quarta-feira, 1 de maio de 2013

terça-feira, 30 de abril de 2013

Conversa ao pé do balcão

– O culhão é pra quem é roncolho. O óculos é para quem é caolho. Os ósculos é para quem anda beijando.
– Vixe! E o amplexo?!
– Essa é de doer.  
– É a nossa língua e suas armadilhas.
– Armadilha é pouco. Quer ver: diga ao Moacyr que ele é heterossexual...
– Moacyr! – gritou – Descobri que você é heterossexual!
– Heterossexual é o seu pai! Me respeite que eu sou é macho!
– Então você é homossexual?
– Com muito orgulho.
– Tá vendo? – falei – Outra palavrinha cabulosa é defenestrar?
– Essa eu me esqueci.
– Jogar pela janela.
– Ah! Sim. Acho que só Braga, que é oficial da Marinha, sabe.
– Será?
– Pergunte.
– Capitão Braga, quando você estava na Marinha, defenestrou muitos marinheiros?
– Que é isso, rapaz?! Olha o respeito! Na Marinha não tem dessas coisas não! – respondeu o capitão, visivelmente contrariado.

Se ele reagiu assim, imagine o que não poderiam responder os outros clientes que lotavam o bar. Certas palavras vieram ao mundo com o objetivo de arranjar encrenca. Ou deixar margens para outras interpretações. Em Salvador quase acontecia uma tragédia por causa duma má interpretação. Dois recém-conhecidos conversavam e um deles se apresentou como podólogo. O outro retrucou violentamente:

– E você sente orgulho disso?
– Disso o quê?
De ser estuprador de crianças! – e os dois só não chegaram às vias de fato porque alguém resolveu interceder.

Moacyr, meu ex-funcionário, se orgulhava muito de ser pederasta. Alargava um sorriso de satisfação e dizia: “Ando muito a pé”.


     

   

domingo, 21 de abril de 2013

Cineas Santos - Das coisas que não entendo



Reza a lenda que, durante os treinos dos times onde atuou, o jogador Gerson de Oliveira Nunes conduzia a bola até uma das laterais do campo, dava uma tragada no cigarro que um dos auxiliares lhe oferecia e, com precisão milimétrica, fazia um lançamento para um dos companheiros marcar o gol. Exagero à parte, Gérson fumava como um alucinado, o que não o impediu de ser um dos mais brilhantes meios-campos do futebol brasileiro. Na vitoriosa seleção de 70, ficou conhecido como “o Canhotinha de Ouro”. Além de fazer gols essenciais, fez lançamentos primorosos. Incensado e festejado pela imprensa, Gerson foi convidado para fazer  propaganda de um cigarro ordinário cujo nome era Vila Rica. No comercial, o jogador afirmava: “Leve vantagem você também. Leve Vila Rica”.

         Não se sabe exatamente quanto o atleta faturou com o comercial, mas, ainda hoje, aos 71 anos de idade, Gerson paga um preço muito alto pela propaganda infeliz. A partir da peça publicitária, que sugeria ladinice, inventou-se a famigerada “Lei de Gerson”, uma espécie de lei da malandragem, da esperteza, da falta de escrúpulos. Com a palavra o  jogador: “Não me arrependo de ter feito o comercial do cigarro Vila Rica. Faria tudo de novo. Fiz uma propaganda para um cigarro novo. Todo mundo sabia que eu fumava e então fui convidado. Todo cigarro era igual, mas esse era mais barato. E a vantagem estava somente nisso. Daí um idiota qualquer modificou o sentido e disse que eu queria levar vantagem em tudo, criando a  Lei de Gerson” (Revista Alfa – março de 2013). Em defesa do jogador, convém lembrar que, à época, fumar,  vício hoje satanizado,  era sinônimo de virilidade. Para que as mulheres não se sentissem discriminadas, os mercadores da morte lançaram o cigarro Charme. Fumar era a regra.

         Um pouco tarde, por força de lei, o cigarro foi expulso do campo da publicidade, e os resultados já se fazem sentir: o brasileiro está fumando menos e, consequentemente, morrendo menos das enfermidades provocadas pelo fumo. Mas o esquema de jogo do capitalista não foi alterado: saiu a nicotina, entrou o álcool com força total. Como diria um ex-presidente, “nunca antes na história desse país”, se bebeu tanto. A moçada está começando cada vez mais cedo e bebendo cada vez mais.

