sábado, 14 de maio de 2011

Arraial do Junco, a cidade do medo



Hoje o Brasil ouviu falar do Junco, não pelas ações literárias do seu filho ilustre, o escritor Antonio Torres, mas pela ocorrência policial que ganhou dimensão nacional na mídia devido à ação arrojada e inovadora dos correntistas noturnos do Banco do Brasil, aqueles que usam dinamite em vez de cartão magnético nos caixas eletrônicos.

O arraial do Junco, batizado de Sátiro Dias no início do século passado, é um município com pouco mais de 18 mil habitantes, faz parte da microrregião de Alagoinhas e possui um dos mais baixos IDHs do país. Sua economia é baseada em agricultura de subsistência, comércio local, exploração de eucalipto e petróleo, porém, nos últimos anos se fez conhecer pela gastança do dinheiro público com festas e cachês caríssimos, o que levou o atual prefeito a justificar tais gastos dando uma declaração absurdamente equivocada no seu portal eletrônico: “Se o povo de Salvador pode ter as melhores atrações da axé music, por que o povo de Sátiro Dias também não pode?”

Poder até que pode, seu prefeito, mas esse dinheiro teria melhor serventia se aplicado em obras que trouxesse benefício ao povo, como Educação, Saúde, Infraestrutura e, o xis da questão, Segurança Pública. Além do mais, tais atrações milionárias atraem o povo de fora tal qual formiga em açucareiro e os nativos ficam reféns dos desordeiros e meliantes até os acordes finais, com direito a replay, como foi o caso desta madrugada. 

Acabou-se o sossego. Ninguém dorme mais tranquilo, principalmente os que moram afastados da urbe. E o Junco, que até tempos atrás era apenas uma pacata cidadezinha do interior, continua sendo uma cidadezinha do interior, porém com os grandes males da cidade grande: o tráfico de drogas, o assédio, o assalto e o latrocínio. Quando inauguraram a torre de uma operadora de celular no ano passado, um cidadão investiu o que possuía numa loja de aparelhos. Ao chegar à loja no dia seguinte à inauguração, não havia um aparelho de celular para contar a história. 

Mas o assalto de ontem faz parte de uma crônica do terror anunciado. Enquanto o poder público investe pesado nas bandas de axé e duplas sertanejas, dois minguados agentes policiais tomavam conta da cidade. Aliás, dormiam na delegacia. Não há delegado, não há promotor de Justiça, não há policiamento ostensivo. O lema é: cada um por si e salve-se quem puder.

“Por ser uma noite de sexta-feira havia música ao vivo no Quiosque da Praça e o mesmo estava cheio. Perto da meia-noite pararam dois carros grandes, desceram uns caras armados até os dentes, tomaram o bar de assalto e obrigaram a gente a acompanhá-los até o Banco do Brasil. Foi todo mundo calado, homens, mulheres, crianças, velhos... Chegando ao banco, eles jogaram dinamite na agência e as paredes viraram um monte de entulho. Depois que pegaram o dinheiro, escolheram seis mulheres, colocaram na parte da frente dos carros, três em cada um, e foram para a Delegacia. Chegando lá, metralharam a viatura e obrigaram os dois policias a jogarem as armas fora. Em seguida bateram em retirada e deixaram as reféns um pouco depois da saída da cidade”, relatou uma das personagens que estavam no bar em busca de diversão e se tornaram vítimas da violência. 

Os assaltantes inovaram no modus operandi: em vez de dinamitar os caixas eletrônicos, dinamitaram todo o banco e também destruíram parcialmente a Biblioteca Pública Antonio Torres, administrada pela Prefeitura. Uma das paredes fazia divisória com o banco e a mesma foi pelos ares, juntamente com parte do acervo da biblioteca. 
Pelos ares também foram os correntistas do Banco do Brasil na cidade. Sem dinheiro a circular, o comércio passará sérias dificuldades. E os velhinhos aposentados, como ficam? Mesmo sacando sua minguada aposentadoria no banco local, vez ou outra morria um, vítima dos latrocidas. Agora terão que sair em comboio até Inhambupe, a cidade mais próxima, e no retorno serão vítimas fáceis dos salteadores. 
E os comerciantes? Sem banco onde depositar o movimento diário, serão eles guardiães de seu próprio dinheiro, atraindo para si a cobiça desenfreada dos amigos do alheio.

