quinta-feira, 26 de março de 2009

OS SABORES E OS AMORES


O CONTADOR E O CONTADOR DE ESTÓRIAS


Paraíso é um lugar fictício, mas pode ser qualquer cidade do interior do Nordeste, com seus causos e seus casos, suas crenças e crendices, vultos e aparições. Mulher menstruada não se depila, mulher parida não come farinha do mesmo dia e os umbigos das crianças são enterrados nos currais de gado para proteger os rebentos contra as investidas do filho do Malfazejo. O delegado e o prefeito formam o topo da pirâmide social, seguido do soldado de polícia e do cobrador de ônibus; o primeiro, responsável por manter a ordem dentro da ordem e o segundo, é o Hermes dos sertanejos, levando e trazendo mensagens e abarrotando a mala dos ônibus de todo tipo de bagagem. Houve cobrador que conseguiu a façanha de colocar um jumento no bagageiro do ônibus.

Quando Luiz Eudes pisou o chão de Paraíso, trazendo na mala um canudo de contabilista, mal sabia ele que estava escrevendo certo por linhas tortas, ou seja, que a profissão de contador de números reais e absolutos das empresas, daria lugar a um outro tipo de contador, o de estória, onde a lógica fria dos algarismos seria substituída pela fertilidade criativa de contar seus contos sem aumentar um ponto. Paulista de nascimento, e nordestino por devoção, cedo se encantou por Paraíso, fonte inesgotável de inspiração. Observando e absorvendo o modo e os costumes do povo paraiense, ele condensou uma coletânea de casos e causos nas páginas deste livro, em texto leve e bem-humorado, levando o leitor a rebuscar suas raízes rurais no imaginário de A Curva e a Montanha, em uma viagem surreal, cuja paisagem mostrada na janela do inconsciente, expõe singularmente a alma simplória e inocente do sertanejo.

São vinte e dois belíssimos contos selecionados pelo autor, predominando as estórias de cidade de interior, onde a urbe se confunde com a zona rural, e os personagens, apesar de não vestirem a carapuça do jeca, têm um comportamento peculiar ao que nós chamamos de tabaréus da roça, o nosso jeca, com suas crenças e descrenças, e uma estranha fobia de banhar-se em águas limpas, medo esse, herdado de nossos ancestrais portugueses, cuja tradução desse fato encontra-se deliciosamente relatado no conto “A Morte Mal Anunciada”.

Ao final da leitura, nossa alma caipira sente-se recompensada pela singeleza textual com que Luiz Eudes nos brinda ao narrar os casos e causos que povoam o imaginário popular do sertão nordestino, nas belíssimas e românticas noites de lua cheia.

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