Quando ele se elegeu prefeito do velho Junco, quatro anos atrás, eu gritei: Fodeu! Pensei que o Junco fosse mergulhar na Idade das Trevas.
Mas, contrariando as minhas expectativas, ele se tornou um dos melhores administradores que o velho Junco já teve. Não ganhou a eleição porque o povo, acostumado a ver a terra nas páginas policiais, principalmente em fim de mandatos dos prefeitos, ficou sem esse prazer durante a administração dele. Vá entender o povo!
Parabéns, Pedrito Cruz, você é um vencedor. Entrou para a história com todas as honras que um homem público merece.
sábado, 8 de outubro de 2016
terça-feira, 20 de setembro de 2016
O arrastão
Aqui em frente de casa costuma ter arrastão. Não daqueles que a gente vê na tevê, mas dos encontrados nas músicas de Caymmi. Os pescadores vendem o peixe na calçada mesmo. Dia desses, os peixes ainda se debatiam no cesto, uma dondoca se interessou e perguntou:
- São frescos?
O pescador olhou para ela com cara de anteontem e falou:
- Não, madame. São carapebas. E algumas piranhas.
- São frescos?
O pescador olhou para ela com cara de anteontem e falou:
- Não, madame. São carapebas. E algumas piranhas.
terça-feira, 13 de setembro de 2016
O imortal e o imorrível
Quando ele nasceu o silêncio
da caatinga foi interrompido durante duas semanas, três dias, sete horas, quarenta minutos e quinze segundos. Foi
o que me disse o meu pai, muitos anos depois. O foguetório retumbava sob o céu
anil e o som da zabumba e da sanfona ecoava pelos quatro cantos. Era menino
homem! Macho! Veja o santo do dia! São João Crisóstomo e São Maurílio de Angers. Que santos são esses?
Vai se chamar Antônio. Tonho. No sertão de antigamente o primogênito que não
era Tonho, era Bastião. E cuidava da prole que se seguiria. Era macho? Então
a família estava salva. A ele cabia educar, repreender, castigar ou escravizar
os mais novos que viriam em fila indiana.
E assim foi feito. Tratou
com zelo e cuidado as irmãs e irmãos. Dulce, Nininho, Maria José, João, Zoraide, Rita, Raimundo
e...
Aí eu nasci. Belo, radiante,
gostoso... Êpa! Esse aí foi o seu irmão Décio, seu cachorro! – disse a minha
mãe, irada e indignada, por telefone. Retifique! Retifique!
Retifiquemos, pois. Aí eu nasci. Sem nenhuma das qualidades elencadas acima.
Não teve festa, não teve música, não teve nada. Não que eu me lembre. Quando
indago dos mais velhos, eles dizem que ouviram meu pai assobiar marcha fúnebre.
Inveja, só pode!
Quando eu dei os primeiros
passos, ele, o primogênito do meu pai, o orgulho da minha mãe, me pegou
carinhosamente nos braços, me olhou sério, compungido, fez cara de choro, me
jogou delicadamente ao chão e esbravejou:
- A porra é quem fica aqui
cuidando desse moleque, não eu!
Arrumou as malas e
escafedeu-se na garupa de um cigano que tentava engabelar meu pai.

sábado, 10 de setembro de 2016
Arrependei-vos! Jesus está chegando!
Disseram-me que Jesus
viria me visitar. Que eu o aguardasse de espírito acolhedor. Não só
acolhi meu espírito, mas também comprei velas, incenso, pão para
distribuir com os pobres, e até fiz doação para o criança esperança.
Contratei as rezadeiras do meu condomínio e fiz uma relação dos meus
pecados que pediria para serem perdoados ou transformados em penas
alternativas. Também mandei preparar uma buchada de bode, pois, vindo de
um lugar mais seco do que o Nordeste e parecido com o Nordeste, Ele devia gostar dessas comidas.
O tempo passou e... nada! E eu com fome, querendo comer, e as rezadeiras dizendo que era pecado, ia ser castigado. Tenha paciência, espere mais um pouco, diziam.
Lá pras tantas a campainha tocou. Era Ele. Só podia ser Ele. Corri para o abraço. Ele recuou uns passos, sorriu e me entregou um santinho. Era Jesus, o borracheiro, pedindo voto para vereador.
sábado, 20 de agosto de 2016
Balada de uma geração perdida
Sou de uma geração que se caçava mariposas ambulantes. Não havia motel
e, mesmo que houvesse, de nada adiantava, pois faltava o cabral e nossos
pais sequer sonhavam que praticávamos o pecado original no despertar da
adolescência. Então, surgia outro tipo de caça: encontrar um moitel ou
uma rua deserta nas noites silenciosas e úmidas de Alagoinhas, onde
qualquer sussurro mal controlado tornava-se som amplificado. Às vezes a
gente invadia os vagões vazios de trens de carga na Estação São
Francisco, mas um dia alguém dormiu depois do ora-veja e, ao acordar,
estava na cidade de Aramari, trinta quilômetros adiante no sentido Oeste. Hoje, com tanto acesso, facilidades e
mariposas globalizadas, em vez de se caçar a sublimação metafísica, os
jovens perdem-se na procura de Pokémon.
