
sábado, 2 de maio de 2009
PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE

quinta-feira, 30 de abril de 2009
DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

Há dias que a gente acorda assim, com uma estranha vontade de trabalhar, mas depois que se levanta, escova os dentes e prepara a marmita do meio-dia, as tele-notícias matutinas informam que é o Dia do Trabalho e, portanto, ninguém deve trabalhar.
Pernas pro ar que ninguém é de ferro.
Chicago, sempre Chicago, e suas manifestações históricas dando exemplo de luta proletária ao mundo. No entanto a propaganda comunista dizia que isso era coisa do marxismo-leninista militante e praticante, e que Chicago era apenas um viés na história. As mulheres proletárias chicaguenses nos legaram o dia internacional da mulher no dia oito de março; a massa proletária de Chicago nos proporcionou um feriado a mais no calendário. Falta agora se celebrar “O Dia do Mafioso”, vez que a máfia italiana não teria progredido se não houvesse Chicago. E os políticos. Quando o então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva disse que havia trezentos picaretas no Congresso Nacional, ele quis dizer exatamente “trezentos mafiosos”. Não que os outros que ficaram de fora fossem bonzinhos, corretos, honestos. É que o deputado Lula não sabia que havia mais duzentos e dois deputados gastando os créditos aéreos com a família e amantes.
As mulheres tecelãs de Chicago foram queimadas vivas porque se sentiam injustiçadas por trabalharem dezesseis horas diárias, cuidar da casa, da cozinha, dos filhos, do marido, do amante e ganharem menos que os homens. Por sua vez, os homens proletários de Chicago se uniram em manifestação gigantesca de protesto e reivindicações no dia primeiro de maio de 1886 e foram reprimidos violentamente pela polícia americana, a mais treinada em matar trabalhadores naquela época, cuja ferocidade serviu de exemplo à polícia brasileira na atualidade. Nos dias de greve que se seguiram, os ânimos se acirraram e o confronto resultou em sete policiais e doze trabalhadores mortos, segundo as informações oficiais da época.
A “Segunda Internacional Comunista”, reunida em Paris três anos depois desse movimento operário, deliberou, votou e aprovou o dia primeiro de maio como o dia internacional do trabalhador, em homenagem à primeira grande manifestação sindical da história. Nesse dia os trabalhadores do mundo todo, pelegos ou não, deveriam se reunir em manifestações reivindicatórias, principalmente pelas oito horas de trabalho. Devo ressaltar que a jornada normal era de treze horas diárias e que o vale-transporte e a licença-maternidade são bandeiras de agora.
É um equívoco se pensar que a Lei Áurea tivera influência da manifestação de Chicago. Essa “abolição” negra só aconteceu porque os fazendeiros estavam quebrados e não tinham como sustentar os escravos e as amantes simultaneamente. Mas isso já é outra história para ser contada no dia 13 por quem estiver interessado.
Não pensem os senhores ou as senhoras que o primeiro de maio é vermelho nas folhinhas do mundo todo ou que o proletariado internacional se reúne unicamente nesse dia. Há países que nem sabem que esse dia existe; outros, sabem, mas ignoram. No Brasil, apesar de se comemorar desde 1895, somente em 1925 é que se tornou oficial pelo decreto presidencial de Artur Bernardes. O feriado veio com o trabalhismo de Getúlio Vargas, que transformou os protestos em festas articuladas, bem acolhidas pela Força Sindical paulista, braço direito do PTB.
Na Bahia de ACM era proibido se falar em dia de trabalhador. Ele alegava ironicamente que o baiano passava o ano todo sem fazer nada e justamente no dia do trabalho ele queria descansar. Talvez tivesse razão, mas estava vermelho na folhinha, então era feriado nacional, com direito a praia e ao caldo de lambreta no Mercado Modelo. O principal lema do baiano é: não faça hoje o que pode ser feito amanhã. Isso é sagrado. À época também havia outro argumento sindical em forma panfletária cuja autoria se credita a Dorival Caymmi: “Se tiver vontade de trabalhar, se deite na rede e espere a vontade passar”. Mas ACM queria quebrar essa regra, unilateralmente, e para isso mandava seus cães e cassetetes reprimir as manifestações à base de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Seria mais fácil e menos dolorido se ele mandasse apenas desligar os geradores dos trios elétricos.
