título ao livro joga ao chão a ilusão humana de ser mais do que é, desnudando o homem em sua pretensão de ser o que não é. Começou o poema, Carta aberta a uma entidade falida, com o verso antológico: não te aborreças se um dia eu falar de saudades. E sintam a beleza da última estrofe do amargurado Rotina:

Os passos lentos,

cautelosos,

preguiçosos,

vagarosos,

saúdam a rotina

do recomeçar:

- Bom dia, patrão!

A capa do livro é de Allan Oliveira. Engrenagens monocromáticas em vermelho, o título em negro refletido como em um espelho, em branco. Muito bonita. Em uma página em branco, a dedicatória: Para Edna (Edna Lopes, também minha amiga e companheira no Recanto), Flávia, Cláudia, Ivo e Vinicius, e para os netos Bia e Gabriel.


Não sei o preço do livro. Ganhei. Mas, se não tivesse ganhado, teria comprado. Por qualquer preço. Para ter sempre em mãos, comigo, os versos de um amigo realmente talentoso.


* Escritora mineira e, aos domingos, cozinheira. Mais sobre a autora pode-se encontrar clicando no link abaixo:

http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=27042



sábado, 7 de março de 2009

Deu No Jornal CALILA NOTÍCIAS, de Conceição do Coité



(Copiado do jornal on line www.calilanotícias.com) [Removidas as imagens de violência]

03/03/2009 10:56:28
CALILA NOTÍCIAS

População de Sátiro Dias vive com medo

Um novo delegado foi designado para tentar conter a onda de violência que assusta os moradores

Quem vive em Sátiro Dias (BA), vive com medo. "A violência está demais. Um absurdo! Do jeito que está não dá não", reclama uma moça. "É crime, é muito crime em Sátiro Dias", enfatiza um rapaz. "É violência demais", resume outra moça. Todos com medo não quiseram se identificar.

A última ocorrência foi no domingo á noite (01/03) quando um lavrador foi encontrado morto com requinte de crueldade - Esmeraldo Oliveira da Costa, 47 anos, residente na Fazenda Varões, 08 km da sede, foi encontrado morto em uma estrada vicinal, próximo da comunidade onde mora.

Estava semi-nu, com a orelha dilacerada, a princípio por dentada, em um ambiente como houvesse luta corporal e próximo ao corpo, um par de sapatos, outros de sandálias, dois litros de aguardente e uma bicicleta ranger.

As primeiras informações que teria morrido de traumatismo craneano, com um corte a altura do pescoço. Esta confirmação está sendo aguardada pela policia depois dos resultados dos exames efetuados no IML de Alagoinhas.

Para Raimundo Oliveira da Costa, 37 anos, irmão de Esmeraldo Oliveira, conhecido por Lauro, garante que a bicicleta encontrada perto do corpo, não é do irmão. "Ele tem uma monark antiga e toda quebrada, que deixou no bar Antonio de Bela". Não sabe sobre os sapatos e as sandálias.

Lauro saiu de casa ás 15h de domingo, segundo Matilde Oliveira da Costa, 76 anos, mãe da vitima. Na casa de Dona Matilde, morava ela, o filho e um neto. "Quando ele saiu de casa, disse que voltava logo, pois ia trocar a roupa e ir para rua (cidade). Esperei e nada. Escureceu e só hoje (segunda-feira), fiquei sabendo do ocorrido" lamenta.

A aposentada confirmou a informação que a bicicleta de Lauro ficou no Bar de Antonio de Bela, na fazenda Riachão. Disse que a encontrada era do companheiro dele conhecido com Valderino, filho do finado Antonio de Ana, que é primo dele e "eu acredito que não faria mal a meu filho", lamenta mais uma vez.

Dona Matilde garante que "Lauro saiu de sandália, portanto o sapato é do companheiro". Enquanto o repórter Valdemi de Assis conversava com a mãe da vitima, um lavrador que não quis se identificar, afirmava que conversou com a esposa de Valderino e na versão contada pro ele, os dois quando voltavam, para casa sofreram uma tentativa de assalto.

O marido fugiu e Lauro lutou com os ladrões. "Ela disse que depois disso, ele não sabe mais nada".

Procurado, Valdemiro não foi encontrado, pois estava trabalhando em uma roça longe de casa, falou uma vizinha que não viu ele durante o dia.

Até ás 18h de segunda-feira, a delegacia não tinha registrado o fato e a vitima era desconhecida. O corpo foi neclopciado no IML de Alagoinhas e sepultado na terça-feira (03), em Sátiro Dias.

Sátiro Dias, distante 90 km de Conceição do Coité, situa-se no litoral norte baiano, nordeste da micro-região de Alagoinhas, fazendo divisa, ao norte, com Tucano, Nova Soure e Olindina; ao sul, com Água Fria e Inhambupe; ao leste, com Olindina e Inhambupe e a oeste com Biritinga e Araci, sendo que seu principal acesso se dá pela BA-233, que liga a sede do município à BR-110, ao norte de Inhambupe.

