No golpe de Estado
aplicado aos portugueses pelo Primeiro-ministro Antonio Oliveira Salazar, em
1933, os paraquedistas da Força Aérea Portuguesa, quando se jogavam no vazio,
em vez de contar até dez para abrir os paraquedas, eram obrigados a gritar:
“Viva Salazar!” e depois puxar a cordinha. O treinamento seguia seu curso
normal quando um deles desceu em queda livre e se estatelou no
chão, voando pedaços do corpo para todos os lados. Houve uma correria geral
para ver quem era o infeliz. Alguém o identificou:
– Coitado, era o
soldado Gaguinho!
Nos negros anos em
que a Ditadura brasileira promovia uma intensa caça aos intelectuais de
esquerda, ou que assim presumisse, o escritor Antônio Torres se exilou
voluntariamente em Portugal nos estertores do salazarismo. As colônias
portuguesas viviam em ebulição de independência e a opinião pública
internacional, traduzida pela ONU, condenava Salazar por manter políticas
colonizadoras aos moldes da idade medieval. Em 1968, Salazar teve um derrame e
foi substituído por Marcelo Caetano, destituído do poder em abril de
1974 por forte pressão popular, que ficou conhecida como “A Revolução dos Cravos”.
Jornalista e
publicitário, Antônio Torres aproveitou a onda histórica para escrever sobre o salazarismo
e assim nasceu o seu livro “Os Homens dos Pés Redondos”, que teve um grande
sucesso editorial e boa repercussão entre os críticos, que viam nele um grande
escritor pós-moderno, abalizado pelo best-seller “Um Cão Uivando Para a Lua”,
lançado anteriormente. Por ocasião do lançamento do livro, em Salvador, eu quis
saber o porquê dos “pés redondos”:
– O salazarismo era um regime que andava em
círculo, não indo a lugar nenhum, por isso “os pés redondos”.
– Só se for lá em
Portugal – disse-lhe eu – porque, aqui, quem tem os pés redondos são os burros.
Ele caiu em si. Em Portugal
não era ofensa, mas aqui podia ser. Porém não havia mais jeito de refazer o
título.
Que língua nós
falamos, afinal? Quando chego à Bahia, minha terra natal, preciso de um
intérprete para entender o meu povo. Certa vez, estava conversando com o meu sobrinho adolescente, na sacada do apartamento
da minha irmã, passou um rapazola na
rua e os dois entabularam conversa: “E aí, porra, como é que foi a porra?”,
perguntou o meu sobrinho. O amigo respondeu: “A porra foi da porra, porra!” Não
me contive e soltei uma sonora “porra” de estupefação.
O meu cunhado, dentro
de casa, desistiu de satisfazer o desejo de minha irmã sob o claro e lógico
argumento de que “a coisa não coisa, se ele não coisar, como ele não podia
coisar naquele momento, a coisa não coisa”.
E a coisa que não coisava era enfiar um prego na parede para pendurar um quadro.
Pois bem, vocês acham
que Guimarães Rosas tem uma linguagem complicada, né? Então, vejam se entendem o
cotidiano do linguajar baiano:
“Vamos bater uma
caixa que hoje vou arriar o balaio e bater coxa sem cerca-lourenço. Se assunte
que estou azuretado e badogueira comigo é caixão e vela, meu rei, mesmo tendo o
balaio grande, corpo cevado e fatiotada feito penteadeira de puta. Não vou
ficar cozinhando o galo em banho-maria com minha moral de jegue, pois tenho que
paletar para a casa da porra para pegar um buzú. Se cair um cacau, no caminho,
paro num cacete armado para não molhar meu roscófi nem meu arromba-peito;
aproveito para comer água bruta, ceva com folha podre, acompanhado de
chupa-molho de currute, como se tivesse solto na buraqueira, mesmo sem uma
banda de conto para sustar a dolorosa, e se aparecer algum tirado a porreta tirando
filipeta, dou uma dura, mando o sacrista se campar e toco o meu bonde pra
lapinha, malmente descambixado e descalqueado, para encher o talo em outra
visgueira, onde ninguém possa jogar as cajás pra cima de muá e eu possa comer
rama até chamar Jesus de Genésio e cachorro de cacho. É taca, meu branco!”
