quarta-feira, 11 de maio de 2011

Cineas Santos - Vazando pelo ladrão

A placa do outdoor permanece lá: “Fulana: este outdoor é pequeno para demonstrar o tamanho do meu Amor por você... Sei que errei, mas estou aqui para te pedir desculpas. Te amo! Sicrano”. Não bastasse o fundo vermelho, dois corações entrelaçados ilustram a comovente mensagem. Muito românticos, dirão os românticos. Muito patético, diriam os irreverentes. Quanto a mim, direi apenas: um telefonema ou um e-mail poderiam obter o mesmo resultado por um custo um pouco menor.

Espero que o autor da mensagem não se aborreça comigo. O amor é dele; o dinheiro, também. Ninguém tem nada a ver com isso. Mais estranho é o caso da cidadã enfusada que espalhou placas de outdoor pela cidade inteira com apimentadas declarações de amor feitas por um admirador que nunca existiu. Como em Teresina tudo se sabe, a história vazou e caiu na boca do mundo. Houve um tempo, não muito distante, em que se procurava um escurinho para beijar a (o) namorada (o). Hoje, buscam-se os holofotes, escolhe-se o melhor ângulo ou o enquadramento perfeito e manda ver. Beijar já não basta; é preciso dizer ao mundo que você beija e como beija. Num desses carnavais fora de época, que emporcalham as ruas, um rapaz, esfuziante, jactava-se diante das câmaras: “Bati meu próprio recorde: hoje, beijei 300 garotas!”. Ora, não é preciso ser especialista em nada para saber que quem beija 300 garotas, num curto espaço de tempo, não beijou nenhuma. Na mesma noite, uma garota bem-nascida berrava ao telefone: “Fiquei com seis! Seis!” e ria-se com todos os dentes. Ó tempora! Ó mores! , diriam os antigos.
O problema, segundo um amigo especialista em teses complicadas, “É que já não cabemos em nós mesmos. Estamos vazando pelo ladrão”. Com a autoridade de quem estudou muito, vai adiante: “Outrora, bastava pensar para existir; hoje, é preciso estar na mídia gritando: estou aqui! estou aqui! para que o mundo tome conhecimento da nossa existência”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Um exemplo: mesmo sabendo que fotografias nos facebooks podem ser montadas e remontadas ao gosto do freguês, jovens e velhos postam fotografias, todos os dias, sem nenhuma preocupação. A chamada vida privada já não existe nem na dita cuja. Com a proliferação dos celulares com câmaras fotográficas, o seu traseiro pode estar sendo exposto ao mundo enquanto você descome num banheiro qualquer. A vida tornou-se um imenso reality-show. Acrescente-se a isso o twitter, que dá conta até das flatulências que o freguês expele por dia. Os seguidores aplaudem e reproduzem a informação, com a velocidade da luz.

Quando Andy Wharol afirmou que, num futuro próximo, todo mundo teria direito a 15 minutos de glória, certamente não sabia que estava rogando uma praga que atingiria a humanidade inteira. Decididamente, a vida no singular tornou-se impensável. Gostando ou não, estamos condenados trotar com a manada. Mundão pequeno, sô!




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