domingo, 21 de abril de 2013

Cineas Santos - Das coisas que não entendo



Reza a lenda que, durante os treinos dos times onde atuou, o jogador Gerson de Oliveira Nunes conduzia a bola até uma das laterais do campo, dava uma tragada no cigarro que um dos auxiliares lhe oferecia e, com precisão milimétrica, fazia um lançamento para um dos companheiros marcar o gol. Exagero à parte, Gérson fumava como um alucinado, o que não o impediu de ser um dos mais brilhantes meios-campos do futebol brasileiro. Na vitoriosa seleção de 70, ficou conhecido como “o Canhotinha de Ouro”. Além de fazer gols essenciais, fez lançamentos primorosos. Incensado e festejado pela imprensa, Gerson foi convidado para fazer  propaganda de um cigarro ordinário cujo nome era Vila Rica. No comercial, o jogador afirmava: “Leve vantagem você também. Leve Vila Rica”.

         Não se sabe exatamente quanto o atleta faturou com o comercial, mas, ainda hoje, aos 71 anos de idade, Gerson paga um preço muito alto pela propaganda infeliz. A partir da peça publicitária, que sugeria ladinice, inventou-se a famigerada “Lei de Gerson”, uma espécie de lei da malandragem, da esperteza, da falta de escrúpulos. Com a palavra o  jogador: “Não me arrependo de ter feito o comercial do cigarro Vila Rica. Faria tudo de novo. Fiz uma propaganda para um cigarro novo. Todo mundo sabia que eu fumava e então fui convidado. Todo cigarro era igual, mas esse era mais barato. E a vantagem estava somente nisso. Daí um idiota qualquer modificou o sentido e disse que eu queria levar vantagem em tudo, criando a  Lei de Gerson” (Revista Alfa – março de 2013). Em defesa do jogador, convém lembrar que, à época, fumar,  vício hoje satanizado,  era sinônimo de virilidade. Para que as mulheres não se sentissem discriminadas, os mercadores da morte lançaram o cigarro Charme. Fumar era a regra.

         Um pouco tarde, por força de lei, o cigarro foi expulso do campo da publicidade, e os resultados já se fazem sentir: o brasileiro está fumando menos e, consequentemente, morrendo menos das enfermidades provocadas pelo fumo. Mas o esquema de jogo do capitalista não foi alterado: saiu a nicotina, entrou o álcool com força total. Como diria um ex-presidente, “nunca antes na história desse país”, se bebeu tanto. A moçada está começando cada vez mais cedo e bebendo cada vez mais.

         E quem é o garoto-propaganda mais ativo no “mercado etílico”? O rotundo Ronaldo “fenômeno” que, com ar de mafioso, conclama a moçada a integrar o clube dos consumidores de cerveja, contribuindo para “melhorar o futebol brasileiro”. O que não entendo, por mais que me esforce: é o que leva um cidadão que já conquistou tudo – fama, dinheiro, louras oxigenadas e até travestis – a fazer um comercial desse tipo. Ronaldo, como ex-jogador, deveria acrescentar: entrando para o clube dos consumidores de cerveja, não há a menor possibilidade de você conquistar, em campo, o que conquistei. Em vez disso, limita-se a perguntar ao Cafu se ele tem um copo. O ex-capitão da seleção brasileira responde: “Só taça”, abre o paletó e exibe um troféu. Como se o álcool  fosse um produto inofensivo, todo mundo ri.


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