         E quem é o garoto-propaganda mais ativo no “mercado etílico”? O rotundo Ronaldo “fenômeno” que, com ar de mafioso, conclama a moçada a integrar o clube dos consumidores de cerveja, contribuindo para “melhorar o futebol brasileiro”. O que não entendo, por mais que me esforce: é o que leva um cidadão que já conquistou tudo – fama, dinheiro, louras oxigenadas e até travestis – a fazer um comercial desse tipo. Ronaldo, como ex-jogador, deveria acrescentar: entrando para o clube dos consumidores de cerveja, não há a menor possibilidade de você conquistar, em campo, o que conquistei. Em vez disso, limita-se a perguntar ao Cafu se ele tem um copo. O ex-capitão da seleção brasileira responde: “Só taça”, abre o paletó e exibe um troféu. Como se o álcool  fosse um produto inofensivo, todo mundo ri.


sábado, 20 de abril de 2013

Luís Pimentel - No centenário de Cyro Monteiro



     Ele estaria fazendo cem anos redondinhos em maio (dia 28) de 2013. O grande cantor que nos deixou há quarenta anos (também redondos, em 13 de julho de 1973), jamais deixou de ser lembrado: por quem o viu cantar, por muitos que só conheceram sua voz bem depois, das gravações, e também pelos jovens intérpretes de samba – os que perseguem a linhagem nobre dos belos intérpretes, onde Cyro  (aqui no traço de Amorim) pontificou depois seguido por nomes como Roberto Silva, Roberto Ribeiro, Walter Alfaiate, Emílio Santiago e tantos outros bons canários da terra.

     O Formigão – apelido que ganhou dos amigos e que carregou pela vida inteira – virou cantor por influência de um tio, o maestro Nonô, e o primeiro sucesso pipocou em 1938, quando gravou Se acaso você chegasse (que ele chamava de “meu hino nacional”), criação imortal de um compositor gaúcho também iniciante chamado Lupicínio Rodrigues.  A voz suave e encorpada, cheia de ginga, bailando na síncope musical, caiu feito uma luva para os compositores de sambas. Daí em diante vieram gravações espetaculares de obras de Roberto Martins, Mário Rossi, Ary Monteiro, Wilson Batista e Cyro Monteiro conquistou definitivamente o Brasil em 1942, com a gravação do samba Falsa baiana , do mangueirense Geraldo Pereira, compositor de quem veio a gravar depois inúmeros sucessos, sendo o maior deles o malandríssimo Escurinho.

     Flamenguista dos mais apaixonados, Cyro Monteiro tinha o hábito de presentear com uma camisetinha do clube do coração cada filho de amigo que nascia. E sentia prazer especial no gesto quando o pai torcia por outro time do Rio de Janeiro, como foi o caso do compositor Chico Buarque. Torcedor do Fluminense, Chico foi presenteado com o manto sagrado do Mengão quando nasceu sua primeira filha e devolveu o mimo a Ciro com um samba lindo, chamado Receita para virar casaca de neném (“Amigo Ciro/Muito te admiro/Meu chapéu te tiro/Muito humildemente. Minha petiza/Agradece a camisa/Que lhe deste à guisa/De gentil presente/Mas, caro nego/Um pano rubro-negro/É presente de grego/Não de um bom irmão...”).
      Boêmio de boa estirpe e carioca em tempo integral, Cyro gravou obras-primas como Beija-me (Roberto Martins e Mário Rossi, 1943), Botões de laranjeira (Pedro Caetano), Meu pandeiro (Luiz Gonzaga e Ary Monteiro), Rosa Morena (Dorival Caymmi), O amor e a rosa (Pernambuco e Antonio Maria), A mesma rosa amarela (Capiba e Carlos Pena Filho), Emília (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Filosofia (Noel Rosa), Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti), Jura (Sinhô) e Rugas (Nelson Cavaquinho, Augusto Garcez e Ary Monteiro.

     Como escreveu um dia Vinicius de Moraes, Cyro, homem de muitas e boas camaradagens, tinha “a vocação da amizade”. Por isso vive até hoje na memória de seus amigos; inclusive daqueles (que nem eu) que nem sequer o conheceram.

     

 


sábado, 6 de abril de 2013

Cineas Santos - A face escura do narcisismo



Sou de um tempo em que Semana Santa (com maiúscula) era um período de silêncio, recolhimento, jejum e orações. Já no início da Quaresma, impunham-se alguns limites às nossas reinações: capturar ou matar animais, por exemplo, era pecado mortal. Nos chamados “dias grandes” (quinta e sexta), não se ordenhavam as vacas, não se varria a casa, não se fazia a barba, não se tomava banho... Não me perguntem se isso nos fazia mais humanos, mais solidários, menos cruéis. Fazia-nos, certamente, mais calados, mais tristes, menos cheirosos...

