terça-feira, 4 de setembro de 2012

O grande comício de Pedro do Mimoso




A intenção de se proibir o rega-bofe nos comícios ou em eventos eleitoreiros foi o de se coibir abuso do poder econômico por parte dos candidatos, mas, se pensarmos bem, comer e beber de graça em época de eleição era a única forma de o eleitor usufruir um pouco do poder do seu voto. A proibição não trouxe melhoria da qualidade dos nossos políticos, até piorou, e não diminuiu em nada a gastança dos candidatos. A prova disso é que há cidades por aí que candidatos a prefeito declararam um gasto de campanha na ordem dos seis milhões de reais. E vão gastar em quê? Não teria mais utilidade se essa dinheirama fosse gasta dando comida ao povo e camisa aos descamisados?  Conheço muita gente que só vestia camisa nova de eleição em eleição. Agora ficaram descamisados e os políticos cada vez mais ricos.

Lá na minha terra, tempos atrás, um prefeito foi cassado só porque, na campanha, resolveu ajudar uma senhora a terminar a construção de sua casa. Ingenuamente escreveu um bilhete para o dono do depósito de material de construção autorizando a entrega de alguns sacos de cimento. Essa senhora, insatisfeita, pois queria barba, cabelo e bigode do tal candidato, de posse do bilhete, em vez de ir ao depósito pegar o cimento, procurou a oposição e trocou por uma carreta de material de construção.  O candidato do bilhete ganhou a eleição e depois de dois anos de uma boa administração, perdeu o mandato e a cidade mergulhou no maior caos administrativo de sua história.

Nos tempos do Junco arcaico, quem decidia a eleição era o padre. Em uma, ele pendia para um lado; na outra, para o lado contrário. Mas os beneficiários eram sempre os mesmos: Ioiô Cardoso e Piroca Reis, dois dos envolvidos na emancipação política do município.  Ou era um ou era o outro, novato não tinha chance. Isso durou até o dia que os militares resolveram encurtar em dois anos o mandato de prefeito para não embolar com as eleições de deputados e senadores (naquele tempo não havia eleição para governador). A elite política do Junco não ia se submeter à humilhação de reinar pela metade e então resolveu engatilhar um prefeito tampão, do baixo clero, que passasse sem muito a fazer e sem brilhar mais que os anteriores. Deste modo, os partidos políticos local: Arena 1, Arena 2, Arena 3, Arena 4, Arena 5 e Arena 6, de comum acordo, escolheram Pedro Melo,  um cabo eleitoral da Arena 1 do Mimoso . O Mimoso era (e continua sendo) o único distrito do velho Junco. 

Pedro Melo deixou de ser Pedro Melo para se tornar Pedrão. Ou Pedro do Mimoso. Sua candidatura foi um tiro no pé da velha oligarquia política que não mais conseguiu tomar o poder, nem mesmo com os apelos contundentes do padre. Iniciava-se, assim, a laicidade no Junco. 

Embora candidato único, os comícios eram muito concorridos, principalmente pela turma da boca livre. Não havia concorrência para prefeito, mas ser candidato a vereador significava ter que meter a mão no bolso para pagar cachaça ou comida.

O último comício de Pedrão aconteceu no Mimoso, sua terra natal, e estava bem concorrido. Naquele tempo o povo do Mimoso dormia e acordava à luz de candeeiro. Somente na sede existia o motor de luz, que era ligado pontualmente às dezoito horas e desligado na pontualidade britânica às vinte e duas. Não me lembro como era feita a iluminação dos comícios; sei que havia claridade suficiente para a plateia enxergar os candidatos.

O palanque era a carroceria de um caminhão. Nesse comício específico, o caminhão-palanque era do meu saudoso amigo Maninho do Mimoso, grande camarada bom de copo e de prosa. Foi o próprio Maninho quem me levou ao balcão de um bar, muito concorrido pelos eleitores e cabos eleitorais. O balcão era um verdadeiro espreme-gato do povo em busca de uma cerveja fria ou de uma dose dupla de pinga na conta dos cabos políticos.