A cidade vem vivendo nos últimos meses um clima de muita insegurança, com assaltos, assim como a presença de usuários de drogas.

A comunidade teme o crescimento desenfreado da violência. ‘Temos além do homicidio de domingo, várias histórias de assaltos e agressões que ocorreram nos últimos dias, a exemplo do assalto ao Bar do Sr. José Alves da Costa, residente no Povoado de Jurema, a 10 km da cidade. Esta violência esta acontecendo na zona rural e na zona urbana’, disse a estudante Ana Paula Santos, 22 anos, moradora no povoado de Bela Vista.

Uma equipe do CN, integrada pelo repórter Valdemi de Assis e o fotografo Raimundo Mascarenhas, estiveram segunda-feira (02), na cidade, e encontrou José Alves da Costa, 50 anos, comerciante na comunidade de Jurema, ele estava na delegacia pra prestar queixa do assalto que sofreu e foi atingido por dois tiros.

Contou ao CN que na quinta-feira (26), por volta das 19h, estava com quatro clientes no bar, quando três homens chegaram atirando e anunciando o assalto. "Foi uma verdadeira agonia. Fui logo ferido no braço, os clientes deitaram no chão, os bandidos demonstravam muito nervosos, eles fugiram levando apenas um facão. Insatisfeito, eles voltaram atirar em mim, ferindo na perna", conta o comerciante. " Eram escuros, baixos, média de 27 anos", concluiu Zé Alves.

Município com pouco mais de vinte mil habitantes, cerca de 700 Km². Além da sede, tem dois povoados de médio porto, Mimoso e Bela Vista, ambas com população estimada entre 1.500 a 2000 habitantes, chegou a ter um efetivo de cinco policiais militares diariamente por guarnição, hoje apenas dois, sob o comando do Tenente Lima. Na Policia Civil, além do delegado Luiz Filgeurias, o município tem dois agentes, que revezam plantão a cada sete dias. É comarca de primeira entrância presidida pelo juiz Marcos Vinicius e no ministério público, o promotor substituto João Paulo, titular de Olindina.

Delegado assumiu há trinta dias - Luiz Filgueiras, assumiu a um mês delegacia, vindo de Crisópoles, onde ainda responde até que chegue o substituto, sabia, antes de assumir, a onda de violência que o município estava vivendo, "não ao ponto de ser nada preocupante", disse.

Sabia de alguns furtos, assalto aos idosos no começo do mês, período de pagamento aos aposentados. Ele disse que encontrou alguns registros de ocorrências e estão sendo investigados, inclusive, como base em uma linha de raciocínio, estão sendo identificados e logos serão presos. "São casos que tem haver um com outro e outros, casos isolados", falou Filgueiras.

"Nossa dificuldade é estrutural, falta de policiamento e a população que não colabora com informações" desabafa.

O delegado acredita que possa trabalhar com mais rapidez, pois o juiz Marcos Vinicius que estava afastado por problemas de saúde, retornou as atividades na segunda-feira

(02) e “com relação a alguns pedidos de prisão solicitados pela delegada anterior estão sem analisar e agora acredito que estão na pauta e vão andar”, desabafa.

Cidade não tem muita droga - Com referencia as drogas, o delegado tranqüiliza que não é grande volume. "Existem alguns usuários, desconheço ponto de vendas, mais faremos um trabalho que ela não se alastre", garante.

Dr. Filgueira não descarta a hipóteses destes roubos que estão acontecendo no município tenham, a haver com os usuários de drogas, que roubam para comprar o produto.

Prefeito assumiu o município com muitos problemas - Joaquim Neto (PR) reconhece que recebeu o município com muitos problemas, em todas as áreas. Os carros não funcionavam, um divida assustadora com INSS, escolas necessitando de reformas e a segurança, um problema emergencial. O prefeito vai reformular a guarda municipal, equipando e dando melhores condições de trabalho. Esteve reunido na tarde de segunda-feira com o delegado e esta marcando uma audiência com o secretário de segurança pública para reivindicar o aumento do efetivo, tanto na Policia Militar, quanto a Civil.

"Peço paciência, pois a situação que encontramos a Prefeitura foi desastrosa, mais iremos enfrentar o problema de segurança de frente e sei que vou contar com o Governo", declarou Joaquim.