Já não se faz mais adolescente como antigamente, diria o meu pai, se vivo fosse.
quinta-feira, 21 de abril de 2016
Graciliano Ramos X Getúlio Vargas
Certa vez, antes da
dominação satânica do Brasil, publiquei no Facebook a minha indignação
sobre o achincalhe político contra Graciliano Ramos, em Quebrangulo, cidade
natal do mais famoso escritor alagoano: batizaram a praça onde fica a casa que
ele nasceu justamente com o nome do maior causador dos males ao escritor:
Getúlio Vargas.
Tempos recentes retornei à
cidade para pôr a limpo essa lógica pervertida de se homenagear os escrotos.
Procuraria saber do autor de tamanha indignidade. Passei um dia indagando do
povo a respeito da praça, sem que ninguém desse provimento. Quando a noite
caía, encontrei um cidadão sentado na calçada em sério caso de amor com a
ociosidade. Perguntei por perguntar, só por descarrego de consciência. Ele me
deu a luz:
- Procure o Quéops que ele
sabe tudo da cidade!
Não titubeei: saí a indagar
pelas ruas e becos onde poderia encontrar personagem tão importante para a
história do Egito e para a minha história. Pergunta daqui, pergunta dali, até
que alguém me disse:
- Ele foi levar a filha para
uma festa de aniversário.
Peguei o endereço e meti pé
no acelerador. A casa de festas ficava a caminho de Palmeira dos Índios. Como
eu não estava em trajes festeiros nem tinha convite para entrar, pedi ao
porteiro para chamar o Grande Faraó. Ele não demorou a voltar, acompanhado do
ilustre cidadão, meu salvador da pátria. Ele era todo sorriso. Apresentei-me e
contei o meu dilema em descobrir aquela estranha homenagem que se fez a Getúlio
Vargas, porém sem adentrar a parte crítica. Queria saber quem fora o autor da
ideia.
- Foi o meu avô, em 1960.
Inclusive ele fez uma réplica de Paris, com o Obelisco e o Arco do Triunfo! –
disse isso deixando transparecer o maior orgulho pelos feitos heroicos do avô.
Intimamente agradeci a Deus
por omitir a minha opinião no ato de perguntar. Agradeci meio sem jeito pela
informação, pedi desculpas por interromper seu deleite, dei meia volta-volver e
retornei à casa da mãe de Edna, um sítio sossegado ao pé da Serra Grande, na
Vila São Francisco.
Na rede, refletindo ao som
dos vagalumes e coaxar das rãs, cheguei à conclusão de que, para o povo e para
os governantes, a cultura não vale nada. Seja em Quebrangulo, em Salvador, em
Maceió, em Tanque d’Arca ou qualquer outro lugar. As ruas e praças são
batizadas com os nomes de políticos, mães de políticos ou amantes dos
políticos. Raros são os lugares em que algum cidadão ligado à cultura seja homenageado.
E o povo faz questão de isolar historicamente aqueles que não estão ali
pregando engabelações ou no beija-mão dos favorecimentos. O Junco só soube que
tinha um filho escritor no dia que um padre alemão chegou lá e, na pregação, disse
que conhecia o lugar muito antes de estar ali, pois havia saído numa publicação
alemã falando do escritor Antônio Torres. Jorge de Lima? Coitado! Não há quem
morra de amores pela sua obra nem pela sua existência na cidade de União dos
Palmares, sua terra natal.
Se hoje há uma plateia
abençoando os rancores contra a esquerda, imagine nos anos arcaicos em que o
ranço político dominava os sertões. Mas não acredito que o prefeito de então,
um cidadão que passava os fins de semana em Recife e os feriadões na Europa,
tivesse a intenção de desbancar Graciliano Ramos. Acho que ele nem sabia da
real importância do conterrâneo, vez que, Graciliano, ganhou nome e fama quando se mudou
para Palmeira dos Índios. Ou que, se sabia, devia desconhecer a história da
prisão sem causa do Mestre Graça. Em 1960, Getúlio Vargas era o herói da pátria
e todos os meios por ele usados justificavam seu fim.
Credito o ato aos tempos das
trevas, porém, hoje, já não se justifica mais se manter a homenagem ao cidadão
que escrachou a vida de um personagem tão importante na literatura brasileira,
principalmente quando tramita na Câmara de Vereadores de Quebrangulo projeto de
lei tombando a casa de Graciliano Ramos como patrimônio cultural do município.
É preciso que os nobres edis
quebrangulenses consertem essa mancada histórica para que o nobre escritor
possa descansar em paz.
Fotos: a Praça Getúlio Vargas e a casa (azul) que foi de Graciliano Ramos.
sexta-feira, 15 de abril de 2016
No princípio era o Verbo - Luís Pimentel
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus. Mas logo, logo muitos deuses foram inventados, e
a bagunça começou. Deus fez todas as coisas. Fez o céu, a terra, e até a Câmara
dos Deputados. Por ali passaram homens bons e ruins, até o dia em que o comando
da Casa caiu no colo de um vendilhão dos templos.