         “Reflexões de velho”, dirão alguns, e com razão. Reflexões provocadas por uma cena que presenciei no domingo passado, na igreja de Fátima, durante a Missa de Ramos. Sentei-me ao lado de uma família de classe média. Lá estavam avô, mãe e neto. O netinho, um garoto de uns seis anos de idade, mal se sentou, abriu a bolsa da mãe, uma senhora bastante jovem, retirou um desses celulares equipados até com radar para detectar míssil, e começou a jogar. Até aí, nada de extraordinário: hoje, mal largam a chupeta, as crianças ganham um celular de presente, crianças pobres. Para as riquinhas, um IPhone é a pedida recomendável. O garotinho tentava “pegar” alguma coisa, que não consegui identificar. Sempre que errava, puxava violentamente o braço da mãe e a obrigava a reiniciar o jogo. Isso durou o tempo exato da missa. A distinta senhora, em momento algum, demonstrou aborrecimento, impaciência, irritação. Impossível não me lembrar de dona Purcina. Para sorte da molecada, já não se fazem mães como antigamente.  

         Saí da igreja pensando nas lições do sociólogo Bauman, autor da teoria do “mundo líquido”, uma realidade movediça, volátil, onde nada tem permanência, nem mesmo Deus. Com minha indeclinável vocação para pedra, tenho certa dificuldade para entender essa nova realidade na qual tudo é transitório e descartável, do copinho de iogurte ao amor...
 

         Por sorte, chovia, e a chuva me remeteu ao sertão onde nasci, um mundo rústico, simples, prático. De Deus, só cobrávamos chuva e alento para tocar a vida. Como as aspirações eram rasas, as frustrações eram poucas. Como diria o poeta, não nos ardia o desespero de ser donos de nada...

         Em casa, o computador me trouxe de volta ao presente, exibindo a face escura da sociedade narcísica e consumista em que vivemos. Uma matéria apelativa tratava do “escândalo das ninfetas exibidas”, fotos de garotas nuas, algumas impúberes, que circulam nas redes sociais. Os pais das meninas estão envergonhados e, naturalmente, indignados. Exigem “providências enérgicas”. O problema é saber: de quem? Para sossego deles e delas, uma certeza: amanhã ninguém mais se lembrará de nada. Num “mundo líquido”, tudo é água, ainda que, às vezes, salgada...

         Dizem os especialistas que “vivemos o ápice do narcisismo inconsequente”. Talvez tenham razão. Ninguém mais cabe em si mesmo: ou se mostra ou não existe. Afirma-se que a próxima engenhoca eletrônica propiciará aos insaciáveis consumidores imagens tridimensionais da própria alma. Aí, finalmente, Deus poderá descansar em paz. Assim seja.


terça-feira, 2 de abril de 2013

Luís Pimentel - Cem vezes Vinícius de Moraes


       Letrista/poeta? Poeta/letrista? Aqui, a ordem das letras não altera os versos. E o grande compositor da MPB que ficou conhecido como Poetinha não rivaliza com o grande poeta que, juntamente com parceiros musicais do gabarito de Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra ou Toquinho criou momentos preciosos do nosso cancioneiro.

     Também advogado, diplomata, cronista, crítico de cinema, dramaturgo, cidadão do mundo e amigo de seus amigos em todas as horas, Vinicius de Moraes, o grande brasileiro de quem este ano se festeja o centenário, botou a poesia no centro dos acontecimentos, mesmo tendo sido perseguido pela burocracia do Itamarati – por ser poeta – e depois pelos poetas mais conservadores – por escrever letras de música popular. Independente da data redonda, Vinicius será sempre lembrado por suas canções, que não param de merecer regravações, e também pelo relançamento de sua obra literária ou a remontagem de seu musical clássico, Orfeu do Carnaval.

     Vinicius de Moraes ressuscitou a parceria, que andava fora de moda, a necessidade do músico sem muita intimidade com a palavra se juntar a um poeta em busca da complementação da obra de arte. Dos primeiros sucessos ao lado de Tom Jobim na década de 50, onde surgiram pérolas como Garota de Ipanema, Se todos fossem iguais a você, Chega de saudade e Eu sei que vou te amar, os “afro-sambas” com Baden, até o casamento com Toquinho, consolidado com Tarde em Itapuã, o poeta se firmou como uma das maiores vocações de letrista que já vimos.

      Vinicius nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro, mesma cidade onde morreu, em 1980. Consta que era um menino bonito. Tinha olhos verdes, “talvez ausentes, mas determinados como se vissem logo adiante um grande dever a cumprir e o tempo fosse pouco”, como declarou certa feita sua irmã mais velha, Laetitia. Deixou muitas viúvas e inúmeros discos gravados. Também se destacou na criação de trilhas sonoras, tendo deixado pelo menos cinco LPs com esses registros.   

     Trabalhador, criativo e profícuo, foi um gênio da raça.