Apesar de tomar a cidade de assalto à moda cangaceira e tornar a população refém do medo, os cangaceiros modernos só queriam o dinheiro do banco e não causaram nenhum transtorno físico a ninguém, nem mesmo aos policiais. Como diz o dito pop, entre mortos e feridos salvaram-se todos. Mas fica a lição aos moradores, principalmente aos governantes: essa megalomania festeira desacompanhada de investimento na Segurança Pública escancara aos meliantes alhures a fragilidade de uma cidade sem lei e sem rei, embora haja gente com pinta de imperador.



quarta-feira, 11 de maio de 2011

Cineas Santos - Vazando pelo ladrão

A placa do outdoor permanece lá: “Fulana: este outdoor é pequeno para demonstrar o tamanho do meu Amor por você... Sei que errei, mas estou aqui para te pedir desculpas. Te amo! Sicrano”. Não bastasse o fundo vermelho, dois corações entrelaçados ilustram a comovente mensagem. Muito românticos, dirão os românticos. Muito patético, diriam os irreverentes. Quanto a mim, direi apenas: um telefonema ou um e-mail poderiam obter o mesmo resultado por um custo um pouco menor.

Espero que o autor da mensagem não se aborreça comigo. O amor é dele; o dinheiro, também. Ninguém tem nada a ver com isso. Mais estranho é o caso da cidadã enfusada que espalhou placas de outdoor pela cidade inteira com apimentadas declarações de amor feitas por um admirador que nunca existiu. Como em Teresina tudo se sabe, a história vazou e caiu na boca do mundo. Houve um tempo, não muito distante, em que se procurava um escurinho para beijar a (o) namorada (o). Hoje, buscam-se os holofotes, escolhe-se o melhor ângulo ou o enquadramento perfeito e manda ver. Beijar já não basta; é preciso dizer ao mundo que você beija e como beija. Num desses carnavais fora de época, que emporcalham as ruas, um rapaz, esfuziante, jactava-se diante das câmaras: “Bati meu próprio recorde: hoje, beijei 300 garotas!”. Ora, não é preciso ser especialista em nada para saber que quem beija 300 garotas, num curto espaço de tempo, não beijou nenhuma. Na mesma noite, uma garota bem-nascida berrava ao telefone: “Fiquei com seis! Seis!” e ria-se com todos os dentes. Ó tempora! Ó mores! , diriam os antigos.
O problema, segundo um amigo especialista em teses complicadas, “É que já não cabemos em nós mesmos. Estamos vazando pelo ladrão”. Com a autoridade de quem estudou muito, vai adiante: “Outrora, bastava pensar para existir; hoje, é preciso estar na mídia gritando: estou aqui! estou aqui! para que o mundo tome conhecimento da nossa existência”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Um exemplo: mesmo sabendo que fotografias nos facebooks podem ser montadas e remontadas ao gosto do freguês, jovens e velhos postam fotografias, todos os dias, sem nenhuma preocupação. A chamada vida privada já não existe nem na dita cuja. Com a proliferação dos celulares com câmaras fotográficas, o seu traseiro pode estar sendo exposto ao mundo enquanto você descome num banheiro qualquer. A vida tornou-se um imenso reality-show. Acrescente-se a isso o twitter, que dá conta até das flatulências que o freguês expele por dia. Os seguidores aplaudem e reproduzem a informação, com a velocidade da luz.

Quando Andy Wharol afirmou que, num futuro próximo, todo mundo teria direito a 15 minutos de glória, certamente não sabia que estava rogando uma praga que atingiria a humanidade inteira. Decididamente, a vida no singular tornou-se impensável. Gostando ou não, estamos condenados trotar com a manada. Mundão pequeno, sô!




segunda-feira, 9 de maio de 2011

Luís Pimentel - Promessas

1.

Prometeu que não faria mais aquilo.

