A intenção de se proibir o rega-bofe
nos comícios ou em eventos eleitoreiros foi o de se coibir abuso do poder econômico
por parte dos candidatos, mas, se pensarmos bem, comer e beber de graça em época
de eleição era a única forma de o eleitor usufruir um pouco do poder do seu
voto. A proibição não trouxe melhoria da qualidade dos nossos políticos, até
piorou, e não diminuiu em nada a gastança dos candidatos. A prova disso é que
há cidades por aí que candidatos a prefeito declararam um gasto de campanha na ordem
dos seis milhões de reais. E vão gastar em quê? Não teria mais utilidade se
essa dinheirama fosse gasta dando comida ao povo e camisa aos descamisados? Conheço muita gente que só vestia camisa nova
de eleição em eleição. Agora ficaram descamisados e os políticos cada vez mais
ricos.
Lá na minha terra, tempos
atrás, um prefeito foi cassado só porque, na campanha, resolveu ajudar uma
senhora a terminar a construção de sua casa. Ingenuamente escreveu um bilhete
para o dono do depósito de material de construção autorizando a entrega de
alguns sacos de cimento. Essa senhora, insatisfeita, pois queria barba, cabelo
e bigode do tal candidato, de posse do bilhete, em vez de ir ao depósito pegar
o cimento, procurou a oposição e trocou por uma carreta de material de
construção. O candidato do bilhete
ganhou a eleição e depois de dois anos de uma boa administração, perdeu o
mandato e a cidade mergulhou no maior caos administrativo de sua história.
Nos tempos do Junco arcaico,
quem decidia a eleição era o padre. Em uma, ele pendia para um lado; na outra,
para o lado contrário. Mas os beneficiários eram sempre os mesmos: Ioiô Cardoso
e Piroca Reis, dois dos envolvidos na emancipação política do município. Ou era um ou era o outro, novato não tinha
chance. Isso durou até o dia que os militares resolveram encurtar em dois anos
o mandato de prefeito para não embolar com as eleições de deputados e senadores
(naquele tempo não havia eleição para governador). A elite política do
Junco não ia se submeter à humilhação de reinar pela metade e então resolveu
engatilhar um prefeito tampão, do baixo clero, que passasse sem muito a fazer e
sem brilhar mais que os anteriores. Deste modo, os partidos políticos local: Arena 1, Arena
2, Arena 3, Arena 4, Arena 5 e Arena 6, de comum acordo, escolheram Pedro Melo, um cabo eleitoral da Arena 1 do Mimoso . O Mimoso era (e continua sendo) o único
distrito do velho Junco.
Pedro Melo deixou de ser
Pedro Melo para se tornar Pedrão. Ou Pedro do Mimoso. Sua candidatura foi um
tiro no pé da velha oligarquia política que não mais conseguiu tomar o poder,
nem mesmo com os apelos contundentes do padre. Iniciava-se, assim, a laicidade
no Junco.
Embora candidato único, os
comícios eram muito concorridos, principalmente pela turma da boca livre. Não havia
concorrência para prefeito, mas ser candidato a vereador significava ter que meter
a mão no bolso para pagar cachaça ou comida.
O último comício de Pedrão
aconteceu no Mimoso, sua terra natal, e estava bem concorrido. Naquele tempo o
povo do Mimoso dormia e acordava à luz de candeeiro. Somente na sede existia o
motor de luz, que era ligado pontualmente às dezoito horas e desligado na
pontualidade britânica às vinte e duas. Não me lembro como era feita a
iluminação dos comícios; sei que havia claridade suficiente para a plateia
enxergar os candidatos.
O palanque era a carroceria
de um caminhão. Nesse comício específico, o caminhão-palanque era do meu
saudoso amigo Maninho do Mimoso, grande camarada bom de copo e de prosa. Foi o
próprio Maninho quem me levou ao balcão de um bar, muito concorrido pelos
eleitores e cabos eleitorais. O balcão era um verdadeiro espreme-gato do povo
em busca de uma cerveja fria ou de uma dose dupla de pinga na conta dos cabos políticos.
Voltando um pouco na linha
do tempo, duas noites antes, em Alagoinhas, cidade quase vizinha, um candidato
a vereador distribuiu uns panfletos cuja impressão era uma nota de cinquenta
mil cruzeiros. A esfinge verdadeira da nota fora substituída pela foto do
candidato. Nessa época a referida nota era a maior em circulação, equivalente,
hoje, à cédula de cem reais.
Quando o megafone anunciou o
discurso de Pedro do Mimoso, os cabos eleitorais e candidatos a vereador deixaram
o bar e foram para a carroceria do caminhão. A maioria dos eleitores seguiu
atrás. Quando Maninho chamou o dono do boteco para fechar a conta, notamos a
aflição estampada no rosto do cidadão. Ele segurava umas notas de cinquenta mil
cruzeiros contra a luz do candeeiro. Ao virar o lado das cédulas, vimos que se
tratava da propaganda do candidato de Alagoinhas. Na pouca luz e na grande
concentração de clientes, ele não notara que estava sendo passado a perna.
Virou-se para nós e falou quase chorando:
– Maninho, ainda dei troco
pros desgraçados! Ainda dei troco pros desgraçados!
Maninho olhou para mim, eu
olhei para ele, saímos de fininho depois da conta paga e quando botamos os pés
na calçada, caímos na gargalhada. Era trágico, mas não deixava de ser cômico.
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