Por: Valdemí de Assis. Fotos: Raimundo Mascarenhas e Foto Santo Antonio



quarta-feira, 4 de março de 2009

DIA INTERNACIONAL DA MULHER I


Hoje é moleza ser feminista, segurar o mastro da bandeira nas passeatas com algumas reivindicações justas e legítimas, como o direito amplo e irrestrito ao orgasmo contínuo e múltiplo; algumas reivindicam demandas infundadas e absurdas, como a divisão das tarefas domésticas com os homens. Outras bandeiras denotam certo desprezo pela Criação e desfraldam um radicalismo exacerbado, lembrando os antigos camaradas xiitas do PT, na tentativa de moldar o mundo segundo suas convicções político-dogmáticas: simplesmente querem inverter a posição na cama, e o ativo passa a ser o passivo, seguindo o princípio oracional de São Francisco: é melhor dar do que receber.


Devagar com o andor que o santo é de barro. Voltando aos tempos do poder patriarcal dos senhores de engenho ou dos barões do café, as ditas feministas de hoje vacilariam frente a esses senhores que dominavam a economia, a política, a cultura, a vida e a alma dos brasileiros e que se casavam apenas para ter uma mulher para dar porrada, fazer filhos e tomar conta das mucamas. Eles podiam tudo, inclusive estuprar e matar as metidas a feministas.


Em 1789, tomada pelos ventos libertários, a Assembléia Nacional francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem. Em 1791, embalada pelo lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” cravado na bandeira do ideário revolucionário, a escritora francesa Marie Olympe Gouze (Olympe de Gouges) lançou também o seu manifesto “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”. Pegos de calças-curtas, os nobres revolucionários acharam tal manifesto uma afronta à moral e aos bons costumes. Que significava aquilo? Revolução das calcinhas dentro da grande revolução dos cuecões? Lugar de mulher era na cozinha e assim deveria continuar. Quem lavaria a louça? Quem trataria do javali antes de ir à panela?


Olympe de Gourges, a primeira feminista da história, foi a julgamento em um tribunal predominantemente machista. O circo estava armado e ela foi condenada à pena capital, sob a acusação de “ter querido ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes próprias do seu sexo.” Foi guilhotinada em 1793 sem que nenhuma outra mulher tenha saído em sua defesa.


Desta maneira, ó simpáticas feministas burocráticas enclausuradas em amplas salas refrigeradas deste imenso gigante adormecido, dêem-me notícias das 129 tecelãs de Nova Iorque, vítimas da arrogância e da prepotência do poder econômico! Vós, que colocais o termostato do condicionador de ar no máximo para poder vestir o casaco de vison, talvez não saibais que o 8 de março não foi escolhido aleatoriamente para ser o dia internacional da mulher, apesar de que, neste solo pátrio, todo dia é dia de luta da mulher para ocupar um lugar ao sol. Saibam, ilustres senhoras, que esta data foi escrita com sangue e fogo.


No dia 8 de março de 1857, 129 tecelãs em Nova Iorque se cansaram da exploração patronal e se uniram em um movimento reivindicatório, exigindo redução da jornada diária do trabalho, de 16, para 10 horas. Além de trabalharem mais, ganhavam apenas quarenta por cento do salário dos homens. Quando chegavam a casa, exaustas, encontravam uma pilha de pratos a serem lavados, comida a ser feita, filho para amamentar e beira do rio para lavar roupa, pois lavanderia era coisa a ser inventada. Não era justo tamanha exploração. Cruzaram os braços e saíram à rua a fazer barulho, sendo que encontraram uma forte e violenta repressão policial. Voltaram à fábrica achando ser um abrigo seguro. Os patrões e a polícia trancaram as portas e atearam fogo na fábrica, matando-as na imensa fogueira formada.


Em 1910, na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada na Dinamarca, a alemã Clara Zetkin propôs o dia oito de março como o dia Internacional da Mulher, em homenagem àquelas 129 mártires de Nova Iorque. A proposta foi aceita e nesse dia as mulheres do mundo todo se dão as mãos em busca de fortificar o movimento feminista, propondo o fim da hegemonia político-econômico-administrativa masculina, seguindo o lema dos compositores mineiros Beto Guedes e Ronaldo Bastos quando dizem “Vamos precisar de todo mundo / um mais um é sempre mais que dois”, se bem que esses versos foram escritos bem depois, o que não invalida o grito de guerra “Mulheres / unidas / jamais serão vencidas!” que encerrou a II Conferência na Dinamarca.


Proposições justas, por sinal, porém o movimento reivindicatório esbarra na própria instabilidade da vaidade feminina quando passa batom nos lábios frente a um espelho, no dia seguinte, e nos 364 que se sucedem até o próximo 8 de março; elas (as feministas e não as mulheres em si) são incapazes de se olhar fraternalmente como companheiras de luta e seguir um propósito comum; em vez disso, engalfinham-se feito onças-de-unhas-pintadas disputando um território selvagem, inaptas em abraçar a causa libertária e tornar suas reivindicações numa bandeira ideológica permanente.


Fala mais alto a vaidade histórica e cada uma mira-se no espelho com a desconfiança aguda de quem encara uma rival.