Nem aquilo outros – as mariposas, o conhaque, todos os jogos de azar.

Ela acreditou, até bater na porta da mãe, aos prantos:

– Ele fez de novo.

– Sempre fazem – respondeu a voz da experiência. – Pela décima vez, minha filha, como no samba do Noel.



2.

Prometeu subir de joelhos as escadas da Igreja da Penha, se alcançasse a graça de ver o Oswaldo com um trabalho decente e afastado do vício.

Oswaldo arrumou um batente, na limpeza urbana, e pendurou para sempre o copo.

Ela esqueceu a promessa: tantos degraus, ninguém merece. Depois, o emprego era uma ninharia, e o vício dele – meia dúzia de cervejas, duas ou três cachacinhas – nem tão grande assim.


domingo, 8 de maio de 2011

Mãe, só tem uma


Era mês de maio. Dia das Marias. Dia das Noivas. Dia das mães. O tema da redação para a segunda-feira fazia jus às homenageadas da vez: as mães. Não uma redação qualquer. Obrigatoriamente teria que terminar em “mãe, só tem uma”.

– Claricinha, levante-se e leia sua redação – ordenou a professora, que ainda não era mãe, mas seria quando casasse, assim dizia aos alunos.

Claricinha pegou o caderno, pigarreou, olhou os colegas e começou a leitura:

– Ontem à tarde a minha mãe, meu irmão e eu fomos ao shopping fazer compras e na hora de atravessar a rua o meu irmão se soltou do braço da minha mãe e seguiu na frente, sem perceber que vinha um carro em alta velocidade. A minha mãe não pensou duas vezes: deu um pulo e puxou o meu irmão e por pouco ele não foi atropelado. Ela só fez isso porque mãe, só tem uma.

– Muito bem, Dona Clarice. Agora é a sua vez, Carlos Augusto.

Carlos Augusto se levantou, pegou o caderno e começou a leitura, sem olhar os colegas:

– Ontem de manhã fomos pro sítio do meu avô e o meu primo Artur me chamou pra ir pescar no açude. O sol esquentou e eu resolvi dar um mergulho, mas o açude era fundo e eu comecei a me afogar. O meu primo correu até a casa pra buscar socorro e a minha mãe veio esbaforida, se jogou dentro d’água e me arrastou até a margem. Depois que a gente saiu da água, ela se lembrou de que não sabia nadar e que poderia ter morrido também. Mas ela só fez isso porque mãe, só tem uma.

– Muito bem, Doutor Carlos Augusto. Espero que tenha aprendido a lição. Joãozinho, agora é a sua vez.

Expectativa geral. Joãozinho se levantou devagar, apanhou o caderno, olhou para os colegas valorizando a importância do momento, tomou fôlego e começou: 

– Domingo passado o meu primo Juquinha foi almoçar lá em casa. A minha mãe não gosta muito quando ele vai pra lá não, porque ele é muito buliçoso. E quando a gente terminou de almoçar, a minha mãe me pediu pra pegar duas latas de Coca-Cola que estavam na geladeira. Fui contrariado porque queria tomar a outra Coca-Cola de noite, sozinho. Quando abri a geladeira tomei um susto com o que vi. Então gritei pra minha mãe: “Mããããee! Só tem uma!”


sábado, 7 de maio de 2011

O Desmamado



Conta o anedotário que dentro do ônibus a mãe olhava distraída pela janela enquanto dava mamar ao filho. De repente notou a insistência do olhar de um passageiro, em pé, ao seu lado. Perguntou bruscamente:

– O que foi? Nunca viu uma criança mamar?
– Desculpe, dona, não é por maldade não. É que minha mãe morreu quando eu nasci e toda vez que vejo uma criança mamando fico morrendo de inveja, pois nunca tive o prazer de mamar.

Diante de tão comovente explicação, a mãe aquiesceu. Amoleceu o coração. Tornou-se solidária:

– Olha, vou lhe dar meu endereço e amanhã o senhor passa lá em casa que deixo o senhor mamar um pouquinho pra sentir o gosto, tá certo?

