segunda-feira, 13 de abril de 2009

TIRADENTES: HERÓI OU PARVO?


Charge do Clayton


Hoje comemora-se o aniversário de enforcamento e esquartejamento do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o inconfidente mineiro, também conhecido como Tiradentes, precursor da nossa Independência, assunto debatido exaustivamente nas aulas de História do Ensino Fundamental e esquecido nas outras séries do ensino subsequente. Como o brasileiro tem memória curta, quase nenhum adolescente ou adulto se lembra mais quem foi o nobre mártir.

Para aqueles que hoje têm “uma vaga lembrança”, ou os que nunca frequentaram um banco de escola e aprenderam a ler pela Internet, falarei um pouco de um dos nossos heróis, porém devo ressaltar que a História não tem verdade absoluta nem versão definitiva, podendo haver controvérsias ou teses dos adeptos do “Muito Pelo Contrário”, principalmente sobre a titularidade de herói dada a Tiradentes e a real importância da Inconfidência Mineira sobre o advento republicano, vez que revolução se faz com armas e homens e os inconfidentes sequer tiveram tempo de dar um tiro. E na hora do pega pra capar, poucos foram condenados.

Assim como o ouro de Serra Pelada colocou o estado do Pará em posição econômica de destaque, para mais tarde os tucanos entregarem sua riqueza às mineradoras internacionais, nas primeiras décadas do século XVIII a Capitania de Minas Gerais viveu o seu apogeu aurífero, transformando-se em uma das mais prósperas da colônia, surgindo vários núcleos habitacionais no entorno das minas, florescendo ricas cidades, hoje chamadas de “cidades históricas”, a exemplo de Ouro Preto, São João del Rei, Mariana, etc. e tal. Ao contrário do que ocorreu em Serra Pelada, naquela época havia um rígido controle da Coroa sobre as minas e os mineradores. Cobravam-se impostos extorsivos e se promovia um rigoroso combate ao contrabando. Quando o ouro começou a escassear, na segunda metade do século XVIII, Sua Majestade Maria I, rainha de Portugal, não corrigiu a tabela de impostos e muita gente boa foi à bancarrota, endividada até o pescoço, sem condições de honrar suas dívidas com o Tesouro d’além-mar.

A corrida ao ouro transformou-se na maratona do desespero quando a Coroa resolveu cobrar os impostos atrasados de mineradores e não mineradores, aos moldes da Receita Federal de hoje. Com uma pequena e fundamental diferença: quem não pagasse, ia ver o sol nascer quadrado e teria os bens confiscados pelos enviados da Rainha. A tal operação pente-fino chamava-se “Derrama”, e esse nome não foi dado pela Polícia Federal.

Joaquim José da Silva Xavier, como se vê pelo “da Silva”, nasceu um autêntico brasileiro: pelo nome e pelas dívidas. Órfão aos nove anos da mãe, e aos onze, do pai, pequeno fazendeiro da hoje cidade de Tiradentes, foi morar com seu padrinho, o cirurgião Sebastião Ferreira Leitão, mais conhecido como Dr. Tião, pois, no Brasil, desde o seu Descobrimento, todo José é Zé, todo Manoel é Mané e todo Sebastião é Tião. Em Alagoas, todo Benedito é Biu desde a colonização.

O nosso herói e mártir ou mártir e herói - tanto faz, pois a ordem dos tratores não altera o viaduto - logo cedo virou ajudante do seu padrinho. Não por livre e espontânea vontade, mas porque era obrigado a trabalhar para pagar a comida que comia. Deste modo,  tornou-se um exímio tirador de dentes, sendo procurado pelos dentes podres da região e de outros cantos. Por causa da profissão, deram-lhe o epíteto de Tiradentes.

Cansado de tanta sangria e mau hálito, ainda jovem, mudou de profissão: comprou uma mula e virou mascate, comprando e vendendo mercadorias de Minas para a Bahia e vice-versa. Cansou-se das traiçoeiras e perigosas estradas “baianeiras” (mistura de baiana com mineira), cheias de salteadores e cobradores de impostos, pegou as economias que tinha juntado no seu tempo de arrancador de dentes, vendeu a mula e comprou umas terrinhas e quatro escravos. Não sabendo lidar com terras ou com escravos, faliu em tempo recorde e por pouco não virava escravo dos quatro escravos.

Aos trinta anos foi ser alferes da 6ª Companhia do Regimento de Cavalaria Paga de Minas Gerais (posto, hoje, equivalente ao 2º tenente do Exército), sendo destacado para missões perigosas de combate ao banditismo e ao contrabando de ouro, obtendo êxito total, promovendo a limpeza da região aurífera dos meliantes e contrabandistas.

A Conjuração Mineira foi um caldeirão de interesses endêmicos e convergentes, onde se misturaram interesses econômicos, ideário libertário e maçonaria e, se Tiradentes não tivesse se transformado em herói, podia ser chamado de inocente útil, pois, revoltado com sua promoção a capitão que nunca chegava por falta de um sobrenome de peso ou de padrinhos poderosos, indignado também com a pobreza que lhe rodeava, era a pessoa ideal para boi de piranha dos conspiradores, caso algo desse errado. Tanto contavam com um revés, que nunca deixavam prova documental de suas reuniões. Eram tantos os conspiradores que o conde de Barbacena, governador de Minas Gerais, mandou suspender as investigações por temer despovoar a capitania. Desconfia-se também que houve intervenção da maçonaria junto à Corte, pedindo pelos conjurados presos e por outros que ainda poderiam ser e não foram.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade era o lema dos “Pedreiros Livres”, os maçons, movimento criado na França e que dinamitou a monarquia naquele país, cuja revolução, coincidentemente, começou dois meses depois da data marcada para a Conjuração Mineira. Na bandeira dos inconfidentes havia um triângulo semelhante ao triângulo da bandeira revolucionária francesa, que justificaram como a Santíssima Trindade. Ser maçom declarado, naqueles tempos, era pedir para morrer queimado na fogueira santa da Inquisição.

Não foi por dinheiro que o coronel Joaquim Silvério dos Reis traiu os seus companheiros. Foi pela falta dele, para pagar as dívidas com o governo e suspender o processo de sequestro de seus bens, movido pelo fisco. De nada adiantou sua ignominiosa atitude: morreu pobre e miserável na capital do Maranhão. 

Havia também mais dois delatores: os militares portugueses Basílio de Brito Malheiros e Inácio Correia Pamplona, mas os livros de História só dão destaque ao coronel Silvério dos Reis.


Um bom advogado teria provado que um simples alferes não poderia jamais comandar seu comandante (Silvério dos Reis que era coronel e comandante do Regimento de Cavalaria), muito menos o clero, os intelectuais e a elite política e econômica da então região mais rica da colônia. Mas a farsa estava montada e Tiradentes passou três anos isolado na prisão da Ilha das Cobras. Foi condenado à pena de morte na forca juntamente com mais treze companheiros, porém, na hora da cobra fumar seu cachimbo de cânhamo, sobrou apenas para ele, que, além de “zé”, era um “da silva”.





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