Aí Deus lavou as mãos, porque ninguém é de
ferro.
***
No princípio era o Verbo. O Verbo se fez
carne, mas ainda não valia comer o outro vivo (a não ser no sentido bíblico), nem
xingar a mãe, e podíamos livremente defender qualquer ponto de vista; até mesmo
a permanência do Dunga. Mas tudo foi pro espaço quando o Verbo foi confundido
com verborragia.
***
No princípio era o verbo, doar-se absoluto, o
eterno enigma, fazer e desfazer e refazer as criaturas.
No princípio o amor, os cães sem dono, a
terra tida e prometida de silêncios e quereres acreditar em todas as
coisas.
Então, o filho foi levado ao alto mais alto
do monte e ouviu do pai, ouro nos dentes, a profecia infame e infamante:
– Um dia, tudo isto será teu!
***
No princípio era o Verbo, e com ele a exigência da concordância
(adjetivos pomposos e substantivos cretinos só vieram mais tarde). A
concordância exigia respeito ao jogo e às suas regras. Mas não deu certo
porque, infelizmente, desde o início dos tempos há indivíduos que não sabem
perder.
***
“Visitante – A senhora está cansada?
Professora – Muito.
Visitante – A senhora já é muito velha?
Professora – Muito. Muito velha.
Visitante – A senhora era nova quando a
escola era nova?
Professora – A escola já era muito velha
quando eu ainda era nova.
Visitante – E agora?
Professora – Agora chega. Eu preciso
morrer.
Visitante – E a escola? Vai morrer junto?
Professora – Não. Vai continuar
envelhecendo. Vá para o seu lugar, meu filho.”
Da peça “Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza, o grande
dramaturgo que perdemos esta semana.
De gregos e Troianos
Cheguei a Salvador, na casa
do meu irmão Décio - José Décio Guedes - professor pós-doutor (foi assim que
ele me ensinou a dizer quando citasse seu santo nome em vão ou para alguma
valia desvalida) e o encontrei estudando Grego. Ele estuda apenas pela necessidade
de cumprir os vaticínios de nossa mãe: "Estude!", era o que ela dizia
a ele nos primórdios dos tempos. Ele, obediente, obedeceu. Já a mim, ela dizia
em seu imperativo vaticinal que toda boa mãe deve ter quando cuida da
posteridade filial: "Vagabundo! Você não quer nada com a vida!" E se
valia da autoridade de um chinelo para que não houvesse segundas
interpretações.
Pois bem: estudando alto e
em bom som, o meu irmão fez de mim um atento troiano ouvindo Homero imitar o
cego Aderaldo na feira de Caruaru. Só faltou a viola. Perguntei o porquê de ele
fazer aquilo comigo, um irmão desatento dos pronomes verbais e veniais, um
excluído da Gramática Normativa Brasileira, um douto da malandragem, vivente sem eira
nem beira, então ele me respondeu desfilando seus conhecimentos Greco-históricos:
"Fi-lo porque qui-lo. Você deixará de ser um bárbaro errante navegante das
estrelas! E me obedeça porque senão eu ligo pra mamãe e conto tudo da sua vida
pregressa!".
Chantagem. Só chantagem. Foi
e sempre será assim. Desde o dia que ele ouviu a expressão “vida pregressa” dita
por alguém de vida pregressa duvidosa, acho que um bêbado do bar de Costinha, uma visgueira que enchia de cachaceiro aos sábados, domingos e véspera de feriado. Qualquer dá cá aquela palha, ameaçava ir
às vias de fato: “Vou contar pra mamãe a sua vida pregressa”. E como eu não
sabia o que significava vida pregressa, obedecia com a hombridade e altivez dos ignorantes
condenados.
Capitulei. “Vida pregressa”
tornou-se meu Cavalo de Tróia. Senti o gosto da espada de Aquiles trespassando
as vísceras de Heitor. Ó, Homero, venha a mim numa manhã de sol cantar meus feitos heroicos!
Depois de mais de duas horas
ouvindo que as raízes gregas são iguais às raízes brasileiras, diferindo apenas
no tipo do solo e na estação do plantio, conforme dizia nosso pai nos
estertores do Tempo, saí do apartamento do meu irmão acreditando que poderia operar um milagre em mim sem
precisar frequentar igreja evangélica ou fazer promessa a Padim Ciço Romão
Batista: aprender Grego por osmose. E dessa minha curta aprendizagem como
ouvinte do mais castiço Grego, cheguei à incrível conclusão que em momento
algum, nem por imperiosa necessidade, a expressão greco-romana "Atecubanos roma" deverá ser lida de
trás pra frente em presença de moças castas ou mulheres pudendas, sob o risco
de se ressuscitar Páris, Menelau, Heitor, Ulisses - e todos aqueles guerreiros
que se esconderam dentro de um cavalo - , e transformar a sua vida em uma odisseia nada heroica.
Assim, como os meus cinco
leitores podem observar, de expressão em expressão, estou me desbarbarizando
lenta e gradualmente, apesar de ainda usar o palavrão ultra bárbaro “pudendas”.
Mas foi por emergência lexical.
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