Que coração! Quem, senão uma mãe, para ter tanta bondade?! No outro dia o desmamado chegou cedo. A mãe o mandou entrar e sentar-se no sofá. Ela se aconchegou ao seu lado, suspendeu a blusa e lhe deu o peito cheio de leite. Era uma boa vaca leiteira, como se dizia na minha terra quando a mãe tinha muito leite.

Após dois minutos de mamação, ela começou a se excitar. Com a respiração ofegante, gemeu em sussurros:

– Tem certeza de que não quer mais nada? Se quiser, pode pedir!
– Posso, moça?
– Claro que pode! Qualquer coisa... Qualquer coisa meeesssmo!

Ele pensou, pensou... respirou fundo, criou coragem e pediu:

– A senhora tem aí um biscoitinho Cream Cracker?



sexta-feira, 6 de maio de 2011

Luís Pimentel - Dia das Mães

No ano retrasado ele veio, ano passado não. Este ano, só Deus sabe se vem. Pensam que fico esperando? Espero que nem aquela porta espera, aquela mesa espera, aquela planta ali. Não faz nenhuma diferença ele vir ou não vir, com as tolas recomendações de sempre, as mesmas e falsas preocupações.
Teve um ano que trouxe o filho. E o filho veio com a namorada. Dois jovens abobalhados, olhando para as paredes descascadas com curiosidade mórbida, me encarando com nojo e repulsa. Não aceitaram a água nem o guaraná que ofereci, com certeza por acharem que os copos não são lavados. Meu filho ainda aceitou a cerveja, talvez por saber que o álcool desinfeta tudo.

A mulher não vem nunca com ele. Nenhuma falta me faz. Fico dispensada dos salamaleques, de fingir naturalidade, falando de doenças ou de novelas. Tão bem criado, tão mal casado. A última vez que ela apareceu aqui, veio direto do salão de beleza e manteve os dedos esticados, durante os minutos que durou a visita de médico, para não encostar a unha em nada. Meu filho mostrou o quarto onde vivia quando rapaz solteiro. Ela riu, cínica e sonsa. “Como é que alguém pode viver num buraco desses?”, devia estar pensando.

Barulho no portão, só pode ser ele. Lá vêm flores murchas, presente ordinário, casaco de lã ou meias de nylon, garrafa de vinho de padaria, adocicado e enjoativo, pacotinho de torradas que eu não comia nem no tempo que tinha dentes. Vai se sentar no sofá que está forrado desde cedo e estirar as pernas no banquinho que só sai do quarto quando ele vem aqui. Claro que não vai demorar, pois tem compromisso com o filho ou com a mulher. Pouco se me dá que venha ou não venha, fique ou não fique.

Não era ele no portão. Apenas um vendedor de frutas. Pela hora, duvido que ainda apareça aqui. Melhor dobrar e guardar o lençol novo que coloquei no sofá, não quero que pegue poeira. Melhor devolver para o quarto o banquinho de estirar as pernas. Ano que vem pode precisar.






quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cineas Santos - Ecos do Sertão

Faz um tempinho que, por minha conta e risco, venho tentando construir uma ponte cultural entre Teresina e o sertão do Piauí. Foi assim que nasceu o projeto A Cara Alegre do Piauí, em 1977. É ocioso dizer que os resultados alcançados ficaram muito aquém das expectativas. Nada de extraordinário: os sonhos voam; as pernas, quando muito, correm... O certo é, ao longo desses anos, nunca me passou pela cabeça a ideia de desistir da construção do necessário diálogo entre a capital e o interior.

         Agora mesmo, estou chegando do sertão - Canto do Buriti, São Raimundo, Anísio de Abreu e São João do Piauí - com a alegria de quem acredita no que faz. Posso lhes assegurar que, a despeito das dificuldades de toda ordem, há uma enorme efervescência cultural no interior do Piauí. Os pontos de cultura, presentes em toda parte, são pequenas usinas de beleza. Agregam jovens e adultos e evidenciam a importância da cultura como instrumento de resgate da cidadania e elevação da autoestima do povo.