Voltando um pouco na linha do tempo, duas noites antes, em Alagoinhas, cidade quase vizinha, um candidato a vereador distribuiu uns panfletos cuja impressão era uma nota de cinquenta mil cruzeiros. A esfinge verdadeira da nota fora substituída pela foto do candidato. Nessa época a referida nota era a maior em circulação, equivalente, hoje, à cédula de cem reais.

Quando o megafone anunciou o discurso de Pedro do Mimoso, os cabos eleitorais e candidatos a vereador deixaram o bar e foram para a carroceria do caminhão. A maioria dos eleitores seguiu atrás. Quando Maninho chamou o dono do boteco para fechar a conta, notamos a aflição estampada no rosto do cidadão. Ele segurava umas notas de cinquenta mil cruzeiros contra a luz do candeeiro. Ao virar o lado das cédulas, vimos que se tratava da propaganda do candidato de Alagoinhas. Na pouca luz e na grande concentração de clientes, ele não notara que estava sendo passado a perna. Virou-se para nós e falou quase chorando:

– Maninho, ainda dei troco pros desgraçados! Ainda dei troco pros desgraçados!

Maninho olhou para mim, eu olhei para ele, saímos de fininho depois da conta paga e quando botamos os pés na calçada, caímos na gargalhada. Era trágico, mas não deixava de ser cômico.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A música caipira não é música sertaneja


Certa vez, vagando por um desses grupos literários da vida cibernética, escrevi sobre um presente que ganhei de um primo, vindo de São Paulo, ou, Sumpalo, como diria o povo antigo da minha terra: uns cds da dupla caipira Tonico e Tinoco. A minha surpresa ficou por conta dos comentários saudosistas da época da música caipira, muitos dizendo ter se lembrado dos pais ou tios, a maioria, do interior paulista. 

Cresci com um pé na urbe e outro na roça. Na cidade, minha mãe cantava Orlando Silva; na roça, meu pai cantava Tonico e Tinoco. Meus amigos, cantavam trilhas sonoras de novela. Depois virei um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e daí para frente a Verde-Oliva me desencaminhou pelas veredas da clandestinidade musical, mas aquela melodia a toque de viola nunca saiu da minha cabeça, nem mesmo quando a mídia começou a fabricar duplas sertanejas estilizadas para preencher o cérebro de camarão de uma geração perdida no espaço e no tempo. E essa geração, mais perdida do que cego em tiroteio, chegou ao terceiro milênio sem rumo e sem prumo musical, ao ponto de transformar um “ai se eu te pego” no hino nacional brasileiro.

É aquela história: quando a gente pensa que não há mais o que piorar, descobre que ainda há areia no buraco para ser retirada. As duplas caipiras estão subindo para o degrau superior e a mídia voraz nos presenteia com essas duplas de dois sertanejas, ou até mesmo reinventando o absurdo midiático como é essa tal de Joelma e seu parceiro Ximbinho. “Chegamos ao fim do poço”, pensei ao ver essa dupla azucrinando nossos tímpanos no dia a dia, mas não demorou muito e apareceram outros que deixaram a Banda Calypso parecida com a Orquestra Sinfônica Brasileira.  

Mas nem tudo está perdido. Inezita Barroso e Rolando Boldrin salvam a televisão brasileira do caos cultural em seus programas semanais, ambos, reprisados aos domingos. Inezita Barroso, com seu programa “Viola, Minha Viola”, voltado para a música caipira de raiz, e Rolando Boldrin com o programa “Sr. Brasil”, resgatando o regionalismo. Xangai tentou algo parecido na TVE baiana, mas não sei se logrou êxito. Se qualidade desse Ibope, a Tevê Cultura seria campeã de audiência.