(tradução do baianês no rodapé)
Saio da Bahia
diretamente para Maceió, capital das Alagoas. Um locutor esportivo conversa com
o repórter de pista sobre uma confusão em campo. O repórter esclarece os ouvintes,
empolgado, dizendo que “está havendo o maior “cu-de-boi” na área do
CRB”. O locutor chamou a atenção do repórter para o palavreado empregado:
– Olha o Português,
Genésio!
– O Português vai
entrar no lugar de quem, Val Rodrigues? – perguntou o repórter.
Há
certas regiões do Brasil em que a gente pensa estar em outro país, de tão
difícil que é a compreensão da linguagem oral, cuja corruptela causa verdadeiro
estrago na chamada Língua Culta, para desespero e cólera dos puristas
gramaticais, que querem que 170 milhões de habitantes falem a Última Flor do
Lácio como se vivessem em Coimbra, sem considerar suas raízes étnicas,
culturais, sociais e econômicas. Há gente “inocente” que pensa que a língua que
se fala no Oiapoque é a mesma falada no Chuí, embora as duas regiões estejam
regidas pela mesma Gramática.
E a Figura de
Linguagem, inventada para dizer as palavras diferente da sua construção
sintática, que povoa e enriquece a nossa
Língua, sendo que, no interior do Brasil, o povo usa e abusa de suas expressões,
para gáudio dos defensores de um país livre do julgo linguístico de Portugal.
Dois matutos
conversavam extasiados com a beleza de uma igreja. Um deles exclamou:
– Que igreja linda
dos infernos!
– Quer ver o diabo?
entre nela!
“O defeito está na vista” é uma antífrase para
ressaltar a beleza de algo, nunca para indicar males ou defeitos ópticos. E foi
baseado nessa figura de linguagem que José de Caturina comprou o alazão do seu
compadre João das Mulas, negociante de cavalos, jegues e... mulas. Ao analisar
o animal como qualquer comprador de cavalos faz, o seu compadre lhe disse que o
defeito estava na vista. Realmente se tratava de um cavalo muito bonito e
faceiro, com cara de trotador. Sem pestanejar, selou negócio e cavalo e no
outro dia estava de volta, puxando o cavalo pelo cabresto, cara enfurecida, querendo
desfazer a compra, alegando que fora enganado pelo compadre que lhe vendeu um
cavalo cego de um olho.
– Não vou devolver
seu dinheiro não! – esbravejou João das Mulas – Eu lhe avisei que o defeito
estava na vista e você levou assim mesmo! Você não comprou enganado, portanto,
não aceito devolução!
Quem gosta de ouvir
as músicas de Elomar sabe que no encarte dos seus discos acompanha um
glossário. Sem ele, algumas letras são incompreensíveis.
Nossos linguistas e
gramáticos estão com razão quando brigam por desvincular nosso idioma do de
Portugal. Não tem nada a ver. Persistir na teimosia de que ainda somos colônia
d’além-mar, é como dar um paraquedas a um gago e mandar pular gritando vivas a El-rey.
Tradução do baianês: “Vamos conversar que
hoje vou abrir o jogo e falar sem rodeios. Preste atenção que estou zangado e
mulher feia comigo é assunto passado, meu amigo, mesmo tendo a bunda grande,
corpo gordo, bem vestida e enfeitada. Não vou ficar enrolando com falsa moral,
pois tenho que andar para longe para pegar um ônibus. Se chover, no caminho,
paro num boteco para não molhar meu relógio nem meu cigarro; aproveito para
beber uma cerveja com cachaça, acompanhado de guisado de costela de boi meio
cru, como se não tivesse compromisso, mesmo sem dinheiro para pagar a conta, e
se aparecer algum metido tirado a engraçadinho, corto conversa, mando o
malandro pra porra e sigo em frente, desanimado e sem planos, para encher a
cara de cachaça em outro bar, onde ninguém possa botar pra quebrar em cima de
mim e eu possa beber até me embebedar. É fogo, meu amigo!”