         Das iniciativas culturais que vi, uma me deixou muito entusiasmado e feliz: trata-se do projeto EnCantadores  do Sertão,coordenado pelo prof. Gonçalo Carvalho Filho, em São João do Piauí. Como coordenador da Universidade Aberta do Brasil, Gonçalo resolveu envolver os alunos num projeto de grande alcance pedagógico e social. Em vez de teorias inócuas, experiências vivenciadas. O resultado não poderia ter sido mais feliz. Com poucos recursos, mas com enorme capacidade de trabalho, o grupo vem resgatando práticas culturais prestes a desaparecer. O projeto conta com o apoio da Associação Cidadania Verde, da Rádio e Portal São-joanense. Pelo menos uma vez por mês, o grupo se reúne na casa de um dos artistas da terra e realiza uma espécie de sarau onde cada um mostra o que pode e sabe fazer. Desses encontros, nasceram o CD do mestre Julimar do Pife e o DVD  Batuque do Brás. Trata-se de trabalhos artesanais, de aparência pobre, mas extremamente valiosos por contribuir para manter vivas tradições seculares. Dona Conceição Viana, de 77 anos de idade, traduz o sentimento dos batuqueiros: “A gente nasceu e se criou brincando com o Brás, a gente se considera uma grande família. O batuque do Brás nunca vai acabar porque nós somos muitos. Eu vou embora daqui a uns dias, mas têm os outros aí, os netos, os bisnetos, os tataranetos dele. Se ele fosse vivo,ficaria muito orgulhoso por estarmos dando continuidade ao trabalho dele”.

         Para quem acredita no poder restaurador da cultura, é gratificante ver o brilho nos olhos de figuras do naipe de Jonas, Dió, Dedício, Miltinho, Quibobô, Seu Berto , Xubéu e tantos outros. Gente simples que, com engenho e arte, faz jus ao título de encantadores do sertão. Longa vida a esse projeto luminoso.
        

terça-feira, 3 de maio de 2011

Conversa ao pé do rádio



Dois pintores de parede trabalham no hall do prédio ouvindo um radinho de pilha debaixo da escada. De repente o locutor interrompe a música technobrega para esbravejar contra o aumento da gasolina. Clama o povo a ir às ruas protestar.

– Mermão, a gasolina tá cara mermo. Um absurdo. O locutor tem razão: a gente precisa se unir e protestá.  – disse o pintor de rodapé.
– Se continuar assim, aonde é que a gente vai parar? – resmungou o outro pintor, mexendo o balde de tinta – Temos que ir à rua mesmo, gritar contra esse aumento descarado de preço. Quem já viu isso?!
– A gente temos que fazer faixa e cartaz como aqueles tal de cara-pintada fazia.
– Pode ser. Gritar palavras de ordem contra os donos de posto, tipo “abaixo a ditadura da gasolina!”
– É... Ouvi dizê que o culpado desse aumento é um tal de Cartel. Esse cara deve ser gente muito importante no governo.
– A gente grita contra ele também... Mas me diga uma coisa: quanto é que tá custando um litro de gasolina?
– E eu lá vô sabê! Cumé que vô sabê se só ando de bicicreta?!


domingo, 1 de maio de 2011

Antônio Torres participará de Encontro com Jornalistas Escritores

O baiano Antônio Torres, nascido no arraial do Junco, hoje, cidade de Sátiro Dias, será uma das atrações dos Encontros com Jornalistas Escritores, que será realizado nos dias 25 e 26 de maio, em São Paulo , dentro do Congresso Mega Brasil de Comunicação. O evento tem a curadoria de Audálio Dantas e será integrado por quatro sessões, duas matinais, de 9h30 às 11h30, e duas noturnas, de 19h30 às 21h30. Torres começou ainda menino no jornalismo, como repórter do Jornal da Bahia e aos 20 anos já estava em São Paulo , na Última Hora. Atuou também na publicidade e lançou seu primeiro romance, Um cão uivando para a lua, aos 32 anos, com grande sucesso. O que viria a repetir-se com o lançamento seguinte, Os homens dos pés redondos. Seu maior sucesso, Essa terra, com fortes traços autobiográficos, foi lançado em 1976, ganhando uma edição francesa em 1984, o que lhe abriu o mercado internacional. Hoje tem seus livros publicados em Cuba, Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, Espanha e Portugal. São dele, ainda, Balada da infância perdida, Um táxi para Viena d’Áustria, Meu querido canibal, O nobre sequestrador, Pelo fundo da agulha e O cachorro e o lobo. Vive atualmente em Itaipava, Petrópolis, no Rio de Janeiro. Torres participará da quarta e última sessão, na noite do dia 26 de maio, ao lado de José Hamilton Ribeiro (Pantanal amor baguá e Vingança do índio cavaleiro) e de Regina Echeverria (Furacão Elis e Cazuza, preciso dizer que te amo).