Nessa época eu era ativista sindical e em um desses primeiro de maio estava acompanhado do japonês Hiroito, engenheiro estagiário no Pólo Petroquímico de Camaçari que queria conhecer o poder de mobilização dos sindicatos baianos. Depois do entra-em-beco-sai-em-beco correndo dos cães policiais, ele falou ofegante, mais pela fumaça na garganta do que pela carreira:
– Xicago!
– Não, japa! Chicago não. Aqui é Salvador, capital da Bahia, esqueceu?
– Xei qué Xalvador. Querro dixer que xicago. Agorra non! Agorra xicaguei!
segunda-feira, 27 de abril de 2009
CADA DOIDO COM SUA MANIA
segunda-feira, 13 de abril de 2009
TIRADENTES: HERÓI OU PARVO?

terça-feira, 31 de março de 2009
A Nova Versão da Paixão de Cristo
quinta-feira, 26 de março de 2009
OS SABORES E OS AMORES

O CONTADOR E O CONTADOR DE ESTÓRIAS
Paraíso é um lugar fictício, mas pode ser qualquer cidade do interior do Nordeste, com seus causos e seus casos, suas crenças e crendices, vultos e aparições. Mulher menstruada não se depila, mulher parida não come farinha do mesmo dia e os umbigos das crianças são enterrados nos currais de gado para proteger os rebentos contra as investidas do filho do Malfazejo. O delegado e o prefeito formam o topo da pirâmide social, seguido do soldado de polícia e do cobrador de ônibus; o primeiro, responsável por manter a ordem dentro da ordem e o segundo, é o Hermes dos sertanejos, levando e trazendo mensagens e abarrotando a mala dos ônibus de todo tipo de bagagem. Houve cobrador que conseguiu a façanha de colocar um jumento no bagageiro do ônibus.
Quando Luiz Eudes pisou o chão de Paraíso, trazendo na mala um canudo de contabilista, mal sabia ele que estava escrevendo certo por linhas tortas, ou seja, que a profissão de contador de números reais e absolutos das empresas, daria lugar a um outro tipo de contador, o de estória, onde a lógica fria dos algarismos seria substituída pela fertilidade criativa de contar seus contos sem aumentar um ponto. Paulista de nascimento, e nordestino por devoção, cedo se encantou por Paraíso, fonte inesgotável de inspiração. Observando e absorvendo o modo e os costumes do povo paraiense, ele condensou uma coletânea de casos e causos nas páginas deste livro, em texto leve e bem-humorado, levando o leitor a rebuscar suas raízes rurais no imaginário de A Curva e a Montanha, em uma viagem surreal, cuja paisagem mostrada na janela do inconsciente, expõe singularmente a alma simplória e inocente do sertanejo.
São vinte e dois belíssimos contos selecionados pelo autor, predominando as estórias de cidade de interior, onde a urbe se confunde com a zona rural, e os personagens, apesar de não vestirem a carapuça do jeca, têm um comportamento peculiar ao que nós chamamos de tabaréus da roça, o nosso jeca, com suas crenças e descrenças, e uma estranha fobia de banhar-se em águas limpas, medo esse, herdado de nossos ancestrais portugueses, cuja tradução desse fato encontra-se deliciosamente relatado no conto “A Morte Mal Anunciada”.
Ao final da leitura, nossa alma caipira sente-se recompensada pela singeleza textual com que Luiz Eudes nos brinda ao narrar os casos e causos que povoam o imaginário popular do sertão nordestino, nas belíssimas e românticas noites de lua cheia.
quarta-feira, 11 de março de 2009
O DIA DA PADROEIRA
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De Procissão |
Aquele que se criou no sertão e não teve sua iniciação sexual com uma jega, cabra ou galinha, não pode dizer que teve infância. E aquele que nunca brigou quando menino, certamente nasceu um maricas.
Zé Bentinho fez tudo isso quando criança. E fez pior, pois contava com o apoio incondicional do pai. Não havia jega nas redondezas que não suspendesse o rabo quando de longe lhe avistasse; não havia cabra que, sentindo sua presença, não se encostasse ao barranco e berrasse: zéééééééé! Não existia criança naquele lugar que com ele não houvesse emendado os bigodes. Não fazia distinção de idade nem de físico, desde que fosse do seu tope, o desafeto.