Lá, para as bandas de Foz de Iguaçu, uma jornalista nas horas cheias, e poetisa nas horas vagas, ou vice-versa, Jeanne Hanauer, resolveu inovar no seu programa televisivo e cibernético trazendo ao público, principalmente o urbano, a mais genuína música de raiz, a caipira, acompanhada pela passarinhada silvestre. Assim, é mais um canal que se soma para não nos deixar morrer pateticamente urbanos.






domingo, 26 de agosto de 2012

Cineas Santos - Sanfonas na aridez da caatinga


                          
         O mundo era pequeno: acabava logo ali depois da roça de seu Abraão. As aspirações eram rasas e as chuvas, quando vinham, adoçavam a vida. Em matéria de sonhos, um se fazia recorrente: ir a São Paulo, ganhar um dinheiro graúdo, comprar uma sanfona vistosa e voltar correndo pro sertão. Na verdade, a sanfona – acreditávamos – era o caminho mais curto para chegar ao coração das mulheres. Assim, foram-se os tios, os primos, os irmãos, os amigos... Uns voltaram com suas sanfonas escandalosas; outros se em notícia ruim.. Com a indeclinável vocação para pedra, fui ficando. Assustavam-me os versos: “São Paulo tem muito ouro/corre prata pelo chão/o dinheiro corre tanto/que não posso pegar não”, na voz de seu Luiz. Acabei encalhado na Chapada do Corisco.

         O tempo e os contratempos encarregaram-se de demonstrar que eu jamais seria um sanfoneiro. Desisti de vez no dia em que ouvi o Sivuca solando um choro. Impossível chegar àquele nível de excelência; menos,  não me interessava. Contentei-me em ser apenas um apreciador do toque das sanfonas. 

         Vai que, no ano passado, a profª Samara Negreiros me propôs realizarmos um festival de sanfona em São Raimundo Nonato. Fiz apenas uma exigência: sem “forro de plástico”. Ela relutou (havia o receio de não haver público), mas acabou concordando. Assim, em meio à festa do padroeiro da cidade, realizamos a primeira edição do Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, uma festa inesquecível. Como não havia nenhuma das bandas “calcinha” presentes na praça, as famílias lotaram o espaço para ouvir João Cláudio Moreno, Valor de Pi, Chagas Vale, Ivan Silva, Josué Costa e Adelson Viana, além dos sanfoneiros da terra. A Avenida dos Estudantes não coube a plateia. A melhor parte: não se registrou um único incidente capaz de conspurcar a imagem da festa.

         Este ano, sob as bênçãos de São Raimundo, repetimos a festa com um brilho ainda maior. Entre as atrações do 2º Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, marcaram presença: Clã Brasil, Waldonys, Orquestra Tamoio, Vagner Ribeiro, João Cláudio, Valdemar do Acordeom, entre outros. Impossível não dar certo.

         Preocupados com o caráter educativo do Festival, os organizadores, nesta edição, ofereceram aos professores e estudantes são-raimundenses oficinas de literatura de cordel, xilogravura, rabeca, sanfona, violão, literatura piauiense, construção de bonecos. De quebra, exibiram um varal de poesias com textos das figuras mais representativas da moderna poesia piauiense. Contando com o patrocínio da OI, do Governo do Estado e da Prefeitura de São Raimundo Nonato, o festival demonstra claramente que o público sabe distinguir a boa música da vulgaridade que assola o país. Não fazemos por menos: PÉROLAS AO POVO!



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Luís Pimentel - Aldir Blanc é carioca da gema



      Aldir Blanc é uma glória das letras cariocas. Bom de se ler e de se ouvir, bom de se esbaldar de rir, bom de se aldir”. Esta é a opinião de outra glória das letras e da música cariocas, Chico Buarque, também bom de se ler, de se ouvir e de se aldir.