Também vão participar do ciclo nas demais sessões Caco Barcellos, Eliane Brum, Juca Kfouri, Laurentino Gomes, Maurício de Sousa, Moacir Japiassu, Ricardo Kotscho, Ziraldo e Zuenir Ventura. Para os participantes do Congresso Mega Brasil o evento é gratuito. Para estudantes o preço de todo o ciclo é R$ 50 (ou R$ 20 se quiser participar de uma única sessão).

Informações sobre o evento podem ser obtidas pelo site www.megabrasil.com.br, telefone (11) 5576-5600, Twitter (twitter.com/megabrasil), Blog (www.congresso3em1.blogspot.com) e Facebook (http://migre.me/3Tdkp).




sábado, 30 de abril de 2011

Luís Pimentel - Jamelão e suas histórias


Das inúmeras histórias que enriquecem o folclore do samba a respeito do humor indigesto e inimitável de Jamelão, uma é imbatível. Dizem que convidado para receber uma (mais uma) homenagem em São Paulo, por conta dos não sei quantos anos de idade, o maior intérprete (“puxador é maconheiro ou ladrão de carro!”, dizia ele) do carnaval brasileiro fez a perguntinha: “Tem dindim?”. “Não, mestre, é só uma homenagem”. Um brinde à resposta:

– Homenagens não pagam minhas contas!

José Bispo Clementino dos Santos – o nome já era um enredo – nasceu no Rio de Janeiro, no dia 12 de maio de 1913. Morreu no dia 14 de junho de 2008. Aos nove anos vendia jornais nos subúrbios, onde conheceu o sambista Gradim, que o levou para a Estação Primeira de Mangueira. Começou a carreira no rádio, participou de alguns conjuntos e orquestras, entre elas a Tabajara, de Severino Araújo. Seu reconhecimento veio no final dos anos 50, quando gravou Exemplo e Ela disse-me assim, de Lupicínio Rodrigues.
No começo dos anos 40 Seu José Bispo já pontificava nas rodas de samba históricas da Praça Onze. Em 1945 participou de um programa de calouros na Rádio Ipanema, onde nasceu o apelido que o tornou célebre na verde e rosa e em todas as cores da MPB. Segundo contou em depoimento no Museu da Imagem e do Som, no Rio, o apresentador anunciou determinada música “a ser interpretada por Jamelão". Quando ouviu isso, ainda se perguntou: "Quem seria esse tal de Jamelão?" Para sua surpresa, o Jamelão era ele. O apresentador inventou na hora o apelido que pegou para sempre.

Além da maestria nos sambas-enredo, Jamelão cantava bem qualquer coisa que caísse em seu repertório. Ninguém melhor do que ele no samba-canção ou nos boleros. Encerrando com outra historinha do figuraça: na saída de um show coletivo, entre vários artistas, a jovem cantora se aproximou:

– Mestre, eu quero beijar sua mão.
– Precisa não. Primeiro, porque não sou pai-de-santo. Depois, porque não sei onde você andou com essa boca.


Juvenal Azevedo - Um cão uivando para a imortalidade



Antônio Torres é um dos candidatos à vaga deixada por Moacyr Scliar na Academia Brasileira de Letras. Segundo os entendidos nos meandros da ABL, Torres é, ao lado de Nerval Pereira, um dos favoritos a envergar o fardão dos imortais.

