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De Brasília |

Dona Purcina, com sua alma cigana, vislumbrou naquele gesto desesperado do marido a possibilidade de levar os filhos para uma terra onde “corria dinheiro e tinha escola”. Para aquela camponesa semi-analfabeta, educar os filhos não era apenas aspiração; era obsessão. Enquanto seu Liberato cavava valas na terra vermelha do cerrado, dona Purcina urdia planos. Pensou tudo: abriria uma pensão familiar para fornecer boia aos candangos, construiria uma casinha para a família, o mais próximo possível de uma escola. O mais viria com o tempo.
O que ela não poderia imaginar é que o velho Liba, embora estivesse fisicamente no Planalto, seu espírito catingueiro jamais se ausentou do Campo Formoso, sua gleba, seu reino, seu mundo. Assim, o exílio doloroso durou pouco mais de oito meses. Ao saber que chovia no Piauí, juntou seus teréns e voltou correndo para o sertão. Por pouco, por muito pouco, dona Purcina não o expulsou de casa. Morria ali o sonho de construir “um futuro melhor” para os filhos. À época, eu não fazia a menor ideia do que fosse morar numa cidade grande. Na verdade, aquela aventura não me tentava. A exemplo do meu pai, eu começava a fincar raízes fundas na terra árida do sertão. Tenho (como meu velho) uma indeclinável vocação para pedra.
Plantada por mãos calejadas e regada com o suor dos candangos, Brasília nasceu acanhada. Mas, com o adubo do dinheiro e o fascínio do poder, cresceu rapidamente. Em pouco tempo, tornou-se uma espécie de Las Vegas do cerrado. Para lá migraram arrivistas, falsários e apostadores de todas as procedências. Gente que só aposta com o dinheiro alheio e nunca perde.
Brasília, “ninho de tédios” e de escândalos, faz 50 anos de existência e tem pouco a comemorar. De minha parte, não me canso de agradecer a seu Liberato por ter voltado para o sertão do Caracol. Como o canto das sereias, o poder vicia, inebria e alucina...
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