Nenzão, seu irmão mais velho, de comportamento tímido e pacífico, muitas vezes se viu envolvido em confusão por causa do arreliento do Zé Bentinho. Em casa, nunca começaram uma brincadeira para que não terminassem se engalfinhando. Tonho Fiscal, pai dos dois pirralhos e fiscal da prefeitura, castigava Nenzão e premiava Zé Bentinho com um pirulito, por achar que, no sertão, homem que é homem não leva desaforo para casa.
- É de criança que se faz homem e filho meu tem que ser é macho! – dizia taxativo, quando alguma mãe chorosa ia à prefeitura reclamar do Zé Bentinho.
Nem todos na família concordavam com as diabruras do pirralho. O seu avô paterno, homem íntegro, achava que o seu neto estava mais para um moleque malcriado do que para um homem de respeito. “Homem para ser homem tem que ser respeitador!”, afirmava, quando o assunto era o seu neto e a educação recebida do pai. Muitas e muitas vezes entrara em atrito com o seu filho, Tonho Fiscal, por causa das molecagens do neto. E descia a madeira em Zé Bentinho quando o mesmo extrapolava as suas molecagens e o seu filho não tomava nenhuma atitude.
Eduardo de França podia se chamar Eduardinho, mas ganhou o apelido de Dudu Pareia graças a sua mania de chamar os colegas de “pareia”. Era um menino de comportamento discreto, porém, depois que se meteu com Zé Bentinho, passou a fazer parte do ditado que diz que “passarinho que acompanha morcego dorme de cabeça para baixo”. Não era arreliento nem malcriado como Zé Bentinho, mas costumava seguir o amigo nas safadezas. Dizia-se que fazia por medo. Pai morto em um desastre de automóvel, fora criado pelo avô, um sertanejo rígido na educação moral e dos bons costumes.
Zebedeu, dono da jega mais cobiçada pela molecada, e até por alguns adultos de Lagoa Azul, trazia sob severa vigilância o seu mais querido e mais sagrado animal todas as vezes que se via obrigado a sair de sua roça para ir à cidade comprar ou vender alguma coisa. Considerava uma terra de depravados, a Sodoma do Antigo Testamento, um antro de marginais e tarados. Porém ninguém haveria de fazer um malfeito com a sua inestimável jeguinha. Que os moleques vadios procurassem outro animal em outro pasto. O dele não, violão!
Comentava-se, à boca pequena, que Zebedeu mantinha um intenso caso de amor com sua protegida. Sentia mais ciúmes de seu animal do que de sua ex-noiva. Desmanchara o casamento pelo simples fato de ela esporar a jega em um raro dia em que ele a deixou praticar montaria e sair a trote pasto afora. Que triste dia! Só não meteu a mão na cara da noiva porque foi contido por um soco, dado pelo sogro, que mais lhe pareceu um coice. Foi o fim de um noivado de seis anos. E de uma amizade de vinte.
Um dia, dia de festa da Padroeira de Lagoa Azul, Zebedeu relaxou na vigilância. Sendo católico apostólico romano, fervoroso devoto da padroeira, acreditava que ninguém ousaria contrariar o ato sagrado da procissão em atitudes vis e pecaminosas. O belzebu queimaria no fogo do Inferno!
Zé Bentinho encontrou o seu amigo Dudu Pareia no justo momento em que descobriu Zebedeu no meio da multidão sem a sua companheira. Escapuliram de mansinho, entraram em um beco, saíram em uma rua deserta e avistaram a jega mais desejada do sertão pastando tranqüilamente em um terreno baldio. Olharam para os lados para ter certeza de que não foram seguidos, puxaram a jumenta pelo cabresto e se enfiaram numa casa abandonada.
Mal podiam acreditar no que estavam fazendo, mas estavam. A emoção era muito grande, enorme, deixando o coração num pulsar acelerado. Quando o feito heróico tivesse se espalhado, seriam considerados os maiorais do sertão. Ganhariam respeito. Teriam lucros imensuráveis: muitos lhes pagariam caro para que contassem a saga. Talvez virassem personagens de cordel, sendo cantados caatinga afora, pelos mais intrépidos violeiros:
Vou contar para vocês
Tudo o que aconteceu
Na proeza de Zé Bentinho
E a mimosa de Zebedeu
Deflorada na casa velha
Do finado Zé do Iguassu
No sagrado dia do jubileu
Da padroeira de Lagoa Azul.
Acompanhado do amigo Dudu
Seu escudeiro de plantão
Levaram o animal para a casa
Povoada de assombração
Consumando o ato depravado
Com a mais cobiçada do sertão.