Na minha opinião, Nerval é um jornalista sério, estudioso e competente, mas falta a ele a chamada bagagem literária. Já Antônio Torres, ademais de suas qualidades pessoais e de caráter, tem uma farta bagagem de livros escritos, publicados e aplaudidos tanto pela crítica quanto pelo público, aqui e no exterior.
Desde sua primeira obra, à qual poderíamos sem exagero classificar de obra-prima, “Um cão uivando para a Lua”, de 1972, até seu livro mais recente, “Sobre pessoas”, de 2007, Torres mostrou ser, fundamentalmente, um escritor.

Um escritor talentoso, dominador de seu ofício, como em “Os homens dos pés redondos”, “Essa terra”, “Carta ao Bispo”, “Adeus, Velho”, “Balada da infância perdida”, “Um táxi para Viena d’Áustria”, “O centro de nossas desatenções”, “O cachorro e o lobo” (que recebeu o Prêmio Hors-Concours de Romance da União Brasileira de Escritores em 1998 e foi traduzido para o francês), “O circo no Brasil”, “Meninos, eu conto” (traduzido para o espanhol na Argentina, México, Uruguai), para o francês (no Canadá e na França), para o inglês (nos Estados Unidos) e ainda para o alemão e o búlgaro, além de ser incluído na antologia dos “100 melhores contos do século”, de Ítalo Moriconi, “Meu querido canibal”, “O nobre sequestrador”, “Pelo fundo da agulha” e “Minu, o gato azul”, uma delícia de livro infantil.

E o que espero que aconteça na ABL, em junho próximo, é o reconhecimento de que aos escritores de ofício se deve abrir o reino dos céus literários. Seria também o auto reconhecimento da Academia a um escritor por ela agraciado em 2000 com o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. 

Como a vaga em questão é a de Moacyr Scliar, não custa lembrar que Torres e Scliar se conheceram pessoalmente em 1985, num circuito de palestras pela Alemanha, sendo que foi numa viagem de trem de Colônia para Bielefeld que a amizade se consolidou. Segundo Torres, “fomos só nós dois no trem”. E acrescenta: “Já havíamos conversado em Frankfurt, mas foi tudo muito rápido. Depois daquela viagem para Bielefeld, ficamos amigos para sempre. No Brasil, costumávamos frequentar a casa um do outro entre o Rio e Porto Alegre. E o maior presente que ele me deixou foi seu artigo com o título “Meu querido Antônio Torres”, quando do lançamento do livro “Meu querido canibal”.

Bem. Desconhecedor dos rituais e cânones da Academia Brasileira de Letras, não sei se ao escrever este artigo estarei colaborando ou não para incrementar a candidatura de Torres à imortalidade, de vez que, se consultado fosse, meu amigo quase milenar Antônio Torres, por seu caráter e modéstia que beira a humildade, me impediria de fazer esta declaração pública de amizade e admiração por suas qualidades, tanto pessoais quanto literárias.

Que o Torres e, principalmente, os membros imortais da Academia me perdoem, mas em certas ocasiões calar seria, isso sim, inoportuno. Avante, imortais, façam justiça. Deem a Antônio Torres a cadeira de Moacyr Scliar que, certamente, onde quer que esteja, terá sua aprovação.

Juvenal Azevedo é jornalista e publicitário. Publicação original no site http://www.difundir.com.br/site/c_mostra_release.php?emp=1098&num_release=41274&ori=I



sexta-feira, 29 de abril de 2011

Edna Lopes - Porta-Voz Celestial



Mal amanhece se ajoelha, faz suas orações e liga o rádio. Ocupa-se das tarefas da casa, mas não descuida de ouvir, atenta, os louvores, os comerciais de produtos sacros enquanto aguarda ansiosa a pregação do Fulano de Tal, autoridade eclesial com o dom da palavra e muitos conhecimentos nas hostes celestiais.

Arruma a casa, lava a roupa, faz comida, mas a atenção no que o pregador fala está em primeiro plano e mal acaba o programa, corre ao telefone para avisar as amigas e parentas dos recados que Deus mandou a cada uma delas.