     “Eu gostaria de escrever como o Aldir”. Quem gostaria de escrever como o Aldir? Ivan Lessa, simplesmente, cronista que escreve como ninguém. Resumindo: Aldir Blanc é aquele cara que a gente quer ser quando crescer, quando aprender a viver, quando souber escrever. Aldir Blanc Mendes, que já foi chamado de Proust de Vila Isabel, esse Stanislaw da Muda, Guimarães da Tijuca, é uma flor de amigo e de poeta, uma Rosa de Pessoa. Tem a Zona Norte de sua cidade cravada no peito esquerdo, ao lado do escudo do Vasco. É um dos maiores cariocas que se conhece.

     “Eu sou do Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não”, já berrou numa letra de samba. Ninguém vem da Maia de Lacerda impunemente. Aldir Blanc nasceu no mês de setembro de todas as primaveras, no dia 2, no ano de 1946. Citar suas músicas é covardia. É desnecessário. Só meia dúzia, para não cansar: O bêbado e a equilibrista, Mestre-sala dos mares, Kid Cavaquinho, Dois pra lá dois pra cá, Saudades da Guanabara, Catavento e girassol. Parceiros? Só alguns: João Bosco, Maurício Tapajós, Moacyr Luz, Guinga, Ivan Lins, Cristóvão Bastos, Paulinho da Viola...

     Aldir é também um escritor (contista, cronista e poeta) de alto gabarito. Seu texto gostoso e rascante (que nem os melhores vinhos) estreou no Pasquim, na década de 1970, onde publicou as crônicas mais tarde reunidas nos livros Rua dos Artistas e arredores e Porta de tinturaria (lançados em primeira edição pela Codecri). Após o fechamento do Pasquim, Blanc levou suas crônicas de humor ferino para revistas como a Playboy e os jornais Tribuna da Imprensa, Ultima Hora, O Estado de São Paulo, O Dia (onde manteve colaboração semanal por quase dez anos ) e, hoje, em O Globo.

     Aldir colaborou com a revista Bundas, do primeiro ao último número, e esteve presente na maioria das edições d´ Opasquim21, desde a edição de número zero até o fechamento do jornal, em 2004. Reuniu crônicas também nos livros Brasil passado a sujo (Geração Editorial) e Um cara bacana na décima nona (Record). Procurem esses livros, para entender por que o seu texto encanta escritores como Ivan Lessa e Chico Buarque. E ouçam todas as suas músicas, sempre.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Dia do Folclore


FOLCLORE

I

Lá nas terras dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o Cruzeiro dos Montes
Em plena linha do horizonte.
Reinam cavalos encantados
Caiporas e sacis peraltados.
O zumbi e o seu pio estridente
Chupa o ouvido do imprevidente.
Não é folclore se falar do fogo-fátuo
Muitos foram os que o viram de fato.
Mulher de padre é mula-sem-cabeça
Vagando pela estrada tão logo anoiteça.
O filho que da mãe não tem gratidão
É o lobisomem da Sexta-Feira da Paixão.
O saci vive na mata a azucrinar
O caçador que ousa lhe perturbar.
O “vulto” pode ser a própria sombra
Do sertanejo que com tudo se assombra.

II

Lá na terra dos Dantas
Não tem rio nem tem anta.
Tem o mito e suas lendas a confundir
O pio da coruja com o canto do zumbi.
A caipora na mata precisando de fumo
E o caçador desprevenido perdendo o rumo.
A mula-sem-cabeça correndo sem parar
Atrás de um padre para se confessar.
O lobisomem em noite de lua cheia
Espojando-se no campo de areia.
O saci precisando seu cachimbo acender
E o inditoso deve um fósforo oferecer.
O fogo-fátuo e sua breve aparição
Em flashes de luz de assustar o coração.
O “vulto” que não parece perigoso
Mescla folclore e história de Trancoso.

Assim é o imaginário popular do sertão
Mitos e lendas fervilhando em profusão.