Coube a Dudu Pareia a honra de ser o primeiro na disputa do par ou ímpar. E foi. Zé Bentinho ficou segurando o cabresto enquanto o seu amigo aliviava as tensões. Havia um misto de prazer e medo. Foi rápido, ejaculação precoce. Era a vez de Zé Bentinho, que mal continha a emoção; preparou-se lentamente para consumar o ato supremo da zoofilia. A jega era mais alta. Procurou alguma coisa para subir e encontrou uma cadeira velha. Era magro, leve, agüentaria seu peso. Subiu na cadeira e levantou o rabo da jega. Ela deu um passo para o lado. Desceu e se reposicionou, pedindo a Dudu para segurá-la com mais firmeza. Dudu obedeceu e ela aquiesceu. Os animais, nem mesmo as jegas, têm noção de fidelidade. Traição é coisa de ser humano. Zé Bentinho suspendeu o rabo e engatilhou o seu órgão sexual no justo instante em que adentraram a casa os dois avôs e o traído Zebedeu.
domingo, 8 de março de 2009
ILUSÕES DESNUDAS - RESENHA

Ilusões desnudas – Ronaldo Torres.
*Maria Olímpia Alves de Melo
Conheci Ronaldo Torres aqui, no Recanto das Letras, e logo nos tornamos amigos. A empatia foi natural e passamos a ser leitores um do outro. E agora, feliz como se fosse meu, recebo o livro impresso do Ronaldo: Ilusões Desnudas. Editado pela CBJE (Câmara Brasileira dos Jovens Escritores), o livro é lindo. É um livro: você pode cheirá-lo e acariciá-lo antes de abrir e começar a ler. E depois, seguir o conselho que veio impresso na orelha: ‘.. leitura perfeita para um final de tarde, deitado numa rede, ouvindo o canto dos passarinhos e o balançar dos galhos das árvores ao sabor da brisa suave (Luiz Eudes Cruz de Andrade). Tirando fora a rede, com a qual nunca me acostumei, foi o que fiz. Na verdade, reli. Lá fora, entrando pela janela do meu quarto, além dos passarinhos, um cão latindo. Tarde perfeita.
Ronaldo, a quem todos chamam de Tom, é um escritor completo: Escreve contos, crônicas, poemas e o que mais lhe aprouver, porque sabe do mister, o segredo. Dele tive a audácia de resenhar um conto, publicado aqui, em capítulos: O homem que pensou ser Deus. E audácia maior, aceitar o convite para escrever a contra capa do livro. O que fiz com carinho. E de audácia em audácia faço esta resenha para apresentar a vocês o livro do meu amigo.
Seus escritos ora são ternos e suaves, ora irônicos e bem humorados. Busca inspiração dentro da própria vida e recupera as lembranças do Junco, onde passou a infância, tempo que o marcou para sempre. E o marcou tanto que considera ter sido esta a sua sorte maior:
A minha sorte maior
foi ter nascido poeta
na centro da caatinga
do Sertão brasileiro (...).
Sua memória, porém vai mais longe, buscando o poema nos arquétipos distantes encontrados no folclore e na mitologia. Canta a chuva e a noite procurando na insônia e no sonho registro para a sua alegria e sua dor. Sabe usar a palavra em jogos sutis e ritmados. O poema que dá título ao livro joga ao chão a ilusão humana de ser mais do que é, desnudando o homem em sua pretensão de ser o que não é. Começou o poema, Carta aberta a uma entidade falida, com o verso antológico: não te aborreças se um dia eu falar de saudades. E sintam a beleza da última estrofe do amargurado Rotina:
Os passos lentos,
cautelosos,
preguiçosos,
vagarosos,
saúdam a rotina
do recomeçar:
- Bom dia, patrão!
A capa do livro é de Allan Oliveira. Engrenagens monocromáticas em vermelho, o título em negro refletido como em um espelho, em branco. Muito bonita. Em uma página em branco, a dedicatória: Para Edna (Edna Lopes, também minha amiga e companheira no Recanto), Flávia, Cláudia, Ivo e Vinicius, e para os netos Bia e Gabriel.
Não sei o preço do livro. Ganhei. Mas, se não tivesse ganhado, teria comprado. Por qualquer preço. Para ter sempre em mãos, comigo, os versos de um amigo realmente talentoso.
* Escritora mineira e, aos domingos, cozinheira. Mais sobre a autora pode-se encontrar clicando no link abaixo:
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=27042