Nem o Anjo Gabriel pareceria mais íntimo...





domingo, 24 de abril de 2011

Engabelação Pascal

De Coelhinho da Páscoa

Talvez a Igreja me excomungue, mas, Páscoa, para mim, é só um motivo para se engordar mais de tanto se comer chocolate, seja em forma de ovo, de barra ou de bombons. O meu filho mais novo faz a festa nesse dia.

Aqui, neste mundo cibernético, já li tanta coisa sobre a Páscoa que só não vai faltar ovos nos supermercados da vida porque andam confundindo Zé Carroceiro com Zeca Roceiro. Já falaram até que a “Páscoa cristã é a celebração do Êxodo”, esquecidos que judeus e cristãos são inimigos históricos, apesar de o responsável pelo cristianismo ter sido judeu. Aliás, foram os próprios judeus que entregaram Cristo aos carrascos romanos, o que levou o Papa Pio XII, dois mil anos depois da crucificação, a não titubear na hora de escolher entre a cruz da Suástica e os descendentes de Abraão: lembrando Judas Iscariotes, beijou a face judaica.

Tenho saudades das minhas aulas de catecismo na Escola Brazilino Viegas, cuja professora Marilda caprichava nos ensinamentos sem nenhuma paixão ou ressentimento. Dizia que a páscoa era a celebração da vida, a Ressurreição de Cristo, a libertação do material pelo espiritual. E havia missa para as crianças no domingo e a gente cantava assim:

“Coelhinho da Páscoa
Que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos,
Três ovos assim;
Um ovo, dois ovos,
Três ovos assim.

Coelhinho da Páscoa
Que cores tu tens?
Azul, amarelo,
Vermelho também;
Azul, amarelo,
Vermelho também.”

À tarde havia brincadeira na rua: pau-de-sebo, quebra-pote, corrida de saco, boca-de-forno, pega-pega, cirandas e outras brincadeiras.

Foi num domingo de páscoa que fiz a primeira comunhão. Eu e mais todos os colegas da escola. Na catequese, a professora dizia que a comunhão seria o suprassumo da totalidade cósmica e que seríamos conduzidos pelas mãos do Espírito Santo até a presença de Deus. A hóstia deveria dissolver na boca em silêncio meditativo e que ficaríamos tão leves que seríamos capazes de voar. Criou-se uma expectativa enorme a respeito do sagrado momento da Comunhão que não pensava noutra coisa a não ser na hora de degustar meu passaporte para o Divino. Chegado o dia, chegada a hora, chegada a minha vez, a decepção foi tão grande que aquela foi a minha primeira e única comunhão. Anos depois eu soube que não funcionou em mim porque não havia contado todos os pecados ao santo confessor. Mas aí já era tarde para encarar um padre e confessar que fiz sexo antes de casar.

Atualmente catequese saiu da grade curricular das escolas. Cada um com direito a seu credo, à sua religião, vez que o Brasil é um país laico, cada um com seu direito de adorar a quem bem quiser. Lembro-me da aflição e constrangimento do meu colega Crispim, um filho de uma ialorixá tendo que se submeter aos rituais católicos. E ainda ouvir a professora de Religião dizer - na verdade a professora revivia o papel dos jesuítas - que o Candomblé era coisa do Satanás.

Ou era assim, ou era assado.

Nesta semana pascal fiquei de olhos esbugalhados com as manifestações sobre o tema em epígrafe, tanto em alguns blogs, quanto em sites de relacionamento. Mensagens tais que mais parecem copiados de cartão de boas festas, aqueles enviados no fim do ano. Com a globalização, já inventaram até o texto multifuncional, podendo ser usado em qualquer ocasião. Não acredito na sinceridade retirada do baú das letras em forma de mensagem, feito os aerogramas de natal da nossa briosa Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos nos tempos das diligências. A engabelação em tais mensagens é pura e cristalina. Por isso, para tais escribas, só me resta repetir o célebre pedido de Jota Cristo nos últimos instantes de sua existência como homem:

– Perdoai, ó Pai! Eles não sabem simplesmente dizer: feliz páscoa!